22 Fevereiro 2024
O professor de sociologia da PUC-Rio faleceu no Rio de Janeiro com 86 anos.
Werneck Vianna foi um assíduo colaborador do portal do IHU ao longo dos últimos anos, publicando artigos e concedendo entrevistas. Na tarde de 31-10-2013 na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, conferiu a palestra "A evolução processual, participação, representação e democracia progressiva a partir da Constituição Federal de 1988" por ocasião da programação do evento Constituição 25 Anos: República, Democracia e Cidadania.
Werneck Vianna (Foto: Acervo IHU)
Luiz Werneck Vianna soube aliar com equilíbrio a pesquisa acadêmica de ponta com a militância política, a intervenção intelectual no debate público com a participação ativa na sociedade civil, escreve em artigo Theófilo Rodrigues, publicado por Portal Grabois, 21-02-2024.
Eis o artigo.
Nesta quarta-feira (21/02), a sociologia brasileira perdeu um de seus maiores expoentes. Luiz Werneck Vianna faleceu com seus 86 anos de idade. Nascido no Rio de Janeiro de 1938, Werneck foi atuante no Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE), foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Soube, portanto, aliar com equilíbrio a pesquisa acadêmica de ponta com a militância política, a intervenção intelectual no debate público com a participação ativa na sociedade civil.
Criado em Ipanema, estudante de colégios como Santo Inácio, Andrews, Pedro II e Anglo Americano, Werneck tinha tudo para ser formado como um jovem conservador de elite. Mas foi o mundo dos subalternos e dos comunistas o que mais o estimulou em sua juventude. Entre 1958 e 1962, Werneck cursou Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – atual UERJ, mas que na época possuía outro nome. Após o golpe militar, fez Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entre 1964 e 1967. Ali, nas ciências sociais da UFRJ, foi colega de Lincoln Bicalho Roque, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que foi assassinado pela ditadura militar no Rio de Janeiro alguns anos depois.
Diga-se de passagem, na comparação entre as biografias de Roque e Werneck podemos ver também as diferenças entre o PCB e o PCdoB naquele momento de luta contra a ditadura. “Lincoln Bicalho Roque é um dos desaparecidos aí. Esse era o meu colega de turma, era um jovem inteligente, mas obstinado por essa coisa de luta armada e denúncia da esquerda anterior”, relembra Werneck em uma entrevista (1). Diferentemente de Roque e do PCdoB que optaram naquele momento pela luta armada, Werneck e o PCB decidiram pelo caminho da política aberta de massas, pela transição democrática. Sobre esses dois projetos distintos, vale a pena ler um texto que escreveu em fins da década de 1980 intitulado “O Ocidente incompleto do PCB” (2).
Foi no fim de sua graduação em direito, entre 1961 e 1962, que entrou no PCB, no CPC da UNE e no ISEB. Nesse período conheceu um de seus grandes amigos, o fundador do CPC Carlos Estevam Martins. Sobre a atuação de Werneck no CPC, Estevam relata que sua tarefa era criar CPCs fora do Rio (3).
Após esse período, já ganho para as ciências sociais, Werneck virou professor de sociologia da PUC-Rio e entrou para o mestrado no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) em 1969. Era a primeira turma do IUPERJ. Contudo, não chegou a apresentar uma dissertação, pois teve que se exilar do país em 1971. Recordo-me de Werneck contando em sala de aula sua aventura: “a polícia foi atrás de mim na PUC, mas eu consegui fugir por uma passagem secreta”. Infelizmente, nunca descobri que passagem secreta era essa.
Primeiro fugiu para São Paulo, mas não ficou lá por muito tempo. Logo foi para o exílio no Chile em 1971. Era o Chile de Salvador Allende, o presidente socialista eleito pela democracia liberal, mas que foi golpeado em 11 de setembro de 1973. Werneck também não ficou muito tempo por lá e retornou para o Brasil no mesmo ano de 1971. Como consequência, foi preso por cerca de seis meses.
Ao sair da prisão em 1971, foi para São Paulo bater na porta do amigo Carlos Estevam Martins que estava no Cebrap. “Como você está?”, teria perguntado Estevam ao receber o amigo na porta de casa. “Sem emprego” respondeu Werneck. Estevam articulou então com Fernando Henrique Cardoso a entrada de Werneck no Cebrap (4).
Foi a partir de Estevam, no Cebrap, que Werneck conheceu Francisco Weffort. Esse encontro foi determinante, pois foi a partir dali que Werneck foi aceito no doutorado na USP, em 1973, sob a orientação de Weffort e com bolsa da FAPESP.
Intitulada “Liberalismo e sindicato no Brasil”, sua tese de doutorado foi defendida em 1976. Trata-se de um verdadeiro clássico de interpretação sociológica do Brasil. Esse era o espírito do tempo para a sociologia brasileira na década de 1970. Naquele mesmo momento foram publicadas obras como “A revolução burguesa no Brasil”, de Florestan Fernandes, e “Capitalismo autoritário e campesinato”, de Otávio Velho. “Liberalismo e sindicato no Brasil” está inserido nesse contexto.
Ali, a grande contribuição de Werneck foi inserir de forma pioneira Antônio Gramsci nos debates sociológicos da USP e do Cebrap sobre a interpretação do Brasil. Werneck articulou com precisão os conceitos de via prussiana de Lênin, de revolução passiva de Gramsci e de modernização conservadora de Barrington Moore para demonstrar como o Brasil representava mais um caso de modernização capitalista feita pelo alto, de forma autoritária, sem o moderno. Dito de outra forma, as elites agrárias tradicionais organizaram acordos e impulsionaram o capitalismo no Brasil, sem grandes alterações na estrutura de classes (5).
Werneck sempre dava um jeito de encaixar essa sua grande temática em seus textos. Algumas vezes de forma um tanto curiosa. Tenho em mãos, por exemplo, a Ópera do malandro, de Chico Buarque, que foi publicada como livro em 1978. A apresentação desse famoso musical de Chico foi escrita por Werneck. “O moderno vinha à luz pelo ventre do arcaico e do tradicional. […] O passado reverenciará o moderno, instalando-o, mas cobrando o pedágio da sua conservação”, são apenas algumas das muitas frases que encontramos na apresentação da Ópera do Malandro que remetem ao tema de “Liberalismo e sindicato no Brasil” (6).
“Liberalismo e sindicato no Brasil” é uma obra marcadamente marxista. Não é trivial que Werneck tenha ido para Moscou em 1974, para fazer um curso de teoria política na União Soviética. Isso tudo pesa na construção daquele magnífico livro que é um verdadeiro clássico da sociologia brasileira.
Aprendi a ler Gramsci com Werneck, não obstante o seu Gramsci fosse diferente do meu. O Gramsci de Werneck era o dos Cadernos sobre americanismo e fordismo, um Gramsci mais tocqueviliano, se é que isso pode ser dito. O meu Gramsci era o dos Cadernos sobre Maquiavel e o Estado, um Gramsci mais leninista, mais althusseriano. O Gramsci de Werneck é o de uma forte valorização da sociedade civil em contraponto ao Estado; o meu Gramsci é o que vê a sociedade civil como um instrumento da luta de classes, como um instrumento para a disputa do Estado. Werneck chamava os defensores dessa outra interpretação de “partido Maquiavel”. Com efeito, as duas interpretações são marxistas, na medida em que buscam, em última instância, a superação do Estado. A diferença é que uma leitura valoriza mais o momento leninista da tomada do Estado como etapa de transição do que a outra. Seja como for, foi com Werneck que aprendi a ler Gramsci.
Embora Gramsci já estivesse presente em seus trabalhos anteriores – como já vimos em “Liberalismo e sindicato no Brasil” -, foi com “A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil”, livro de 1997, que a sua obra ficou registrada como a de um dos principais intérpretes de Gramsci no país. Essa coletânea reúne alguns de seus artigos publicados originalmente em revistas como a Dados e a Lua Nova. Nesses textos aparecem de forma mais explícita as bases do programa de Werneck para o Brasil: as transformações moleculares, sem ruptura, o reformismo gradual construído pela sociedade civil, em outras palavras, a revolução passiva. Essa construção é, no entanto, polêmica.
Afinal, o próprio Gramsci registrou no Caderno 15 que: “Portanto, não teoria da ‘revolução passiva’ como programa, como foi nos liberais italianos do Risorgimento, mas como critério de interpretação, na ausência de outros elementos ativos de modo dominante” (7). Ou seja, de acordo com o próprio Gramsci, a revolução passiva não era um programa político a ser adotado, mas sim um instrumento para a avaliação do processo histórico de desenvolvimento de determinadas formações sociais. Seja como for, o fato é que “A revolução passiva” o registrou como o grande intérprete de Gramsci no Brasil. De fato, ele já era reconhecido assim bem antes. Não é pouco lembrar que foi Werneck quem escreveu o prefácio de “O conceito de hegemonia em Gramsci”, do italiano Luciano Gruppi, em 1978.
A partir da década de 1990, Werneck passou a ter um interesse cada vez maior pelo tema da sociologia do direito. Em parceria com Maria Alice Rezende de Carvalho, Marcelo Burgos e Manuel Palácios, publicou três importantes trabalhos dentro dessa temática: “O perfil do magistrado brasileiro”, em 1996; “Corpo e alma da magistratura brasileira”, em 1997; e “A judicialização da política e das relações sociais no Brasil”, em 1999. Em 2015, foi a vez de publicar “Ensaios sobre política, direito e sociedade”, coletânea em que reuniu seus artigos sobre o tema.
Aqui, o ponto que merece maior atenção é o da judicialização da política. Em “A judicialização da política e das relações sociais no Brasil”, Werneck trata esse processo por uma chave positiva, em que a judicialização surge como promotora de uma agenda cívica no país. Essa era a sua opinião em 1999. Em 2010, Werneck mantinha essa mesma opinião. “Eu vejo esse processo de forma positiva e, a essa altura, eu diria que a torcida do Flamengo também”, relatou em uma entrevista (8). Contudo, após a Operação Lava Jato, a sua interpretação sobre aquele fenômeno começou a mudar. Em suas palavras, “tenentes de toga” “começaram a ter comportamentos bizarros” (9). A judicialização passou a ser interpretada pela chave negativa.
Como já disse, Werneck sempre teve a preocupação de intervir no debate público. Era, de fato, um intelectual público. Essa intervenção se dava, principalmente, por meio de seus artigos na imprensa tradicional, mas também com ensaios que circulavam de formas distintas. De tempos em tempos, esses textos eram reunidos em coletâneas que faziam sucesso entre seus alunos.
Entre esses livros, registro: “A classe operária e a abertura”, seu primeiro livro de análise de conjuntura que saiu em 1983; “Travessia”, livro de 1986 que cobre o período que vai da abertura até a Constituinte; “A transição”, livro de 1989 que trata do período entre a constituinte e a eleição presidencial de 1989; “De um plano Collor a outro”, livro de 1991 que trata do governo Collor; “Esquerda brasileira e tradição republicana”, publicado em 2006 e que cobre os governos de FHC e Lula; “A modernização sem o moderno”, sobre o segundo governo Lula; e, por fim, “Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual” coletânea de 2018 com entrevistas de Werneck que foram publicadas no período dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer.
Todos esses livros são fundamentais para a compreensão de cada uma das conjunturas analisadas. Mas destaco com maior importância o último capítulo presente em “De um plano Collor a outro”. Intitulado “Ator, tempo e processo de longa duração em análises de conjuntura”, esse capítulo de 44 páginas é uma verdadeira aula sobre como realizar uma análise de conjuntura. Nele, Werneck perpassa os grandes mestres da análise de conjuntura política: Maquiavel, Tocqueville, Marx, Lênin e Gramsci. Trata-se, em minha opinião, de um texto que deveria ser obrigatório em cursos de introdução à ciência política.
Ao longo de sua trajetória, Werneck orientou dezenas de doutores no IUPERJ e na PUC-Rio – salvo engano, foram cerca de 30 no total. Entre 2013 e 2017, tive o prazer e honra de tê-lo como orientador em meu doutorado realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio. Corro o risco de esquecer alguns nomes, mas entre os colegas que também foram orientados por ele no doutorado estão Alessandra Maia, Alexandre Veronese, Andre Videira, Carla Soares, Felipe Maia, Fernando Perlatto, Gisele Cittadino, Igor Suzano, Leonardo Puglia, Leonardo Vilardi, Luiz Eduardo Motta, Manuel Palácios, Marcelo Burgos, Marcelo Diana, Marcelo Rosa, Marilson Santana, Maro Lara Martins, Mirela Silva, Paula Velloso, Rafael Abreu e Rubem Barboza Filho entre tantos outros. De maneiras distintas, por vezes contraditórias, o pensamento de Werneck tem longa vida em seus discípulos.
Luiz Werneck Vianna, presente!
1 – WERNECK VIANNA, Luiz. Luiz Werneck Vianna II (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/Fundação Getulio Vargas (FGV).
2 – WERNECK VIANNA, Luiz. A transição: da Constituinte à sucessão presidencial. Rio de Janeiro: Revan, 1989.
3 – MARTINS, Carlos Estevam. Entrevista com Carlos Estevam Martins concedida à Hélgio Trindade em julho de 2002. In: TRINDADE, Hélgio. Ciências Sociais no Brasil: Diálogos com mestres e discípulos. Brasília: ANPOCS; Liber Livro Editora, 2012.
4 – WERNECK VIANNA, Luiz. Entrevista. In: LOUREIRO, Maria Rita et al. (org.). Conversas com sociólogos brasileiros: retórica e teoria na história do pensamento sociológico do Brasil. Rio de Janeiro, FGV, 2008.
5 – WERNECK VIANNA, Luiz. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
6 – WERNECK VIANNA, Luiz. O americanismo: da pirataria à modernização autoritária (e o que se pode seguir). In: BUARQUE, Chico. Ópera do malandro. São Paulo: Círculo do livro, 1978.
7 – GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. V. 5. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011, p. 332.
8 – ARAÚJO, G.; LYNCH, C.; ROUCHOU, J.; HERCULANO, A. Luiz Werneck Vianna – entrevista. Fundação Casa de Rui Barbosa, Escritos IV, ano 4, nº 4, 2010.
9 – WERNECK VIANNA, Luiz. Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual. Brasília: Verbena, 2018.
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