30 Abril 2024
A liberdade de expressão e o direito de protesto são pilares fundamentais da democracia, especialmente nos espaços acadêmicos, onde a troca de ideias e o debate são essenciais no processo educativo. No entanto, os estudantes estão sendo brutalmente reprimidos nos EUA por denunciarem genocídio palestino e os perigos do lobby sionista dentro das universidades.
A opinião é de Bruno Fabricio Alcebino da Silva, em artigo publicado por Jacobin, 29-04-2024.
Bruno Fabricio Alcebino da Silva é bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).
Liberdade de expressão e o direito de protesto são pilares fundamentais da democracia, especialmente nos espaços acadêmicos, onde a troca de ideias e o debate são incentivados como parte essencial do processo educativo. Contudo, o recente aumento da repressão aos estudantes pró-Palestina em universidades dos Estados Unidos levanta sérias questões sobre até que ponto esses princípios estão sendo respeitados.
Os protestos universitários se intensificaram, desencadeando uma onda de manifestações por todo o país. Desde Los Angeles até Nova York, estudantes têm se reunido para expressar solidariedade com o povo palestino e exigir ações concretas de suas instituições de ensino.
Tudo começou quando a Universidade de Columbia tomou medidas para reprimir manifestantes pró-palestinos que ocupavam um gramado em seu campus em 18 de abril, a ocupação foi uma resposta à guerra em Gaza e ao apoio das instituições de ensino aos interesses de Israel. Desde então, protestos e acampamentos surgiram em diversas faculdades e universidades, com intervenções policiais resultando em mais de 700 prisões até o momento.
As intervenções policiais foram registradas em várias universidades, incluindo a Universidade Columbia em Manhattan, onde 108 manifestantes foram presos, e a Universidade do Sul da Califórnia em Los Angeles, onde 93 pessoas foram detidas. Em Emerson College, em Boston, 108 pessoas foram presas pela polícia e o acampamento foi esvaziado. Essas ações repercutiram em outras instituições, como a Universidade de Princeton em Nova Jersey, onde dois estudantes de pós-graduação foram presos.
No entanto, a resposta das administrações universitárias tem sido, em muitos casos, draconiana, variando desde o cancelamento de aulas até medidas disciplinares contra os manifestantes. Em algumas instituições, como a Universidade da Califórnia, Los Angeles, a polícia do campus obrigou os estudantes a desmontarem suas barracas, enquanto em outras, como a Universidade de Delaware em Newark, a presença de manifestantes e a possível montagem de acampamentos geraram controvérsia.
Esses protestos refletem a crescente polarização em torno da questão israelense nos Estados Unidos, especialmente entre os jovens universitários. À medida que a violência em Gaza continua e as tensões se intensificam, é provável que mais protestos ocorram nos campus universitários, alimentando um debate cada vez mais acalorado sobre o papel das instituições de ensino na questão do conflito israelense-palestino.
O cerceamento do direito de protesto tem sido justificado sob o pretexto de garantir a segurança e a ordem nos campus universitários. No entanto, tal argumento levanta questionamentos sobre a liberdade de expressão e a autonomia dos estudantes para se engajarem em causas que consideram relevantes e urgentes. A repressão policial, em vez de promover o diálogo e a resolução pacífica de conflitos, tem exacerbado as tensões e criado um ambiente de hostilidade.
Além disso, a narrativa de que esses protestos são antissemitas, como alegado por alguns legisladores e líderes universitários, simplifica em demasia a complexidade da situação. O apoio aos palestinos não é equivalente a uma postura antissemita, e tentar rotular os estudantes dessa maneira é não apenas injusto, mas também prejudicial ao debate saudável e à compreensão mútua.
É importante reconhecer que os protestos pró-Palestina não surgem no vácuo, mas são uma resposta legítima às injustiças e violações de direitos humanos que ocorrem na região. Exigir o desinvestimento de empresas ligadas à campanha militar israelense em Gaza e defender o direito de protestar sem punição são demandas legítimas que refletem preocupações éticas e morais.
Assim como nos protestos estudantis durante a Guerra do Vietnã e o movimento estudantil de Maio de 1968, os atuais protestos nas universidades dos Estados Unidos refletem uma geração de estudantes engajados e politicamente ativos. Na década de 1960, intelectuais como Herbert Marcuse (1898-1979) inspiraram jovens a desafiar o status quo, questionando a autoridade e buscando mudanças sociais significativas. Da mesma forma, os estudantes de hoje estão se levantando contra a injustiça e a violência, buscando conscientizar e promover mudanças em questões como a guerra em Gaza e os laços de suas instituições com Israel. Esses paralelos históricos destacam a persistência do ativismo estudantil como uma força motriz na luta por um mundo mais justo e igualitário.
O papel das autoridades governamentais, como o presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, também merece escrutínio. Sua ameaça de revogar o financiamento federal das universidades caso não consigam controlar os protestos é uma clara tentativa de coibir a liberdade de expressão e de impor uma narrativa unidimensional sobre o conflito israelo-palestino.
Os protestos pró-Palestina nos campus universitários representam não apenas uma expressão legítima de solidariedade, mas também um lembrete poderoso do papel vital que a juventude desempenha na luta por justiça e dignidade. É hora de ouvir suas vozes, em vez de silenciá-las, e de trabalhar juntos para construir um mundo onde todos os povos possam viver em paz e liberdade.
À medida que os conflitos na região de Gaza se intensificam e o risco de uma escalada para uma guerra regional aumenta, observa-se uma lealdade inabalável dos Estados Unidos e de seus aliados com Israel. No entanto, esse apoio constante tem gerado consequências complexas e custos significativos. Israel se vê cada vez mais isolado na comunidade internacional, enfrentando oposição tanto da opinião pública global quanto da maioria dos governos ao redor do mundo.
O custo financeiro e o dano à reputação dos EUA são cada vez mais evidentes. A defesa americana em relação a Israel tem perdido centralidade como projeto de política externa, assim como a posição moral que já teve. Os ultrajes cometidos pelos israelenses, muitas vezes sem críticas dos representantes americanos, minam a credibilidade dos EUA no cenário internacional.
Então, por que os Estados Unidos e seus aliados continuam a oferecer um apoio acrítico a Israel? Uma visão comum é que esse apoio é resultado das atividades do lobby pró-Israel, grupos de pressão capazes de exercer considerável influência política e financeira. Essa teoria ganhou destaque a partir de um artigo escrito por John Mearsheimer e Stephen Walt, intitulado “The Israel Lobby“, publicado em 2006. Neste ensaio, os autores expuseram sua visão sobre a influência dos grupos de pressão pró-Israel na política externa dos Estados Unidos, destacando o poder do American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) como um dos principais influenciadores.
No entanto, é importante contextualizar essa narrativa e considerar outras perspectivas. Primeiramente, Mearsheimer e Walt ressaltam que o lobby de Israel não representa necessariamente as opiniões de todos os judeus americanos, muitos dos quais não se identificam fortemente com Israel. Além disso, o lobby de Israel não é único; existem diversos grupos de pressão atuando nos Estados Unidos, e o lobby de Israel é apenas um deles. Sua eficácia também não é unânime, já que outros grupos de lobby superam o AIPAC em termos de influência financeira e política.
É fundamental reconhecer que o apoio a Israel vai além das atividades de lobby e está enraizado em questões estratégicas e econômicas. Historicamente, os interesses dos Estados Unidos na região do Oriente Médio são complexos e envolvem uma variedade de atores e fatores. A presença de Israel na região é vista como um ativo estratégico para o país, especialmente em um contexto de instabilidade e rivalidades regionais.
A análise da Guerra do Iraque de 2003 exemplifica essa complexidade. Enquanto alguns argumentam que o lobby de Israel desempenhou um papel significativo nesse conflito, é importante reconhecer os interesses geopolíticos e econômicos mais amplos em jogo. Os Estados Unidos buscavam reforçar sua influência no Oriente Médio e garantir acesso aos recursos naturais da região, como o petróleo. Nesse sentido, a guerra no Iraque não pode ser atribuída exclusivamente às pressões do lobby pró-Israel.
Além disso, é crucial evitar simplificações excessivas ao analisar as relações internacionais e o papel dos grupos de pressão. Enquanto o lobby pró-Israel desempenha um papel na promoção de políticas favoráveis a Israel, é apenas um componente de uma rede complexa de interesses e influências. É importante considerar as dinâmicas geopolíticas mais amplas e os objetivos estratégicos dos Estados Unidos ao avaliar o apoio a Israel.
Nos corredores do poder em Washington, poucos grupos de lobby têm exercido tanto poder e influência quanto o American Israel Public Affairs Committee, mais conhecido como AIPAC. Por décadas, o AIPAC tem sido uma figura proeminente na política americana, trabalhando para promover os interesses de Israel nos Estados Unidos. No entanto, nos últimos anos, o grupo enfrentou desafios significativos à medida que a dinâmica política e os eventos internacionais moldam o debate em torno de Israel e da Palestina.
O AIPAC, durante muito tempo, foi um bastião de apoio bipartidário a Israel, contando com o respaldo de membros tanto do Partido Democrata quanto do Partido Republicano. No entanto, à medida que as divisões internas sobre a questão israelense se intensificaram nos Estados Unidos, o AIPAC se viu cada vez mais envolvido em estratégias políticas agressivas que alienaram alguns setores dos Democratas. Este cenário se agravou com a recente escalada de conflitos na região.
A crise de identidade do AIPAC foi evidenciada pelos seus esforços para financiar desafiantes eleitorais a Democratas considerados insuficientemente favoráveis a Israel. Tradicionalmente, o grupo evitava enfrentar titulares, mas essa postura mudou nos últimos anos. A tensão se acirrou ainda mais devido às divergências internas no Partido Democrata sobre Israel, em um contexto de aumento das críticas à política israelense em relação aos civis em Gaza e às barreiras à ajuda humanitária.
Além disso, a complexa política de ajuda externa no Congresso tem apresentado desafios significativos para o AIPAC. A disputa sobre o financiamento para Israel, em meio aos debates sobre a assistência à Ucrânia, criou um impasse que o grupo ainda não conseguiu superar. A influência do ex-presidente Donald Trump na oposição aos fundos adicionais para a Ucrânia complicou ainda mais a situação, criando um dilema para o AIPAC no que diz respeito aos seus interesses.
A abordagem cada vez mais agressiva do AIPAC e os desafios que enfrenta não passaram despercebidos, especialmente durante a recente reunião com doadores e legisladores em Washington. O grupo reuniu apoio entre os membros de ambos os partidos, mas também enfrentou críticas por suas táticas políticas. A exibição de vídeos que destacavam Democratas criticando Israel gerou controvérsia e levantou questões sobre a direção que o AIPAC está tomando.
Os esforços da AIPAC para minar candidatos Democratas que não se alinham com sua agenda foram contestados por grupos progressistas, que lançaram iniciativas para contrariar o impacto financeiro do AIPAC nas eleições. Essas tensões refletem um cenário político em transformação nos Estados Unidos, onde a postura em relação a Israel se tornou uma questão decisiva.
Apesar dos desafios, o AIPAC continua sendo um dos grupos de lobby mais poderosos em Washington, com uma capacidade formidável de arrecadar dinheiro e influenciar a política externa dos Estados Unidos. No entanto, as crescentes críticas e as mudanças na dinâmica política representam desafios significativos para o futuro do grupo e para o debate sobre as relações entre os Estados Unidos e Israel.
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Os estudantes estão novamente do lado certo da história. Artigo de Bruno Fabricio Alcebino da Silva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU