24 Janeiro 2024
"A explicação da literatura é que existe uma tal disparidade nos recursos econômicos que financiam as campanhas dos candidatos que a agenda do 1% sempre prevalece no final. As desigualdades tendem, assim, a aumentar com custos sociais nem sempre inteiramente visíveis", escreve escreve Leonardo Becchetti, professor de economia política da Universidade de Tor Vergata, em Roma, colunista de Avvenire e um dos fundadores da Next – Nova economia para todos, em artigo publicado por Avvenire, 16-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "um primeiro sinal parcial de recuperação no horizonte é o nascimento do Imposto Mínimo Global que obriga as grandes empresas a pagar a alíquota efetiva de imposto de 15 por cento, colocando um primeiro limite importante à concorrência fiscal desleal. A mesma abordagem poderia, no futuro, dar origem a um imposto mínimo global sobre os grandes patrimônios".
A questão da desigualdade, alimentada pela combinação de globalização e progresso tecnológico que cria uma sociedade dual entre altamente e pouco qualificados é clara. Mas as soluções não são tão simples.
O novo relatório da Oxfam divulgado ontem oferece um quadro impiedoso sobre as desigualdades e as contradições de um sistema que é muito hábil na geração de valor econômico, mas desastroso na sua capacidade de distribuí-lo equitativamente. O comunicado de imprensa do relatório destaca que “desde 2020, os 5 homens mais ricos do mundo duplicaram as suas fortunas (+114%), enquanto os 5 bilhões as pessoas mais pobres do planeta viram a sua condição geral inalterada." E ressalta que “no ritmo atual, serão necessários mais de dois séculos (230 anos) para acabar com a pobreza, mas dentro de uma década poderemos ter o primeiro trilionário" (com um patrimônio superior a mil bilhões de dólares) da história da humanidade.
Costuma-se dizer que “os pobres não podem esperar”. Mas, continuando assim, serão obrigados a fazê-lo e, nesse meio tempo, verão passar novos bilionários e talvez trilionários.
Os limites do sistema deveriam escandalizar também o pensamento liberal, porque da mão invisível que transforma a soma dos apetites individuais por lucro em bem-estar para todos através da concorrência, reduzindo progressivamente os próprios lucros, parece não haver vestígios. A razão é simples, a economia de mercado e a concorrência não coincidem com o laissez faire. O mercado sem regras leva naturalmente à criação de monopólios e oligopólios se não funcionarem instituições como o antitruste e se a força das instituições nacionais é enfraquecida pela opção de deslocalização das empresas. Esse problema subjacente é exacerbado no mundo digital onde se criam economias de rede que implicitamente conferem enormes poderes às empresas que gerem as plataformas. Costumamos contar aos nossos estudantes que os mercados são lugares impessoais onde se encontram miríades de produtores e consumidores, mas hoje, em alguns casos, um único produtor, ou quase, é (possui) o mercado (seja a plataforma de vendas online, das entregas a domicílio ou de serviços de transporte urbano) que deixa, portanto, de ser um lugar imparcial de composição de interesses.
Do título de um trabalho publicado por Adam Bonica e outros colegas no Journal of Economic Perspectivas surge a pergunta que todos deveríamos nos fazer: porque o crescimento da desigualdade não se reduziu ou parou com a democracia? Num sistema democrático, de fato, plataformas políticas que propõem intervenções fiscais progressivas (intervenções ex post) ou facilitam o acesso à saúde e à educação (intervenções ex ante) que melhoram as condições de 99% dos cidadãos, aumentando a carga fiscal do 1% mais rico, deveriam vencer facilmente as eleições. A realidade é diferente, como ilustrado por um trabalho recente de Santoro, Roventini, Guzzardi e Palagi que destaca como é a tributação na Itália seja até mesmo regressiva sobre os rendimentos mais elevados, se considerada globalmente, incluindo a tributação sobre patrimônios e rendas financeiras.
A explicação da literatura é que existe uma tal disparidade nos recursos econômicos que financiam as campanhas dos candidatos que a agenda do 1% sempre prevalece no final. As desigualdades tendem, assim, a aumentar com custos sociais nem sempre inteiramente visíveis. Em alguns trabalhos de pesquisa recentes demonstramos como elas minam na Itália e na Europa a confiança nas instituições e a coesão social, alimentando a propensão para teorias da conspiração (que explodiram durante a pandemia sobre a questão das vacinas) e reduzindo (devido à crescente desconfiança de que o sistema possa mudar) a propensão ao voto.
Este último fenômeno pode desencadear um círculo vicioso que em última análise leva à morte natural da democracia.
A questão da desigualdade – alimentada pela combinação de globalização e progresso tecnológico que cria uma sociedade dual composta por pessoas altamente qualificadas e/ou garantidas que têm oportunidades cada vez maiores e pessoas pouco qualificadas sugadas num nivelamento por baixo na mão-de-obra global de baixo custo – é clara, mas as soluções não são tão simples.
De fato, o aumento da progressividade fiscal num único país corre o risco de ser apenas parcialmente eficaz num nivelamento por baixo, em que as empresas globais estabelecem as suas sedes em paraísos fiscais pagar menos. Infelizmente, estes últimos não estão apenas em ilhas distantes, mas no próprio interior da União Europeia e contribuem para agravar as diferenças de sustentabilidade da dívida, onde muitas vezes os países que se definem como virtuosamente frugais, na realidade se beneficiam de tais mecanismos.
Um primeiro sinal parcial de recuperação no horizonte é o nascimento do Imposto Mínimo Global que obriga as grandes empresas a pagar a alíquota efetiva de imposto de 15 por cento, colocando um primeiro limite importante à concorrência fiscal desleal. A mesma abordagem poderia, no futuro, dar origem a um imposto mínimo global sobre os grandes patrimônios (na proposta da Oxfam com uma alíquota de três escalões entre 1 e 3 por cento para aqueles acima dos 5,4 milhões líquidos, que atingiria o 0,01 por cento mais ricos, com uma receita estimada entre 13 e 15 mil milhões de euros só em Itália). Os pacientes amontoados nas macas nas urgências dos hospitais italianos e os cidadãos que têm de esperar mais de um ano por um check-up agradeceriam com satisfação.
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“Pesados” demais os votos de quem tem dinheiro. Assim a democracia não cria equidade. Artigo de Leonardo Becchetti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU