15 Setembro 2022
As grandes empresas globais assumem compromissos climáticos que, em muitos casos, são propaganda enganosa para os consumidores, que, por sua vez, não dispõem de ferramentas de controle adequadas.
A reportagem é de Javier Lewkowicz, publicada por Página/12, 14-09-2022. A tradução é do Cepat.
Cerca de 3 mil empresas que operam em âmbito global fazem parte da campanha da ONU para atingir a neutralidade de carbono, o dobro que em 2021, e mais de um terço das maiores empresas de capital aberto têm compromissos de carbono zero. No entanto, a maioria desses planos são opacos, realizados com base em metodologias diversas e, em alguns casos, também bastante questionáveis.
Além da necessidade que muitas empresas têm de assumir compromissos crescentes de descarbonização para cumprir as legislações em seus países de origem e também a consciência de melhorar as práticas em favor do meio ambiente, há uma poderosa ferramenta de marketing envolvida, voltada para um mercado que presta cada vez mais atenção à forma como os bens são produzidos. Na ausência de regras claras e globais nesta matéria, as instituições de defesa do consumidor aparecem por enquanto como as ferramentas mais poderosas de regulação.
O Monitor de Responsabilidade Climática Corporativa, elaborado pelo New Climate Institute e pelo Carbon Market Watch, avalia os compromissos públicos em questões climáticas de 25 das maiores empresas do mundo. Juntas, essas empresas registraram vendas de US$ 3,18 trilhões em 2020, cerca de 10% das vendas das 500 maiores empresas do mundo. As emissões de gases de efeito estufa declaradas por essas empresas acumulam 2,7 gigatoneladas de carbono equivalente, cerca de 5% das emissões globais.
É necessário reduzir muito fortemente o volume dessas emissões para evitar que a temperatura média do planeta não ultrapasse 1,5 a 2 graus acima do estágio pré-industrial, o que agravaria o cenário – que já começa a ser observado com clareza – de desastres ambientais cada vez mais recorrentes.
Embora todas essas empresas tenham compromissos para alcançar a neutralidade de carbono, na realidade, alerta o relatório, parece que os planos relatados reduziriam apenas 20% de suas emissões líquidas. Apenas 3 das 25 empresas se comprometeram claramente em descarbonizar 90% de sua cadeia de valor, enquanto 5 das 25 reduziriam apenas 15% de suas emissões líquidas.
“O rápido crescimento no volume dos compromissos climáticos, combinado com a fragmentação de perspectivas e a falta de regulamentação, significa que é cada vez mais difícil distinguir entre a liderança climática real e o greenwashing”, alerta o relatório. O greenwashing consiste em uma prática de marketing baseada em um compromisso ambiental que não é, no mínimo, totalmente real.
Por sua vez, a organização Net Zero Tracker tem sua própria publicação para pesquisar os compromissos climáticos de governos e empresas. Calcula que os setores com maiores compromissos declarados são os dos combustíveis fósseis, siderurgia e cimento e empresas de transporte aéreo e marítimo, todos setores muito relevantes na emissão de gases de efeito estufa. O país com maior número de empresas com compromissos são os Estados Unidos, seguidos pelo Japão, Reino Unido, França e Alemanha.
O leque de medidas a serem adotadas pelas empresas para reduzir sua pegada de carbono é muito amplo. Vai desde a melhoria na eficiência dos processos internos e a geração própria de energia renovável até a redução das viagens corporativas e o financiamento de projetos para melhorar o sequestro de carbono em países em desenvolvimento.
Mas acontece que duas companhias nem mesmo podem estar falando da mesma coisa quando dizem que vão reduzir suas emissões porque, por exemplo, uma pode incluir a sua cadeia de valor na conta e a outra não. Da mesma forma, há uma diversidade de critérios quanto à inclusão ou não da destinação final do bem produzido e da atividade das franquias. Por outro lado, cada empresa tem sua própria forma de comunicar o plano de descarbonização, com diferentes níveis de detalhamento e informações disponíveis e de utilização de objetivos intermediários, anteriores à meta final da neutralidade de carbono.
De acordo com o Monitor, pelo menos dois terços das empresas avaliadas esperam cumprir seus compromissos com o sequestro de carbono a partir do investimento em reflorestamento, o que compensaria suas próprias emissões. No entanto, alerta o relatório, “o sequestro biológico de carbono não é adequado para compromissos de compensação, porque pode ser revertido de um dia para o outro, por exemplo, quando ocorrem incêndios florestais”.
A questão está no mais alto nível de discussão global. Em março passado, foi criado nas Nações Unidas um grupo de especialistas de alto nível para avaliar a situação dos compromissos climáticos de entidades não estatais.
"Por enquanto, essa questão acaba recaindo sobre as regulamentações existentes em alguns países sobre propaganda enganosa. Isso é fundamental, é uma janela de oportunidade concreta para garantir que os compromissos não sejam greenwashing", explica Catalina Gonda, coordenadora de política climática da Fundación Ambiente y Recursos Naturales – FARN.
“Penso que as empresas não deveriam se apresentar como neutras em carbono, porque esse é um objetivo global. Em vez disso, deveriam falar concretamente dos planos que têm para contribuir para a neutralidade global de carbono”, acrescenta Gonda.
As emissões de carbono ao longo da cadeia de valor, e não especificamente dentro das instalações da empresa em questão, explicam cerca de 87% das emissões das empresas avaliadas pelo Monitor. Para as empresas Carrefour, Vale, Unilever, JBS, Volkswagen, Nestlé, CVS Health, IKEA, Hitachi, BMW, esse item explica 95% das emissões.
“Embora as empresas possam ter um controle limitado sobre essas emissões, é uma prática correta identificar essas fontes para buscar soluções com fornecedores e clientes para influenciar sua redução. No entanto, apenas 8 das 25 empresas realizam um nível moderado de detalhamento em relação a essas emissões”, diz o estudo.
O relatório cria quatro categorias de "integridade" corporativa ligada aos compromissos climáticos. Na melhor categoria está a empresa de logística Maersk; na segunda, a Apple, Sony e Vodafone; na terceira, empresas como Amazon, Deutsche Telekom, Enel, Glaxosmithkline, Google, Hitachi, Ikea, VW, Walmart e Vale; e no degrau inferior, a Accenture, BMW, Carrefour, CVS Health, Deutsche Post DHL, E.ON, JBS, Nestlé, Novartis, Saint-Gobain e Unilever.
Carrefour: O compromisso que apresentou na última cúpula do clima, em outubro do ano passado, que visava a neutralidade de carbono até 2040, mal incluiu 2% das emissões da empresa, alerta o Monitor. E isso porque 98% das emissões são explicadas pela cadeia de valor dos produtos e embalagens. Na verdade, a empresa tem um compromisso lateral de redução das emissões em sua cadeia de valor de 29% até 2030, o que é mais relevante do que o compromisso geral.
Nestlé: “Seu compromisso de redução das emissões de 50% até 2030, na verdade, significa apenas 18% em comparação com 2018”, diz o Monitor. Além disso, não inclui emissões derivadas do uso dos produtos vendidos ou dos serviços adquiridos pela empresa, bens alugados, bens de capital e investimentos.
Apple: “Somos neutros em carbono. E até 2030, todos os produtos que você ama também serão”, diz o informe publicitário da Apple. No entanto, a mensagem é enganosa. A Apple avançou na neutralidade nas suas instalações, mas verifica-se que cerca de 70% das suas emissões são explicadas pela produção dos componentes que utilizam os produtos da marca. Essas emissões foram reduzidas em 29% entre 2016 e 2020, informou a empresa, e o compromisso é que sejam neutralizadas até 2030. A empresa norte-americana afirma usar energia elétrica de forma totalmente renovável desde 2018. A Apple financia projetos de conservação nos Estados Unidos, Quênia e Colômbia e usa esses programas para contabilizar como própria a redução das emissões.
Amazon: “Seu compromisso é enfraquecido por sua dependência dos créditos para soluções baseadas na natureza”, afirma o relatório. A empresa de Jeff Bezos também tem um ambicioso programa de eletrificação para sua frota de transporte, juntamente com a ideia de alcançar o uso pleno de energia renovável em 2025.
Unilever: A empresa inclui em sua medição as emissões liberadas pelo uso de seus produtos, como a energia necessária para aquecer a água necessária para lavar a louça com o detergente da marca. Isso a priori pode parecer um gesto de compromisso, embora na realidade possa funcionar ao contrário. “A energia consumida por uma máquina de lavar louça deve ser informada pelo fabricante dessa máquina. No caso da Unilever, é provável que a empresa consiga reduzir as emissões simplesmente porque outras empresas, como as fabricantes dessas máquinas, melhoram sua eficiência”, diz o relatório.
Ikea: “Sua estratégia de descarbonização dá a impressão de que a venda de painéis solares pela empresa pode neutralizar suas próprias emissões. Na realidade, a empresa está simplesmente atendendo a uma demanda de um mercado existente”, diz o relatório.
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Como evitar que as empresas façam "greenwashing"? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU