27 Junho 2023
Na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, iniciativa de Emmanuel Macron, presidente criticou potências e pautou desigualdade.
A reportagem é publicada por Observatório do Clima, 23-06-2023.
“Sem mudar as instituições, a questão climática vira uma brincadeira. Quem é que vai cumprir as decisões emanadas dos fóruns que fazemos?”, questionou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) hoje (23), em Paris, em seu discurso na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global.
Em tom contundente, Lula defendeu a criação de uma governança global para a ação climática, questionou a atuação de instituições multilaterais e cobrou mais responsabilidade dos países desenvolvidos no combate às desigualdades, além de criticar as exigências ambientais apresentadas pela União Europeia para o acordo com o Mercosul — classificadas como “ameaça a um parceiro estratégico”.
O presidente falou por cerca de 20 minutos ao lado do anfitrião, o presidente francês Emannuel Macron, no evento que se propôs a “elaborar um sistema de financiamento mais justo e inclusivo para combater desigualdades e a crise climática”. “Vamos ser francos: quem cumpriu o Protocolo de Quioto? Quem cumpriu as decisões da COP15 em Copenhague? Quem cumpriu o Acordo de Paris? Não se cumpre porque não tem governança mundial com força para decidir as coisas e a gente cumprir”, declarou.
A defesa de uma nova governança global para o clima foi parte de uma crítica mais ampla. Segundo Lula, o sistema multilateral erguido no pós Segunda Guerra Mundial “não funciona mais” e é ultrapassado para as demandas do mundo contemporâneo. Citando diretamente instituições como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio e mesmo o Conselho de Segurança da ONU, o presidente afirmou que as organizações “deixam muito a desejar”. “Não podemos continuar com instituições funcionando da maneira equivocada”, afirmou, para logo após defender que a ONU precisa voltar a ter representatividade e força política internacional.
Reforçando discurso que tem feito em outras ocasiões, Lula sustentou que o enfrentamento às mudanças climáticas e à desigualdade precisam caminhar necessariamente juntos. “Não é possível que, numa reunião entre presidentes de países importantes, a palavra desigualdade não apareça. A desigualdade salarial, de raça, de gênero, na educação, na saúde… Estamos em um mundo cada vez mais desigual, com a riqueza concentrada na mão de menos gente”, pontuou, afirmando que as duas agendas precisam ter “a mesma prioridade”.
A fala de Lula joga luz em um tema que vem há tempos sendo sinalizado pelo IPCC (Painel do Clima da ONU), especialistas e organizações da sociedade civil: a dimensão social da emergência climática. Via de regra, os mais afetados são aqueles que menos contribuíram para o problema e as mudanças climáticas são um importante vetor de aprofundamento das desigualdades existentes. O presidente cobrou ações mais efetivas das potências mundiais, tanto em relação ao clima como no combate à pobreza e à desigualdade. “Precisamos parar de, internacionalmente, fazer proselitismo com recursos. Precisamos dar salto de qualidade e fazer investimentos em coisas estruturantes que mudem a vida nos países”, disse.
Na semana passada, não custa lembrar, a conferência do clima de Bonn quase implodiu e teve como um dos pontos de maior polêmica o debate sobre o financiamento climático. A promessa não cumprida dos países ricos de destinar US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 (agora, US$ 300 bilhões) para ação climática nos países mais pobres foi lembrada — e cobrada. Hoje, no evento em Paris, Macron anunciou que os países chegaram a um acordo e irão cumprir a promessa.
Lula criticou duramente as exigências apresentadas na chamada “carta adicional” (side letter, que agregou alguns pontos ao texto inicial) apresentada pela União Europeia para o fechamento de acordo comercial com o Mercosul. Segundo apurou o OC, a carta foi recebida como um acinte à soberania do país pela diplomacia brasileira, que já prepara uma contraproposta. A União Europeia, por seu turno, já esperava a reação e parece disposta a negociar até que se chegue a um meio termo.
O nó reside nas sanções previstas em caso de não cumprimento das exigências ambientais e climáticas feitas às cadeias produtivas das exportações. As sanções seriam uma forma de vincular os compromissos assumidos no acordo, que começou a ser preparando ainda no governo Bolsonaro.
Lula, no entanto, considera que a previsão de sanções é injusta (muitos países europeus não vêm cumprindo suas metas climáticas e tem, inclusive, reaberto usinas de carvão diante da crise de combustíveis) e desrespeita o princípio da confiança que deve reger relações entre os países. “Não é possível que tenhamos uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo uma ameaça a um parceiro estratégico”, criticou. O presidente afirmou que o país apresentará uma resposta para que se inicie a discussão para resolver o imbróglio.
O presidente convocou, ainda, os cerca de 40 líderes internacionais presentes para a COP30, a ser realizada em Belém em 2025, e destacou a realização da Cúpula Regional sobre a Amazônia, no próximo mês de agosto. O evento reunirá autoridades dos países amazônicos e pretende elaborar uma proposta conjunta para ser apresentada na próxima Conferência do Clima, em Dubai. “Queremos fazer um patrimônio não apenas de preservação ambiental, mas também um patrimônio econômico para ajudar os povos que moram na floresta”, disse, afirmando que em 2030 irá convidar o mundo a ir à Amazônia com desmatamento zero.
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Clima só será resolvido com mudança na governança, diz Lula em Paris - Instituto Humanitas Unisinos - IHU