16 Mai 2024
Instituições aplicaram US$ 705 bilhões em 2023 em projetos de combustíveis fósseis, os principais culpados pelas mudanças climáticas que causaram a catástrofe no território gaúcho.
A reportagem é de Alexandre Gaspari, publicada por ClimaInfo, 15-05-2024.
Cem bilhões de reais. Esse é o valor – preliminar – que especialistas apontam como necessário para a recuperação do Rio Grande do Sul após a catástrofe climática que há mais de 15 dias afeta o estado e que ainda não tem data para terminar. Apesar da trégua temporária nas tempestades, os rios ainda cheios despejam volumes absurdos de água no lago Guaíba, que banha a capital, Porto Alegre. Em 10 dias, o Guaíba bateu por 2 vezes a cota máxima registrada na histórica enchente que atingiu a cidade, em 1941. E estava prestes a quebrar o próprio recorde de cheia, de 5,35 metros, atingido em 5 de maio.
A causa do que acontece no RS e em outras partes do mundo – temporais também mataram centenas de pessoas no Afeganistão e na Indonésia, enquanto o Canadá sofre com incêndios florestais fora de época – é sabida: mudanças climáticas. Estudos feitos nos últimos dias comprovam a relação. E alertas de que não era “se” tragédias climáticas iriam acontecer, mas “quando”, vêm sendo dados há décadas.
A queima de combustíveis fósseis é de longe a principal culpada pelas alterações no clima, fato também já comprovado pela ciência há tempos. Mas isso não sensibiliza os bancos, que continuam aplicando cifras bilionárias em projetos de petróleo, gás fóssil e carvão. O planeta que lute, ante os vultosos retornos financeiros esperados. Só que não: mais e mais pessoas estão morrendo por conta dos eventos climáticos extremos. Mas certamente não os investidores, que devem estar a salvo em locais seguros – pelo menos por enquanto.
Só isso explica o fato de que somente em 2023 – o ano mais quente da história –, os 60 maiores bancos do mundo financiaram US$ 705 bilhões em petróleo, gás e carvão. E quase metade desse valor, US$ 347 bilhões, foi destinado à expansão dessas atividades. É o que mostra a mais recente edição do “Banking on Climate Chaos” (BOCC), que mostra a relação do sistema bancário com empresas de combustíveis fósseis. O documento é elaborado por Rainforest Action Network, Bank Track, Indigenous Environmental Network, Oil Change, Reclaim Finance, Sierra Club, Urgewald e CEED.
O BOCC também mostra que, desde o estabelecimento do Acordo de Paris, em 2015, essas 60 instituições financeiras aplicaram US$ 6,9 trilhões em projetos de petróleo, gás e carvão, com US$ 3,3 trilhões investidos em expansão. Num período de 8 anos (2016-2023), é uma média anual de US$ 862,5 bilhões. Ou mais de 8 vezes os US$ 100 bilhões por ano prometidos pelos países ricos a partir de 2020 para financiar a transição energética e a adaptação climática em nações pobres – cifra que ficou no papel.
No ano passado, o ranking do investimento em energia suja foi liderado pelo estadunidense JPMorgan Chase, seguido do japonês Mizuho Financial e do Bank of America (BofA), também dos EUA. Dos 60 bancos, 54 têm metas de longo prazo para alcançar o net zero – até 2060, no máximo. E 43 determinaram metas intermediárias específicas para o setor de combustíveis fósseis. Greenwashing?
Não há bancos de origem brasileira no relatório do BOCC. Mas não custa lembrar que Itaú Unibanco e Bradesco figuram entre os maiores financiadores de projetos para exploração de combustíveis fósseis na pan-Amazônia nos últimos 15 anos. Foi o que mostrou um levantamento feito ano passado pela Stand.earth e a Coordinadora de la Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica (COICA).
Muito se fala do papel dos governos mundiais na crise climática. No Brasil, a produção e o consumo de combustíveis fósseis receberam cerca de R$ 120 bilhões em subsídios em 2021, mostra o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) – mais do que o projetado para recuperar o Rio Grande do Sul. E também não se pode ignorar no nosso país o que deputados e senadores têm feito tanto para desmontar a legislação ambiental como para subsidiar petróleo, gás fóssil e carvão, uma “Pauta da Destruição”, destaca o Observatório do Clima. São cobranças justas, necessárias e que devem ser lembradas nas eleições.
Mas devemos dar “a César o que é de César”. O sistema financeiro contribui, e muito, com as tragédias climáticas, ao continuar financiando combustíveis fósseis – sem falar em dinheiro aplicado em práticas agropecuárias insustentáveis e até mesmo desmatadoras. Quando chamados à responsabilidade, se escondem sob a entidade amorfa comumente chamada de “mercado” para fingir que não é com eles. Esse dinheiro está matando gente. E vai continuar matando, se não houver já uma mudança drástica na visão dos bancos sobre “ganhos”.
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Bancos financiam tragédias climáticas como a do Rio Grande do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU