20 Julho 2024
Reflexão sobre o episódio bíblico que tem Jacó como protagonista no centro do novo estudo de Roberto Esposito.
O artigo é do filósofo italiano Giuseppe Cantarano, pesquisador da Universidade da Calábria, publicado por Avvenire, 17-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Todo o ser humano - mas, mais em geral, todo ser vivo - está em luta. Está em luta, em primeiro lugar, com um Adversário. Indomável. Invencível. Que não pode ser derrotado de forma alguma: a morte. Perante a qual, qualquer tentativa de lhe resistir é vã. Inútil. E, no entanto, apesar dessa consciência inelutável, não nos resignamos. E nos obstinamos a combater. A lutar. Porque queremos viver. Continuar a viver. E não queremos morrer. Contra toda evidência. Contra toda experiência. Contra as leis inexoráveis da natureza. Até o "homem" Jesus tem medo da morte.
Quem sabe, talvez apenas tocado pela dúvida de que o Pai o tenha abandonado. É claro que ninguém pode provar racionalmente que o que existe num determinado momento possa deixar de existir. Ou seja, morre. Toda a obra de Emanuela Severino segue nessa direção, podemos chamá-la de contraintuitiva. Também retomada por Massimo Cacciari no seu último livro, Metafisica concreta (Adelphi). Afirmando que não se trata de morte, mas de simples "desaparecimento". Os essentes não morrem - como demonstrá-lo logicamente? - mas desaparecem. Deixam de ser observáveis no nosso limitado horizonte de observação. Uma hipótese que deve ser levada filosoficamente - cientificamente - a sério. Também nesse caso, no entanto, se não lutamos para não morrer, ainda assim lutamos para não desaparecer. Para não sair do horizonte sensível da observabilidade. Mas o fato é que - para além de ser morte ou desaparecimento - lutamos. Porque a luta – a Adversidade - caracteriza a nossa própria vida, como explica Roberto Esposito (I volti dell'Avversario. L'enigma della lotta con l'Angelo, Einaudi, páginas 208, 25,00 euros). Refletindo sobre aqueles poucos, famosos - e enigmáticos - versículos do relato bíblico que falam da luta de Jacó com um personagem misterioso na margem do rio Jaboque, Esposito acrescenta novas perguntas às tantas que foram formuladas ao longo do tempo sobre aquele episódio.
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I volti dell'Avversario Einaudi, de Roberto Esposito (Foto: Divulgação)
Em primeiro lugar – pergunta-se Esposito, "com quem luta o patriarca Jacó? Quem é o Adversário com quem lutou toda a noite "até ao romper da aurora"? Nenhuma das inúmeras interpretações - não só teológicas - parece ter captado realmente os contornos do rosto daquele Adversário. A cada oportunidade, o rosto do Adversário tomou a forma de um demônio, de um deus, de um homem.
Mais frequentemente, de um anjo. E se, em vez disso, fosse a própria sombra de Jacó - questiona-se Esposito - que trava a batalha com ele? Mas - outra pergunta - temos certeza de que se trata de uma luta? No "retrato" feito por Rembrandt (Jacó luta com o Anjo, 1659), parece mais um abraço do que uma luta. Já em Chagall (A luta de Jacó com o Anjo, 1963) e Delacroix (Luta de Jacó com o Anjo, 1861), até parece que os dois estão dançando em vez de lutar. Mas há obras de outros grandes artistas - Gauguin, Bonnat, Moreau, Redon, Epstein - que Esposito toma em consideração, numa tentativa de revelar a natureza daquela Luta, a identidade daquele Adversário. Dialogando também com uma série de importantes interpretações teológicas, filosóficas, literárias e psicanalíticas que se confrontaram com aquele episódio bíblico.
Esposito faz questão de deixar claro que não pretende acrescentar a sua própria interpretação às muitas outras que se sucederam ao longo da história. Também para ele, o rosto do Adversário permanece indefinido, sem identidade. Limita-se a colocar – a nós e a si próprio – apenas uma pergunta: não é verdade que o que une Jacó e o Outro - seja ele quem for - é a própria Luta? A própria Adversidade? Aquela Luta, aquela Adversidade que caracteriza a nossa própria existência? E que não contempla nem vencedor nem vencido? Porque, escreve Esposito, "se um deles vencesse, isso significaria o fim da Luta e, portanto, da própria vida que ela exprime".
A Luta com os outros, com o Outro ou conosco - salienta Esposito - não pode ter um fim, uma vez que é a forma em que se exprime a nossa própria vida. A "missão" que Deus - ou o destino - atribui não só a Jacó, mas a cada um de nós é a de "libertar-se da ansiedade de uma impossível vitória, sem, no entanto, dar-se por vencido". Temos de "compreender e aceitar o fato de que a existência humana", conclui Esposito, "está sempre em luta, que a vida nunca poderá vencer a morte. Mas também que a morte nunca poderá aniquilar a vida".
Leia mais
- Jacó luta com o Adversário e finalmente conhece a si mesmo. Artigo de Enzo Bianchi
- Buscar nas sombras o adversário e nós mesmos. Artigo de Gianfranco Ravasi
- A eterna luta de Jacó pela existência. Artigo de Roberto Esposito
- Onde Jacó e Agar são sinais da vontade de Deus. Artigo de Joan Chittister
- Jacó ou Israel? Bênção inválida e o combate espiritual na noite escura da vida! (Gn 32,23-33)
- A luta de Jacob. Artigo de Romano Guardini
- Uma luta com o Senhor. Isso é a oração, segundo o Papa Francisco
- Roberto Esposito, filósofo, analisa a sociedade ocidental pela relação com os objetos
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A eterna luta com o Anjo. Artigo de Giuseppe Cantarano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU