20 Agosto 2025
Em uma nova afronta, o presidente dos EUA, Donald Trump, ameaça o México, a Venezuela e outros países latino-americanos com o envio de tropas militares para enfrentar grupos criminosos de narcotraficantes.
A informação é de Alejandro Gutiérrez Castañeda, publicada por El Salto, 20-08-2025.
Marco Rubio, secretário do Departamento de Estado dos Estados Unidos, designou vários grupos criminosos do México, El Salvador e Venezuela como "organizações terroristas estrangeiras", em cumprimento a uma ordem executiva de Trump.
O presidente Donald Trump avança em seu plano para que as forças militares dos Estados Unidos sejam enviadas para outros países e águas internacionais para combater os cartéis de drogas latino-americanos, classificados como terroristas por seu governo.
Com cada nova medida de Washington, a incerteza aumenta sobre uma possível intervenção dos EUA em território mexicano ou venezuelano, os dois países que a Casa Branca responsabiliza pela epidemia de fentanil e outras drogas que os americanos enfrentam.
Em fevereiro passado, o chefe do Departamento de Estado, Marco Rubio, designou vários grupos criminosos do México, El Salvador e Venezuela como "organizações terroristas estrangeiras", em cumprimento à ordem executiva que Trump assinou em 20 de janeiro, dia de sua segunda posse. O argumento da Casa Branca é que essas máfias e gangues "ameaçam a segurança do povo americano e a estabilidade da ordem internacional no hemisfério ocidental".
A ordem executiva 14157 inclui como terroristas estrangeiros os cartéis de Sinaloa, Jalisco Nueva Generación, do Nordeste (antigos Zetas), do Golfo, a Nueva Familia Michoacana e o chamado "Carteles Unidos", todos do México. A lista inclui duas gangues: o Tren de Aragua (Venezuela) e a Mara Salvatrucha (MS-13), de El Salvador.
Os Estados Unidos também incluíram em agosto o chamado cartel de los Soles, a organização cuja liderança ele atribui ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e a 14 altos funcionários do governo e do exército daquele país. Eles são acusados de traficar cocaína para os Estados Unidos e de lavagem de dinheiro.
Ao mesmo tempo, a recompensa para quem fornecer informações que levem à prisão de Maduro foi elevada para 50 milhões de dólares — uma quantia que duplica a que foi oferecida por Osama Bin Laden, o líder da Al Qaeda. "[Maduro] É um dos maiores traficantes de drogas do mundo e uma ameaça à nossa segurança nacional", disse a procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, ao fazer o anúncio.
Essas designações se baseiam na lei de 1996, pela qual os Estados Unidos criaram a lista de organizações terroristas estrangeiras (FTO, na sigla em inglês), que até agora tem 75, incluindo a Al Qaeda e o Estado Islâmico, o Hamas, as FARC, o ELN da Colômbia e o Sendero Luminoso, do Peru.
Como parte dessa decisão unilateral, com sua retórica agressiva, Trump argumentou que o México é, em grande parte, "governado" por cartéis, para justificar suas medidas. Em resposta, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, pediu continuamente a sua equipe e aos mexicanos que agissem com "cabeça fria" diante dos ataques de Trump, e tem sido enfática ao afirmar que seu governo não defende nenhuma organização criminosa. Ela também propôs a seu vizinho do norte o aprofundamento dos "acordos de cooperação bilateral" em matéria de segurança, mas sob a estrita norma do "respeito à soberania dos dois países".
Diante da designação dos cartéis mexicanos como organizações terroristas, Sheinbaum considerou oportuno que a medida incluísse como colaboradoras do terrorismo as empresas de armamentos dos Estados Unidos, cujas armas acabam nas mãos dos traficantes de drogas mexicanos. Os Estados Unidos não atenderam à sugestão da presidente mexicana.
Especialistas mexicanos acreditam que o sistema financeiro dos Estados Unidos também deveria ser considerado colaborador do terrorismo, pois os próprios tribunais americanos provaram que, por anos, ele foi usado por organizações como os cartéis de Sinaloa e Jalisco Nueva Generación.
Recentemente, o México entregou 55 traficantes de alto perfil à justiça americana (29 deles em fevereiro passado, e 26 em agosto deste ano), incluindo o histórico Rafael Caro Quintero, que os Estados Unidos acusam de ter assassinado o agente da DEA, Enrique 'Kiki' Camarena, em 1985.
O governo de Trump, no entanto, redobrou a pressão contra o México e o Canadá, particularmente o primeiro, pela produção de fentanil por cartéis, e ameaçou impor altas tarifas.
Enquanto isso, no Canadá, nos últimos anos, a produção de fentanil aumentou consideravelmente. Em fevereiro passado, o jornal The New York Times publicou que, durante 2024, 47 laboratórios de produção dessa droga foram desmantelados, incluindo um na Colúmbia Britânica, considerado o maior descoberto até o momento, que tinha precursores chineses e material para produzir 96 milhões de doses de fentanil. A origem dos precursores e matérias-primas para a produção dessa droga é principalmente a China.
O fentanil, uma substância produzida em laboratório que é prescrita na medicina legal e que em doses não controladas é altamente viciante, foi transformada por organizações criminosas para sua exploração no mercado ilegal de drogas, por ser mais barata e 50 vezes mais potente que a heroína; e 100 vezes mais que a morfina. Nesta década, seu vício causou milhares de mortes por overdose, com o pico em 2022, com 74.000 das 120.000 que ocorreram nos Estados Unidos pelo uso de todas as drogas, de acordo com estatísticas governamentais.
A crise do fentanil e dos opioides tem sua origem nos anos 90, quando os médicos americanos aumentaram a prescrição de opioides, muito viciantes, para aliviar as dores. Entre os principais estava o OxyContin, da farmacêutica Purdue Pharma.
Após anos de um processo legal multimilionário com a justiça americana, em janeiro passado —três dias após a posse do atual governo Trump— a Purdue Pharma e os membros da multimilionária família Sackler, proprietários da empresa, concordaram em pagar 7,4 bilhões de dólares aos milhares de demandantes pelo papel do OxyContin na mortal epidemia de opioides no país.
Desde seu primeiro mandato, de 2017 a 2021, o presidente Trump defendeu a possibilidade de recorrer à força militar para "acabar com os cartéis" além de suas fronteiras, por considerar que os cartéis mexicanos são os responsáveis por "invadir" o mercado ilegal de drogas em seu país com fentanil. Agora, com sua retórica carregada de ataques ferozes, muito inclinada ao autoritarismo, Trump ameaçou os cartéis de "abrir as portas do inferno" sob o pretexto de garantir a segurança da fronteira com o México.
Elon Musk também escreveu em sua conta X que os Estados Unidos poderão "bombardear com drones os cartéis mexicanos", uma ideia muito difundida e popular entre a classe política republicana. Da mesma forma, Tom Homan, o chamado "czar da fronteira", disse em julho passado que "apagarão da face da terra os cartéis" mexicanos.
É nesse contexto que, em 8 de agosto, foi publicado um artigo no New York Times que teve uma forte repercussão. Em primeira mão, o jornal garantia que o presidente americano havia assinado secretamente uma diretiva para que o Pentágono projetasse uma estratégia para atuar no exterior contra os cartéis de drogas latino-americanos.
Essa decisão de envolver diretamente o exército é o passo "mais agressivo" dado até agora na campanha do governo Trump contra os cartéis, assinalou o jornal, que também ressaltou a "vontade contínua" de Trump de usar as forças militares para realizar uma tarefa considerada, principalmente, uma responsabilidade policial. A ordem, supostamente, pede aos funcionários militares que trabalhem em opções para a implementação de operações militares para a perseguição de grupos do crime organizado no mar e em solo estrangeiro.
No artigo, o jornal discute a dimensão jurídica dessa decisão, caso ela seja levada a cabo. E, embora a Casa Branca não tenha desmentido nem o The New York Times nem o The Wall Street Journal, que também publicou informações a respeito, o próprio Trump disse em um ato público que "a América Latina tem muitos cartéis, eles têm muito tráfico de drogas, então, sabem, queremos proteger nosso país", e acrescentou, que os [Estados Unidos] estão jogando um "jogo muito duro" e em breve teria "mais" para anunciar sobre o assunto.
Após a publicação do Times, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, disse que foi informada por Washington sobre a ordem executiva e que "não tinha a ver com a participação de nenhum militar ou de nenhuma instituição em nosso território", disse em sua conferência matinal. "Os Estados Unidos não vão vir ao México com os militares, não vai haver invasão, isso está absolutamente descartado", afirmou.
Ainda assim, ela reconheceu que a possibilidade de uma intervenção americana foi levantada em conversas com Washington, mas garantiu que seu governo foi enfático em rejeitar essa opção. Em troca, ela ofereceu aprofundar a colaboração entre as instituições de segurança de ambos os Executivos. "Cooperamos, colaboramos, mas não vai haver invasão, isso está descartado, absolutamente descartado", insistiu.
A diretiva de Trump para o Pentágono abre as portas para uma atuação nos dois países, particularmente na Venezuela. "Uma estratégia para isolar mais o regime de Maduro é percebida. Eles querem pegá-lo", adverte Samuel González Ruiz, especialista em questões de segurança e crime organizado.
Samuel González Ruiz, ex-chefe da Unidade Especializada em Crime Organizado (UEDO) da Procuradoria do México e ex-assessor do Escritório das Nações Unidas para o Combate às Drogas e ao Crime (ONUDC), garante que "Trump abriu a porta para o Exército americano à possibilidade de um ataque, como fez com https://www.ihu.unisinos.br/categorias/643490-atentados-do-11-de-setembro-de-2001-nao-foi-feita-justica-entrevista-com-john-kiriakouOsama bin Laden, ou como foi feito no Afeganistão ou no Iraque".
Em entrevista por telefone, ele afirma que o Exército norte-americano só pode atuar sob ordens diretas do presidente; e sob ordens executivas que não contradigam as diretivas das leis, como acontece quando ocorre um ataque terrorista, "por isso vemos que [o secretário de Estado] Marco Rubio não fala de um esquema de segurança pública, mas da segurança nacional dos Estados Unidos".
González Ruiz explica que uma “operação de extração” de qualquer membro apontado como terrorista pelos Estados Unidos “pode ocorrer em território venezuelano, mexicano ou colombiano”, embora ele considere que “todo esse esquema foi feito em relação a Maduro”. Ele alerta, ainda, que a ofensiva contra o presidente venezuelano acontece logo depois de, em junho, o general Hugo Carvajal, ex-chefe de inteligência da Venezuela, ter sido considerado culpado em um julgamento, após ser extraditado da Espanha para os Estados Unidos. “Se antes não tinham uma declaração e uma prova direta contra o Cartel dos Soles, agora certamente já têm a declaração do Pollo Carvajal, que conhece toda a estrutura criminosa que, supostamente, existe nessa organização criminosa”, conclui.