06 Abril 2023
"Os amantes da ditadura, o rearranjo mundial da extrema-direta, do fascismo estão à vontade para agir e agem, sem trégua, dentro de organizações dos poderes instituídos. Minam os esforços para uma reparação das feridas profundas e sem respostas que poderiam garantir os esteios da obra da democracia como sendo, até o momento, a nossa melhor construção. Ditadura nunca mais exige conhecer e se posicionar como princípio. Exige que em cada cidade tenhamos as memórias daquilo que gerou terror, tortura e mortes e que hoje se mimetiza para voltar ao controle dos aparelhos do Estado", escreve Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista do jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
Há um movimento sendo engrossado no Brasil para repor a data do golpe militar-civil de 1964, em 1º de abril e não, como se tornou referência, com outros nomes, em 31 de março. O engrossar da fala é importante pela necessidade visceral da sociedade brasileira enfrentar os embasamentos produzidos em torno do longo e horroroso acontecimento ocorrido há 59 anos neste país.
Passa por esse enfrentamento o modelo a ser adotado pelo governo do Brasil para produzir, de fato, o direito à verdade e à memória sobre os 21 anos de ditadura. Escorrerem entre os dedos os relatos dessa parte da história numa aparente tentativa de ampliar o pacto, medíocre, por um esquecimento amplo e progressivo.
Quanto mais a sociedade nacional aceitar ser parte do pacto e de uma apodrecida ação conciliadora maior será a ameaça real do retorno ao experimento ditatorial neste século. Os arranjos ora postos em prática revelam um Brasil com aptidão, em parcela expressiva da sociedade e de setores dos poderes político, econômico, religioso e profissionais liberais, ao retrocesso e à perda da liberdade.
A ditadura precisa ser colocada na pauta do dia, nos livros de história e de suas áreas afins; ser tema de conversa com as crianças, os adolescentes, os jovens. Os atalhos feitos revelam o quão perigoso é a opção dada até hoje para o que ocorreu nos diferentes setores sociais durante os 21 anos de vigência do regime ditatorial.
Na Amazônia, os efeitos da ditadura ainda são traduzidos pela força de uma narrativa do progresso, da integração ao Brasil e de desenvolvimento. O enredo é outro e só poderá ser apresentado em versão mais completa e robusta se houver determinação no alicerce político-histórico-cultural de situar o evento ditadura como experiência que o país nunca mais quer experimentar, não aceita facilitar o ingresso da sociedade nacional em um regime de extrema-direita e não quer pactos para esquecer o que aconteceu. Lembrar é impedir a repetição. É igualmente fundamental instituir a justiça justa.
A escravização da população negra e dos povos indígenas, os programas genocidas instalados com etiquetas de integrar, civilizar e cidadanizar não são atitudes do passado como insistem afirmar alguns defensores da acomodação dos fatos. Estão postos hoje, são naturalizados por segmentos inclusive de pessoas em funções no serviço público que precisam ser processadas e condenadas por esses e outros atos criminosos.
Os amantes da ditadura, o rearranjo mundial da extrema-direta, do fascismo estão à vontade para agir e agem, sem trégua, dentro de organizações dos poderes instituídos. Minam os esforços para uma reparação das feridas profundas e sem respostas que poderiam garantir os esteios da obra da democracia como sendo, até o momento, a nossa melhor construção. Ditadura nunca mais exige conhecer e se posicionar como princípio. Exige que em cada cidade tenhamos as memórias daquilo que gerou terror, tortura e mortes e que hoje se mimetiza para voltar ao controle dos aparelhos do Estado.
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Amanhã será outro dia se a memória estiver viva. Artigo de Ivânia Vieira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU