23 Junho 2023
"A COP da Amazônia poderá vir a ser um ponto de virada da sociedade mundial ou reafirmar o enredo dessas convenções. A escuta das outras vozes, não por concessão a elas e sim pelo direito conquistado, é fundamental".
Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista do jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas)Dois encontros irão testar o vigor, a criatividade e as estratégias dos movimentos sociais da Amazônia e de diferentes regiões do mundo diante da colcha oficial onde se abrigam os diversos negócios em torno da questão mudanças climáticas.
Em agosto, Belém (PA), será a sede da 4ª Reunião de Presidentes dos Estados do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e, em 2025, da Conferência das Partes sobre as Mudanças Climáticas (COP30), já confirmada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Será a primeira vez que esse tipo de reunião ocorrerá na Amazônia, região recorrentemente tema da convenção, dos discursos e de tomada de posições globais sobre como enquadrar o universo amazônico.
As organizações dos movimentos sociais progressistas enfrentam dificuldades para ser parte ativa da conferência dependentes de recursos financeiros e da rede de apoio para enviar representantes. As vozes da Amazônia mais profunda são fatiadas, subrepresentadas ou mesmo negadas.
O acesso ao microfone do alto da tribuna é resultado de uma batalha intercontinental, de longa ramificação e da fricção entre os sócios-proprietários da COP, os convidados e os insurgentes. Nesse exercício, o microfone representa o poder da fala dos eleitos e da escuta da plateia para, editada de acordo com os interesses, circular velozmente pelos cantos escondidos do mundo numa espécie de prestação de contas e de posicionamento da disputa de poder.
Nas COPs, temos batido palmas, nos emocionado com algumas falas, acariciado a esperança produzida no momento como seiva alimentadora da mudança. Os números mostram retrocessos climáticos no mundo, revelam projetos megalomaníacos sufocados por enxurradas de dólares enquanto centenas de pessoas morrem na travessia oceânica, o trabalho análogo à escravidão permanece. As árvores caem e são levadas em muitos caminhões ou balsas em montanhas de toras. A terra tem cada vez mais donos e os sem-terra são caçados como criminosos.
No Uruguai, a crise hídrica obriga as famílias a beberem água salgada. A Europa é o continente com registro de maiores ondas de calor e degelo, informa a Organização Mundial de Meteorologia (OMM). Na Amazônia brasileira, o crime organizado ganha ativos e tornou-se rede poderosa por onde estão estabelecidos os códigos de conduta nas cidades. Os assassinatos explodem em Manaus e o Estado do Amazonas se apressa em alcançar o podium prolongado do desmatamento (já o é nesta metade de 2023).
As cúpulas mundiais tendem a sistematizar vozes numa voz maior. Na questão climática têm sido os países ricos, de elevado consumo e poluição, os atores das cenas centrais da governança sem resultados na construção efetiva de mudanças. Apontam os dedos sobre o que devem fazer as outras nações e se esbaldam na produção de guerras para ampliar o poderio. Até quando será mantido o espaço para prevalecer essa performance da desigualdade?
A COP da Amazônia poderá vir a ser um ponto de virada da sociedade mundial ou reafirmar o enredo dessas convenções. A escuta das outras vozes, não por concessão a elas e sim pelo direito conquistado, é fundamental. Escutar remete a uma ação/reação. Os insurgentes estão diante de uma guerra sofisticada, vestida de maneirismos bélicos para fazer valer a vontade de uns poucos países que se colocam e agem na manutenção dos seus interesses como os donos da Terra.
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Amplificar atitudes é o desafio da COP30 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU