22 Junho 2017
Em 1987, aconteceu a primeira e até agora a única visita de um Sumo Pontífice ao Chile, mas o Vaticano confirmou a vinda do Papa Francisco para janeiro de 2018. No entanto, historiadores e sociólogos apontam que fará a visita em um cenário político e social diferente, com menos católicos e muitas críticas à Igreja, que contrastam com a visita de João Paulo II.
A reportagem é de Paulina Sepúlveda Garrido, publicada por La Tercera, 19-06-2017. A tradução é de André Langer.
De acordo com Gabriel Cid, historiador da Universidade Diego Portales, a visita do Papa João Paulo II – que em 1º de abril passado completou 30 anos – é um dos acontecimentos mais importantes na história do Chile do século XX.
Por isso, o anúncio do porta-voz do Vaticano, Greg Burke, que disse que, aceitando o convite dos respectivos chefes de Estado e da Igreja, “Sua Santidade, o Papa Francisco, fará uma viagem apostólica ao Chile nos dias 15 a 18 de janeiro de 2018”, está provocando um grande entusiasmo.
Mas o próprio governo esclareceria que a segunda visita de um Sumo Pontífice ao país se dará em um contexto político e social bem diferente daquele que João Paulo II encontrou. “O Papa Francisco encontrará um país com pleno estado de direito, que recuperou sua democracia em 1990 e que é muito mais diversificado em diferentes áreas, com um crescente número de imigrantes”, disse o executivo em um comunicado.
O Chile que recebeu Karol Józef Wojtyla, verdadeiro nome de João Paulo II, era diferente em muitos aspectos do atual. Em 1987, o país tinha apenas 83.805 imigrantes (0,7% da população). Atualmente, segundo o Departamento de Estrangeiros, há 477 mil, isto é, 2,7% da população.
As mulheres – em média – tinham quase três filhos (hoje a taxa global de fecundidade é de 1,8) e a expectativa de vida média era de 72 anos; hoje um chileno vive em média uma década a mais. Em 1987 havia seis milhões de pessoas a menos no país e 95 mil delas se casavam anualmente. Atualmente, acontecem 30 mil casamentos a menos.
Mas, além disso, as expectativas em relação à visita de João Paulo II eram muito grandes. Com dois anos de antecedência foram criados um lema, uma oração e uma música. Foram distribuídos, além disso, meio milhão de Altares Familiares, que tinham no centro o rosto de Cristo e que podiam ser encontrados em muitas residências.
A viagem aconteceu entre os dias 01 e 06 de abril de 1987. Nesses dias, o papa passou por Antofagasta, La Serena, Valparaiso, Santiago, Concepción, Temuco, Puerto Montt e Punta Arenas. Francisco visitará apenas três cidades: Iquique, Santiago e Temuco.
Em 1987, o Chile atravessava uma etapa complicada da sua história. Octavio Avendaño, sociólogo e acadêmico de Sociologia da Universidade de Chile, assinala que naquela época existiam condições autoritárias e começava-se a discutir o processo de transição para a democracia. “As circunstâncias são diferentes das atuais. Hoje, em sua visita, serão abordados temas que representam um desafio para a sociedade, como a migração e o conflito mapuche. Ele escolheu esses lugares por alguma razão”, destaca Avendaño.
Com João Paulo II, acrescenta, tinha-se a esperança de que mudariam as condições sociais e políticas. Assim, entre as multidões de pessoas que se reuniam em cada um dos lugares que visitava, era possível ver cartazes em que se pedia o fim do regime militar.
Para Marcial Sánchez, professor de História da Igreja na Universidade Católica, a visita de João Paulo II aconteceu em um contexto muito diferente. “Estávamos em plena ditadura, onde o papa veio para dar uma mensagem de paz. As pessoas não sabiam como isso iria acontecer e em cada encontro buscou-se colocá-lo a par do que estava acontecendo”.
Ana María Stuven, historiadora do Instituto de Pesquisa em Ciências Sociais da Universidade Diego Portales, ressalta que o Papa Francisco não causará o mesmo impacto no sentido político como a visita anterior: “Havia a esperança de que o papa pressionasse a ditadura de Pinochet por um maior respeito pelos direitos humanos”, destaca.
Na visita de 1987, era preciso garantir uma saída pacífica ao governo da época, acrescenta Avendaño. “Hoje é difícil pensar que por sua intervenção se materialize uma política ou uma mudança, mas de toda forma colocará na agenda uma discussão e será interessante ver o momento em que a abordará”, esclarece.
A escolha dos lugares não foi por acaso. “Gosto que vá a Iquique pela questão das migrações e pela questão do Peru e Bolívia. Ele vem como emissário da paz. Em Temuco existe a questão da situação dos povos originários em sua generalidade e terá que ouvir a reivindicação dos temas mapuches. Não tenho a menor dúvida de que sabe o que é o Chile, porque é argentino, conhece o cardeal Ricardo Ezzati e conhece a nossa Igreja”, ressalta Sánchez.
E embora a relevância política possa ser menor, a visita terá um impacto maior na própria Igreja, disse Stuven. Isso porque ele foi uma figura que assumiu com uma postura mais aberta certas mudanças doutrinárias, principalmente na administração da cúria romana.
“No caso chileno, onde houve abusos por parte da Igreja, a postura firme dele será importante para fortalecer aqueles que dentro da Igreja querem abri-la para mudanças necessárias. O farto de que seja jesuíta é um apoio à doutrina jesuíta no Chile, uma abertura para o pluralismo dentro da Igreja chilena. Tomara que trabalhe com a Conferência Episcopal, tomara que haja aberturas como a incorporação da mulher na Igreja do Chile”, disse Stuven.
Outra diferença é no âmbito católico. A pesquisa Bicentenário, realizada em 2014, assinalou que 59% da população declarava-se católica, número que em 2006 era de 70%.
Como vai reagir, caso for interpelado sobre os abusos da Igreja? Sánchez destaca que o atual papa tem uma qualidade: não foge das perguntas.
“Ele diz a verdade; se lhe perguntarem sobre isso, ele responderá. Além disso, o Chile é o primeiro país que enfrenta essas situações da Igreja e cria uma comissão. Todas as denúncias foram devidamente investigadas e ele enfrenta todos os temas”.
Fonte: La Tercera
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O Chile que receberá o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU