09 Março 2024
“Pelo que parece, alguns bilionários entendem que não basta mais construir abrigos subterrâneos blindados, procuram criar os seus próprios ecossistemas porque a sobrevivência da classe dominante depende do desenvolvimento e do controle de um ecossistema próprio, no qual não só possam se salvar do colapso, mas continuar com suas vidas”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 08-03-2024. A tradução é do Cepat.
Os 1% mais rico está construindo abrigos de segurança para sobreviver a possíveis colapsos ambientais, sociais e nucleares. A tendência não é nova, mas multiplicou-se desde a pandemia e a invasão da Ucrânia. Sobretudo, as modalidades mudaram, em sintonia com os tempos neoliberais.
As centenas de sites que oferecem abrigos ou bunkers garantem que o negócio está em alta. De um crescimento de 400% nos Estados Unidos, segundo o New York Post (04/04/20), a uma empresa de Berlim que afirma que as consultas centuplicaram, segundo uma reportagem da Deutsche Welle (18/01/23).
O portal xataka.com destaca que as empresas dedicadas à “gestão de emergências” ou “preparacionismo”, como o denominam, ganharão 149 bilhões de dólares, em 2025. Estima que 50% dos bilionários do Vale do Silício tenham ao menos um abrigo blindado, cujo custo oscila de 40.000 a 2,5 milhões de dólares (02/08/23).
Uma visita aos portais dedicados a oferecer abrigos permite verificar a sofisticação própria de uma classe dominante que não poupa recursos para viver melhor.
Durante a Guerra Fria, os países europeus, a União Soviética e a China – onde era mais provável uma conflagração nuclear – construíram abrigos enormes para as suas populações. A República Federal da Alemanha tinha cerca de 2.000 abrigos que podiam acolher 3 milhões de pessoas, 5% da população. Na Finlândia, foram construídos mais de 50.000 abrigos, para 80% da população.
Na China, Mao convocou o povo a construir abrigos. A resposta foi rápida e em massa, a tal ponto que “as 75 maiores cidades do país cavaram túneis suficientes para abrigar 60% da sua população” (Clarín, 10/08/20). A URSS construiu cidades subterrâneas para milhões de pessoas.
No entanto, agora, os abrigos são muito diferentes, como destaca um relatório recente do Asia Times (01/03/24) intitulado “Os bunkers dos bilionários são o novo tecnofeudalismo”. Mark Zuckerberg, o bilionário criador do Facebook, vem comprando grandes extensões na ilha havaiana de Kauai, onde está construindo um complexo de 400 milhões de dólares australianos. A propriedade é vigiada por muitos guardas.
Além do “enorme bunker subterrâneo”, possui várias mansões, maquinaria dedicada à potabilização, dessalinização e armazenamento de água. “Está criando seu próprio gado, alimentando-o com nozes de macadâmia cultivadas na propriedade e também com cerveja produzida lá”, destaca o relatório do Asia Times, assinado pelos professores Katherine Guinness, Grant Bolear e Tom Doig.
Pelo que parece, alguns bilionários entendem que não basta mais construir abrigos subterrâneos blindados, procuram criar os seus próprios ecossistemas porque a sobrevivência da classe dominante depende do desenvolvimento e do controle de um ecossistema próprio, no qual não só possam se salvar do colapso, mas continuar com suas vidas.
Como se vê, não se almeja mais proteger as populações das catástrofes, mas apenas a própria família, o que demonstra o triunfo de um individualismo feroz que não leva em conta o resto da humanidade. Ambos os fatos estão mostrando a tendência atual dos setores dominantes no mundo.
Para os setores populares, estas não são as alternativas possíveis ao colapso. Não podem construir abrigos, nem ecossistemas próprios. Mal conseguem sobreviver sob o capitalismo de guerra que os condena ao sótão sistêmico. Os estados e os governos da América Latina não têm a menor previsão sobre as catástrofes que estão por vir. Basta lembrar que milhares de pessoas nas grandes cidades, como Cidade do México e São Paulo, não têm água potável, nem esgoto.
Os povos não podem enfrentar o colapso de modo individual, mas, sim, comunitário, com base em trabalho e cuidados coletivos. À luz do que faz o 1% mais rico, podemos compreender melhor a obstinação dos povos no cuidado de seu mundo natural e o empenho dos de cima em destruir os ecossistemas que podem proteger a vida em comum.
Pelo que conheço, apenas o EZLN promoveu um debate sobre o colapso, já há nove anos, no seminário O pensamento crítico frente à hidra capitalista. São coerentes e se preparam para sobreviver à multiplicação dos desastres, como demonstram seus comunicados.
Lamentavelmente, nem as esquerdas progressistas, nem as academias e nem o grosso dos movimentos estão adotando uma atitude semelhante para pensar e agir frente ao colapso. Somente alguns povos originários compartilham as preocupações zapatistas, com base em suas próprias cosmovisões.
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Quando milionários se preparam para o colapso. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU