28 Setembro 2023
Estados e empresas com atitudes irresponsáveis procuram ressuscitar a alternativa do capitalismo verde e continuam inventando mecanismos para acalmar a sua consciência destrutiva sem realmente mudar nada.
A reportagem é de Sergio Ferrari, publicada por Observatorio de la Crisis, 23-09-2023. A tradução é do Cepat.
O clima continua a aquecer de forma excessiva. O atual verão no Hemisfério Norte demonstrou isso novamente. Ondas de calor, secas prolongadas, aumento da desertificação, incêndios devastadores, são apenas algumas das facetas desta realidade preocupante.
O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertou, em março deste ano, que o aquecimento global está se encaminhando para ultrapassar o limite máximo de 1,5˚C acordado no Acordo de Paris de dezembro de 2015 na Cúpula do Clima da ONU.
Composto por representantes de 195 Estados, o IPCC constitui a principal organização internacional que analisa cientificamente as mudanças climáticas e avalia o seu impacto tanto no ser humano como no mundo vegetal e animal.
Segundo os especialistas, cada aumento de temperatura traduz-se em situações perigosas que se agravam rapidamente: “As ondas de calor de maior intensidade, as chuvas mais fortes e outros eventos climáticos extremos exacerbam os riscos para a saúde humana e os ecossistemas”.
E enfatizam a natureza global do fenômeno: “Em todas as regiões, o calor extremo está provocando a morte de pessoas. Prevê-se que a insegurança alimentar e a insegurança hídrica relacionadas com o clima aumentem devido ao aumento do aquecimento. Quando os riscos se combinam com outros fenômenos adversos, como as pandemias ou os conflitos [bélicos], torna-se ainda mais difícil controlá-los”.
O que está sendo feito é insuficiente, explica o IPCC, que insiste que, para limitar o aquecimento a 1,5°C relativamente aos níveis pré-industriais, é imperativo conseguir reduções drásticas, rápidas e sustentadas das emissões de gases em todos os setores.
As perspectivas são muito desafiadoras porque estas emissões já deveriam ter diminuído; na verdade, algo que não aconteceu. Consequentemente, qualquer esforço sério para limitar o aquecimento ao 1,5°C proposto significaria reduzi-lo quase pela metade até 2030. O recente relatório do IPCC estima que cerca de 3,6 bilhões de pessoas no mundo são vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, quase metade da população mundial.
Embora tecnicamente a solução para o aquecimento global seja relativamente simples, pois consiste tão somente na redução radical das emissões de dióxido de carbono (CO2), põe em questão o atual conceito hegemônico de produção, crescimento econômico e consumo.
Requer mudanças profundas e a substituição do atual paradigma econômico dominante. E também um esforço por parte dos grandes consumidores que deveriam reduzir parte do muito que consomem.
Menos calefação no inverno e menos ar condicionado no verão? Uma diminuição significativa na utilização do transporte aéreo e automotivo? Uma modificação da dieta alimentar, substituindo pratos cujo preparo impacta negativamente o meio ambiente?
Para driblar sua própria responsabilidade pelo ambiente, tanto as corporações como as empresas, bem como os Estados, e inclusive os consumidores individuais, têm introduzido gradualmente diferentes métodos que, pelo menos em princípio, parecem querer protegê-lo. Infelizmente, estes métodos não garantem reduções drásticas nas emissões de CO2.
Um desses métodos, de enorme importância devido ao seu uso generalizado, consiste na compensação de carbono como forma de atingir a meta de “emissões líquidas zero”. O mecanismo é simples: uma empresa (ou um Estado ou qualquer outra entidade) contrata uma empresa certificadora para calcular o efeito poluente das suas emissões. Com base neste valor, a empresa paga os seus efeitos nocivos com uma compensação chamada “crédito ambiental”, que é atribuída a projetos que devem proteger o ambiente, geralmente em países da América Latina, África e Ásia.
Glorificadas pelos seus promotores, estas compensações deixam muito a desejar, como acaba de revelar uma pesquisa independente promovida conjuntamente pelo jornal britânico The Guardian e pelo jornal alemão Die Zeit.
Esta pesquisa, focada especificamente nos cálculos e certificações da empresa Verra, a maior organização certificadora do mundo, determinou que “mais de 90% das compensações de carbono convertidas em projetos ambientais na floresta tropical, calculados e executados pela Verra, não têm valor”.
Quanto ao padrão de carbono que a Verra utiliza para suas certificações, o estudo destacou que os créditos ambientais que esta organização, domiciliada em Washington, aprovou e certificou para grandes empresas como Disney, Shell, Salesforce, BHP, EasyJet e Gucci, entre outras, são “inúteis” e também podem piorar o aquecimento global.
O documento levanta questões sobre os créditos ambientais adquiridos por muitas outras corporações de renome internacional, algumas das quais rotularam os seus produtos como “neutros em carbono” para fazerem os seus consumidores acreditar que podem voar, comprar roupas novas ou comer certos alimentos sem piorar a crise climática.
Felizmente, surgem cada vez mais questionamentos relativamente à transparência deste mecanismo. Um artigo de agosto na revista Otro Mundo, da Agência Suíça para a Cooperação e o Desenvolvimento (SDC), tem como título “Compensações de carbono, solução ou ilusão?”
O estudo suíço assinala que, com vistas a tranquilizar a consciência ecológica e compensar pelas emissões excessivas quando tomamos um avião, é possível comprar certificados de CO2, papéis que comprovam que a poluição ocasionada por este voo será compensada em algum lugar do planeta, geralmente no Sul Global.
Trata-se de “um mecanismo que os especialistas em desenvolvimento e clima há muito tempo descrevem como o moderno comércio de indulgências, ou greenwashing (lavagem verde)”.
Através deste mecanismo e a título de exemplo, a Suíça compensa no estrangeiro 25% da poluição que produz em seu próprio território.
No final de agosto, um estudo publicado na revista científica Science verificou que os créditos compensatórios certificados pela Verra para empresas que pretendem reduzir a sua pegada de carbono não tiveram e não terão efeitos positivos sobre a mudança climática.
Segundo os pesquisadores da Science que avaliaram 18 dos 93 projetos de redução de emissões de gases de efeito estufa em áreas de desmatamento na Ásia, África e América do Sul, e que a Verra certificou, 94% destes créditos não cumprem o seu propósito nem satisfazem as expectativas que geraram. Vários meios de comunicação europeus, como Le Monde, La Croix e Le Temps, entre outros, divulgaram as conclusões da Science.
Todos estes projetos de redução de emissões nas regiões do Terceiro Mundo fazem parte do programa da ONU para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, embora a sua execução seja subcontratada a agentes privados, que têm se beneficiado de um negócio formidável em torno de 2 bilhões de dólares.
Já em novembro de 2022, a ONG Amigos da Terra se perguntava: Como funcionam hoje as propostas de compensação?
Nesse documento, a Amigos da Terra argumentava que o conceito de “emissões líquidas zero” carrega o equívoco de que as emissões de carbono podem ser compensadas através da remoção de carbono da atmosfera.
Nas suas origens, a eliminação do CO2 referia-se a um processo natural, como o das plantas marinhas ou terrestres, que absorvem carbono da atmosfera. Atualmente, contudo, a remoção de carbono é cada vez mais problemática porque envolve processos duvidosos.
Na verdade, além das tradicionais “Soluções Baseadas na Natureza” (SbN: árvores, oceanos e terras que absorvem carbono), estamos atualmente também trabalhando com aplicações tecnológicas mais arriscadas, como a “Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono” e Captura e Armazenamento Diretos de Carbono.
Sobre a dinâmica de “eliminações e compensações”, a Amigos da Terra afirma que quando combinamos umas e outras, “o resultado são falsas soluções elevadas à potência máxima, porque os próprios mercados de carbono e créditos de carbono assim o elaboraram”.
Com outras palavras: estes mercados – onde os créditos de carbono são comprados e vendidos – cunharam o conceito irrealizável de que tais créditos são o mecanismo ideal para alcançar as “emissões líquidas zero”. É por isso que os agentes das indústrias mais poluentes continuam a produzir gases de efeito estufa e continuam a pagar para que algo seja feito para que se pense que desta forma estão neutralizando as emissões de carbono em alguma outra parte do planeta.
A Amigos da Terra argumenta que tais “compensações” não têm sentido porque não contribuem realmente para a redução das emissões. E dá como exemplo um projeto de instalação de uma central de energias renováveis, ou para evitar o desmatamento: nenhuma compensação será capaz de reduzir ou eliminar o carbono que estes projetos geram no local onde são implantados.
E muito menos se considerarmos que já existe contaminação ambiental nesses locais. “Não há terra nem mares suficientes no planeta”, explica a Amigos da Terra, “para desenvolver o negócio das compensações numa escala que possa compensar, mesmo que parcialmente, as emissões atualmente geradas pela queima de combustíveis, nem para armazenar com segurança o carbono que poderia ser extraído da atmosfera”.
As “compensações” de carbono, segundo a Amigos da Terra, “nos distraem perigosamente dos cortes reais de emissões de que necessitamos urgentemente para podermos respeitar o objetivo do aumento máximo da temperatura média de 1,5°C”.
A sua opinião coincide com os numerosos estudos que denunciaram, por um lado, que a fórmula de compensação se baseia em ideias exageradas, quando não falsas, sobre o tão propalado “benefício” que pode representar, sobretudo, para o Sul Global e as comunidades indígenas.
Por outro lado, esta mesma fórmula esconde enganosamente as imensas fortunas que os emissores podem poupar, apesar do desastroso impacto social e ambiental das suas emissões, uma vez que os cálculos sempre subestimam o real impacto da poluição.
O dilema ambiental inclui um cálculo simples: para evitar novos aumentos no aquecimento global que abrasa a Terra e destrói a vida, não há alternativa senão reduzir radicalmente as emissões de carbono.
Estados e empresas com atitudes irresponsáveis procuram ressuscitar a alternativa do capitalismo verde e continuam inventando mecanismos para tranquilizar sua consciência destrutiva sem realmente mudar nada.
A panaceia das compensações, uma daquelas “armadilhas” típicas das crianças travessas, desmente a sua total ineficácia. As vozes ambientalistas mais críticas já as descrevem como mais um exemplo de cinismo.
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O fracasso do capitalismo verde diante das mudanças climáticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU