30 Julho 2025
María Milagrosa Pérez Caballero, conhecida nos meios católicos espanhóis como Marimí, superiora geral das Filhas do Amor Misericordioso, uma florescente comunidade religiosa espanhola criada em 2007, foi expulsa da instituição por motivos que se relacionam: abuso de poder e de consciência.
A reportagem é de Manuel Pinto, publicada por 7Margens, 28-07-2025.
A decisão foi anunciada esta segunda-feira pela Arquidiocese de Madri, que disse ter previamente informado também as arquidioceses de Toledo e Sevilha e a diocese de Getafe, onde a comunidade está presente.
As Filhas do Amor Misericordioso (HAM, na sigla em espanhol) foram sujeitas a uma visita canônica de duas religiosas prestigiadas, determinada em fevereiro deste ano e a uma investigação preliminar realizada pelo Tribunal da Rota da Nunciatura Apostólica, cujo relatório levou o cardeal-arcebispo de Madri, dom José Cobo, a determinar a expulsão da superiora geral María Milagrosa Pérez Caballero, uma sevilhana de 58 anos, e a nomear uma comissária extraordinária da associação, que já entrou em funções.
A comissária assume a liderança geral do grupo por um período inicial de um ano, prorrogável, ficando responsável por “rever e redirecionar aspetos fundamentais, como a estrutura de governo, o plano de formação, a vida comunitária e o acompanhamento espiritual, além de proceder à revisão dos estatutos, regulamentos e gestão econômica”.
Durante este período, a HAM, que é canonicamente uma associação pública de fiéis, não poderá admitir novas candidatas ou continuar os processos de formação de postulantes e noviças do primeiro ano, ficando com a atividade pastoral externa das irmãs limitada. Além disso, o acompanhamento espiritual e formativo só será permitido por pessoas designadas pela autoridade eclesiástica.
O comunicado arquidiocesano refere ainda que a investigação realizada se seguiu a “numerosas denúncias recebidas” consideradas plausíveis em aspetos cuja competência pertence ao Dicastério para a Doutrina da Fé.
Segundo a página eletrônica da revista espanhola Vida Nueva, que diz ter falado com vítimas da HAM, podem estar em causa “abusos estruturais de poder e consciência dentro do grupo”, baseados num “controle cerceador de liberdade real, anulação do sentido crítico e isolamento familiar, deficiências básicas de discernimento, acompanhamento e formação, além de alguns alegados incidentes afetivo-sexuais”.
Ainda segundo a Vida Nueva, a autoridade eclesiástica “optou por uma auditoria completa da associação, que aspirava a tornar-se uma congregação religiosa”. A ideia inicial era “recolocar a associação nos trilhos”, mas, de acordo com a revista, “o fechamento do grupo está em questão, dadas as feridas psicológicas e emocionais infligidas tanto às jovens que deixaram a HAM e às suas famílias, como àquelas que permanecem nela”. A gravidade da situação permite compreender o alcance das limitações a que a instituição fica sujeita, enquanto durar a intervenção do foro disciplinar.
As Filhas do Amor Misericordioso são mais um caso de movimentos religiosos de recente criação cujas orientações e lideranças se consubstanciam muitas vezes em culturas e práticas ofensivas da dignidade humana. A HAM foi oficialmente reconhecida e aprovada pelo cardeal António Rouco Varela, em 2007, ainda que as origens do seu grupo inicial remontem ao início dos anos 80 reivindicando a inspiração jesuítica e a referência a João Paulo II.
Nascidas em plena era das redes sociais, deram-se como missão evangelizar através das plataformas digitais, com “pílulas espirituais” chamadas “Diosidencias” – pequenas histórias do cotidiano usadas como motivo para ventilação de temáticas espirituais. Muitos as conhecem pela designação de “freiras influenciadoras“. Encontram-se ligadas à plataforma de evangelização Gospa Arts, que tinha, no início desta década, uma produção de mais de mil vídeos por ano.
Várias fontes convergem no sucesso de recrutamento e expansão da HAM que, além do crescimento numérico das jovens, deu origem a um ramo masculino e a um ramo de leigos. A sua aparente pujança esteve, de resto, patente na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, onde se distinguiram pelo traje e pelas produções musicais.