23 Setembro 2023
"Chamamos isso de 'autointeresse míope' porque existe um 'autointeresse de ampla visão', uma racionalidade social feita de dádivas capazes de gerar confiança e qualidade nas relações e que, ao mesmo tempo, torna a vida mais satisfatória e cheio de sentido, criando as condições para uma maior fertilidade social e econômica. Para usar uma imagem ilustrativa, a vida (relacional, familiar, profissional) é um esporte coletivo: você pode ser o melhor jogador do mundo, mas se entrar em campo sozinho você perde todos os jogos", escreve Leonardo Becchetti, professor de economia política da Universidade de Tor Vergata, em Roma, colunista de Avvenire e um dos fundadores da Next – Nova economia para todos, em artigo publicado por Avvenire, 21-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O manifesto pela Nova Economia assinado por 164 colegas foi tornado público (pode ser consultado aqui) com o objetivo de buscar um consenso significativo entre os especialistas da área para um paradigma econômico “mais amplo” e civil, um paradigma capaz de enfrentar os temíveis desafios do nosso tempo, na linha do que tem sido discutido e amadurecido nestes últimos anos em muitas intervenções e aprofundamentos das páginas do “Avvenire”.
A tarefa da pesquisa científica desde sempre foi superar as barreiras e os limites de representações da realidade que os dados e as evidências empíricas indicam como parciais ou contrariadas pelos próprios "números", para abrir novos horizontes, construir outras novas e, portanto, progredir no conhecimento. Por isso não se trata de um manifesto “contra” alguém ou alguma coisa, mas de uma proposta que quer fazer um balanço sobre novos caminhos para ler e interpretar a realidade econômica. São percursos que vêm se afirmando há décadas – na fronteira das pesquisas empíricas – mas que têm dificuldades para se impor no ensino e na cultura mais geral ligada à economia e à sociedade.
No manifesto centramo-nos em cinco pilares e direções de progresso.
A primeira é uma visão da pessoa capaz de explicar todas as nossas decisões e escolhas que refutam a ideia de que os seres humanos agem unicamente para maximizar seu próprio ganho econômico e as relativas escolhas de consumo de modo "miopemente interessado". Chamamos isso de “autointeresse míope" porque existe um "autointeresse de ampla visão", uma racionalidade social feita de dádivas capazes de gerar confiança e qualidade nas relações e que, ao mesmo tempo, torna a vida mais satisfatória e cheio de sentido, criando as condições para uma maior fertilidade social e econômica. Para usar uma imagem ilustrativa, a vida (relacional, familiar, profissional) é um esporte coletivo: você pode ser o melhor jogador do mundo, mas se entrar em campo sozinho você perde todos os jogos.
A segunda direção de progresso é aquela que abre à multiplicidade e ao pluralismo das formas de empresa e a uma maior eficiência da vida social. Nesse caso também, se pode recorrer a uma imagem, aquela dos “dois tempos”: no primeiro só existem organizações produtivas que maximizam o lucro “não importa como”, ou seja, criando efeitos externos negativos indesejados de caráter social e ambiental; no segundo tempo, porém, as instituições perfeitamente informadas, benevolentes e onipotentes intervêm para conter os comportamentos das empresas, direcionando suas energias dentro dos limites do bem comum.
Bem, essa perspectiva dos “dois tempos” na realidade não existe por vários motivos. Muitas organizações produtivas, em primeiro lugar, escolhem hoje o caminho de uma maior riqueza de sentido, conjugando lucro e impacto. Além disso, as instituições nem sempre são benevolentes, perfeitamente informadas e onipotentes e mesmo que assim fossem “os dois tempos” (primeiro se criam danos sociais, depois são reparados), seriam muito menos eficientes do que organizações socialmente responsáveis, que criam valor social e economicamente sustentável. A comparação, mais uma vez, não é entre realidade e mundo dos sonhos, porque negar a existência de empresas e organizações sociais com tal visão significa dizer fechar os olhos diante do que existe.
Uma terceira e quarta direção de progresso se inserem justamente aqui. Instituições, leis e regras virtuosas são lançadas, funcionam e permanecem em vigor se existirem cidadãos responsáveis que participem dos assuntos públicos. Olhando bem, portanto, as soluções para os problemas não caem magicamente do alto, mas são uma função do senso cívico de uma comunidade que deve ser alimentado com participação e cidadania ativa.
E, na perspectiva do manifesto, a tarefa do economista é também aquela de participar da vida cívica, apoiando-a por meio da que agora é definida como "terceira missão" e está se tornando parte integrante da atividade e da avaliação de impacto dos colegas.
Uma quinta e última direção de progresso está ligada à definição dos indicadores de bem-estar, que não são uma questão técnica a ser deixada aos estatísticos, mas a escolha mais importante para a sociedade, pois indicam a direção programada e desejada. Nós nos reconectamos a partir desse ponto de vista à fronteira da pesquisa que indica como o bem-viver e a satisfação e riqueza do sentido de vida dos cidadãos não dependem apenas do PIB, mas de muitos outros fatores, como a qualidade de vida de relações, a geratividade entendida como impacto das nossas ações que contribui decisivamente para o florescimento da vida humana, e muitos outros elementos que emergem dos estudos de determinantes da satisfação de vida e que não são captados por um indicador sintético como o Produto Interno Bruto.
O motivo fundamental pelo qual muitos de nós pensamos que o manifesto fosse útil e urgente é que essa visão aviltante e reducionista da realidade acaba por moldar a cultura, tornando a nossa civilização e a nossa vida econômica, social e de trabalho pobres de sentido. Se o homem é um alguém que busca significado, mais que um maximizador de utilidade, é a pior condenação possível que poderia acontecer com ele.
Por isso é absolutamente urgente – a partir justamente dos “especialistas da área” – superar essas barreiras, indicando possibilidades e horizontes que já hoje se traduzem nas escolhas concretas de muitos. Hoje existem todos os ingredientes para unir essa narrativa mais completa da economia com as boas práticas operacionais que contribuíram para a sua formulação. Para se tornar um polo atrativo para as escolhas da sociedade civil e da política que construirão a Itália do futuro.
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Por uma economia mais ampla e civil. Artigo de Leonardo Becchetti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU