Habitar na região metropolitana de Porto Alegre. A luta pelo direito à cidade

Na próxima quinta-feira, 16-11-2023, o Instituto Humanitas Unisinos - IHU promove videoconferência sobre a luta por habitação e direito à cidade na região metropolitana de Porto Alegre

Foto: Tânia Rego | Agência Brasil

Por: Patricia Fachin | 10 Novembro 2023

"Embora as cidades estejam cada vez mais modernas e equipadas, o contraste com a precarização da vida da maioria das pessoas é cada vez maior". A constatação do engenheiro civil e doutor em Arquitetura e Urbanismo, Luiz Kohara, pesquisador das questões urbanas, direitos humanos, população em situação de rua e movimento popular, é um retrato da realidade das metrópoles brasileiras, que, de um lado, avançam em termos de infraestrutura tecnológica e, de outro, favorecem a criação de novas zonas periféricas.

O déficit habitacional é uma das consequências do atual modelo das cidades. Segundo levantamento do Observatório da realidade das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos (ObservaSinos), na grande Porto Alegre esta situação cresce a cada ano. "A Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) registrou, em 2015, um déficit de 96.614 moradias, sendo 98% na zona urbana. Esse número é 25% maior que àquele registrado em 2012. Sendo assim, pode-se concluir que houve um aumento no déficit de 19.236 moradias em apenas três anos", informa a análise dos indicadores sociais publicada em 2019. A situação do Rio Grande do Sul é ainda mais grave. O estado "registrou um déficit de 239.458 moradias em 2015. Este déficit habitacional é 25% maior do que aquele registrado em 2012 (191.189 moradias)", segundo o Observatório. Os dados do déficit habitacional corroboram outro dado sistematizado pelo ObservaSinos: "Mais de 53 mil pessoas moravam em domicílios que apresentavam ônus excessivo com aluguel e 130.680 pessoas com ao menos uma inadequação de moradia na Região Metropolitana". Em contrapartida, os dados do Censo 2022 indicam a existência de 11 milhões de casas e apartamentos vagos no Brasil.

A condição de vida das pessoas nas cidades, a criação de novos centros urbanos em contraste com a expansão de zonas marginalizadas, as dificuldades em termos de mobilidade urbana e moradia, são temas que permeiam a discussão sobre a construção de novas cidades e o direito à cidade. "O que é a cidade? O que se quer transformar? E como deve ser a cidade que queremos?", são questões importantes para orientar a discussão sobre a transformação e o futuro das cidades, mas também sobre o direito à cidade, segundo Kohara.

Na reflexão sobre propostas para avançar nesta pauta social, Ion de Andrade, Cláudia Pires, Gilson Paranhos e Flávio Tavares, membros da Rede BrCidades, informam que "nas cidades brasileiras se concentram 85% da população e é nelas que os problemas nacionais mais graves, mas também os avanços mais relevantes, se materializam e se dão a conhecer". Entre os exemplos, eles citam a distribuição dos dispositivos de Saúde do SUS e as desigualdades socioterritoriais. "É nas cidades que as desigualdades socioterritoriais se manifestam de forma mais grave, relegando às periferias e às zonas rurais, hoje imbricadas à vida urbana, a falta de acesso a equipamentos públicos como os centros de cultura, esporte, lazer e de acolhimento das populações economicamente mais vulneráveis", mencionam.

Habitar na região metropolitana de Porto Alegre

Refletir sobre esta realidade à luz da RMPA é o tema da próxima videoconferência promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Mário Leal Lahorgue, doutor em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um dos autores do livro Reforma urbana e direito à cidade, publicado no ano passado pelo Observatório das Metrópoles, abordará a temática. A palestra "Habitar na região metropolitana de Porto Alegre. A luta pelo direito à cidade" será transmitida na página eletrônica do IHU e no seu canal do YouTube na próxima quinta-feira, 16-11-2023, às 17h30.

Segundo a pesquisadora Barbara Szaniecki, a discussão acerca do direito à cidade perpassa a discussão sobre os processos de exclusão urbana que sempre existiram. Na entrevista concedida à Revista IHU On-Line, n. 533, intitulada "Direito à moradia, Direito à cidade", ela disse que "a exclusão social e econômica tem uma 'tradução' imediata em termos urbanos. Das cidades antigas até as cidades medievais, muito sucintamente, a exclusão tinha como marco territorial os muros que cercavam a cidade". Depois da Revolução Industrial, acrescenta, "a organização territorial entre centro e periferias trazia consigo novas formas de exclusão", como a que se dá pela "segurança" e pelo "controle" dos territórios. "Mais do que uma absoluta exclusão", adverte, os mecanismos de segurança e controle "são na realidade uma reorganização da relação entre inclusão e exclusão por modulações nos tecidos urbanos sempre mais complexos – policêntricos – que constituem as metrópoles contemporâneas".

Desafios do direito à cidade e atenção aos mais pobres

Para Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, os principais desafios a serem enfrentados pelo direito à cidade dizem respeito a uma gama de direitos negligenciados na sociedade brasileira. Ele cita "o direito à moradia digna, ao emprego, à mobilidade urbana, ao lazer", entre outros. Todas essas demandas, menciona, são marcadas por "graves conflitos fundiários". Nesse sentido, Mário Leal Lahorgue ressalta que "a conquista de terras sempre foi sinônimo de poder. Logo, ter um espaço na cidade é mais do que a posse da terra, é ter seu lugar".

Além de inúmeros pesquisadores de várias áreas do conhecimento que atuam na discussão sobre o direito à cidade e o enfrentamento às desigualdades sociais, o Papa Francisco tem chamado a atenção para a situação dos mais pobres. "Vivemos um momento histórico que não favorece a atenção aos mais pobres. O volume sonoro do apelo ao bem-estar é cada vez mais alto, enquanto se põe o silenciador relativamente às vozes de quem vive na pobreza", disse o pontífice na Mensagem para o 7º Dia Mundial dos Pobres que será celebrado no 33º Domingo do Tempo Comum, em 19 de novembro deste ano, com o tema "Não se afaste dos pobres" (Tb 4,7).

No pronunciamento, o Papa adverte como "é fácil cair na retórica quando se fala dos pobres. Tentação insidiosa é também parar nas estatísticas e nos números. Os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e irmãs com os seus valores e defeitos, como todos, e é importante estabelecer uma relação pessoal com cada um deles". Em seu discurso, o pontífice critica a especulação imobiliária que dificulta o acesso à moradia no mundo todo. "Não posso esquecer as especulações, em vários setores, que levam a um aumento dramático dos preços, deixando muitas famílias numa indigência ainda maior. Os salários esgotam-se rapidamente, forçando a privações que atentam contra a dignidade de cada pessoa. Se, numa família, se tem de escolher entre o alimento para se nutrir e os remédios para se curar, então deve fazer-se ouvir a voz de quem clama pelo direito a ambos os bens, em nome da dignidade da pessoa humana".

O Livro de Tobias, que inspira a reflexão para o 7º Dia Mundial dos Pobres, explica Francisco, "ensina-nos a ser concretos no nosso agir com e pelos pobres. É uma questão de justiça que nos obriga a todos a procurar-nos e encontrar-nos reciprocamente, favorecendo a harmonia necessária para que uma comunidade se possa identificar como tal. Portanto, interessar-se pelos pobres não se esgota em esmolas apressadas; pede para restabelecer as justas relações interpessoais que foram afetadas pela pobreza. Assim 'não afastar o olhar do pobre' leva a obter os benefícios da misericórdia, da caridade que dá sentido e valor a toda a vida cristã", conclui.

O direito à cidade e à moradia digna são objeto das reflexões propostas pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Na página eletrônica do IHU estão disponíveis artigos e entrevistas sobre o tema a partir de uma perspectiva interdisciplinar, que aborda a complexidade do tema em âmbito local, regional, nacional e internacional. Algumas sugestões estão abaixo:

 

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