27 Setembro 2023
O diálogo se torna muito mais difícil quando sentimos que Deus está ao nosso seu lado.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 26-09-2023.
O discernimento de como o Espírito está guiando a Igreja está no centro dos planos do Papa Francisco para o Sínodo sobre a Sinodalidade, mas qualquer pessoa que pense que o discernimento é fácil está fadada a ter problemas. É muito fácil acreditarmos que nossos desejos e opiniões são inspirados pelo Espírito e que todos os outros estão errados. O diálogo se torna muito mais difícil quando sentimos que Deus está ao nosso lado. Francisco, como jesuíta e diretor espiritual, sabe disso. Ele insiste, portanto, que a oração, a conversa espiritual e especialmente a escuta são essenciais para o processo sinodal.
Devemos abordar o discernimento com humildade, reconhecendo que os nossos preconceitos podem facilmente manchar o processo de discernimento. Santo Inácio, o grande mestre do discernimento, observa como devemos abordar o discernimento com “indiferença”, uma prontidão para aceitar a vontade de Deus, seja ela qual for.
Minha própria vida está repleta de discernimentos que estavam errados. Aos 20 anos, eu estava convencido de que Deus estava me chamando para ir a El Salvador para a regência, o período de dois a três anos de ministério na formação jesuíta antes de estudar teologia. O meu provincial disse que não, o que pode ter-me salvado de ser morto com outros jesuítas na universidade da Companhia em San Salvador.
Mais tarde, fiquei convencido de que Deus queria que eu dirigisse o setor jesuíta de justiça social em Washington. A comissão responsável discordou, o que me disponibilizou para trabalhar na revista America. Então, em meados da década de 1980, fiquei convencido de que deveria ser editor dita revista. Mais uma vez, a comissão de pesquisa disse não, o que me liberou para escrever uma série de livros sobre política e organização da Igreja antes de me tornar editor.
Mesmo Santo Inácio não conseguiu acertar o tempo todo. Mais notavelmente, ele estava convencido de que Deus queria que ele fosse a Jerusalém para passar a vida suplicando e pregando o evangelho. Quando finalmente lá chegou, os franciscanos, encarregados da presença católica na Terra Santa, olharam para ele e disseram-lhe que voltasse para casa.
Graças a Deus os franciscanos tiveram mais bom senso que Inácio; caso contrário, não existiria hoje a Companhia de Jesus.
O discernimento mais documentado de Inácio foi sobre a prática da pobreza entre os jesuítas. Ele decidiu que deveria ser muito rigoroso, que as casas jesuítas deveriam depender da mendicância e que nossas escolas não deveriam cobrar mensalidades nem ter doações. Não é preciso dizer que isso se revelou irrealista no mundo real.
Os meus discernimentos e o desejo de Inácio de viver na Terra Santa foram contrariados pelas autoridades religiosas que nos disseram que estávamos enganados. Em cada caso, resultou algo melhor do que esperávamos inicialmente. Como Isaías nos disse na primeira leitura das Escrituras no domingo passado: “Porque os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos, diz o Senhor”.
A autoridade religiosa e a realidade prática podem por vezes mostrar-nos que, mesmo quando pensamos que conhecemos a vontade de Deus, podemos precisar refletir novamente. Não nego que a autoridade religiosa às vezes possa atrapalhar o Espírito, mas às vezes também pode nos salvar de nós mesmos.
A vida me ensinou que não sou bom em discernir, mas também me ensinou que muitas vezes as coisas ficam melhores quando não consigo o que quero. Aprendi a importância de consultar outras pessoas antes de tomar uma decisão. Ouvir os outros é uma forma importante de ouvir o Espírito.
Durante o Sínodo do próximo mês, todos precisaremos de paciência e humildade enquanto os delegados tentam discernir em que direção o Espírito nos chama a seguir. Será necessário haver oração, conversa espiritual e escutar para ouvir o Espírito.
O consenso, e muito menos a unanimidade, não será fácil. Existe sempre o perigo de que os mais opinativos e mais expressivos sobrepujem os menos expressivos, e é por isso que podem ser necessários votos para testar as opiniões de todo o corpo. Às vezes o Espírito manifesta-se na votação durante os sínodos, como acontece também nos concílios e conclaves ecumênicos.
Francisco está chamando a Igreja para um processo sinodal, um processo de discernimento comunitário. Isso não será fácil. As pessoas ouvirão o Espírito dizendo coisas diferentes. Erros serão cometidos. Mas devemos ter fé que o Espírito está operando na Igreja. Devemos ter esperança baseada nesta fé. E devemos ter amor por todos, mesmo por aqueles que ouvem o Espírito dizer algo diferente do que ouvimos.
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O discernimento está no centro do Sínodo, mas não é fácil – nem sempre é bem-sucedido. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU