28 Março 2023
"Hoje, nossa frágil democracia é ameaçada pelos terroristas que, fanatizados pelo bolsonarismo, querem impor a lei da força sobre a força da lei. E pelos militares e civis que ainda insistem em negar que houve golpe em 1964 e adotam os eufemismos 'revolução' e 'movimento'", escreve Frei Betto, escritor, autor de “Tom vermelho do verde” (Rocco), entre outros livros.
Na sexta, 31 de março de 2023, o golpe que implantou 21 anos de ditadura militar no Brasil completa 59 anos. Na verdade, ocorreu a 1º de abril. Mas como nesta data se celebra o Dia da Mentira, os militares recuaram a comemoração para 31 de março.
A onda bolsonarista suscitou mobilizações favoráveis à volta da ditadura. A maioria dos que se opõem à democracia não têm ideia do que é um regime ditatorial: a censura que escondia da opinião pública as atrocidades praticadas nos porões do sistema repressivo; os reais índices econômicos do país; a corrupção que imperava nos sucessivos governos militares; as obras de arte proibidas; os assassinatos dos que lutavam por democracia.
Fui preso duas vezes pela ditadura. A primeira, em junho de 1964, pelo “crime” de ser dirigente nacional da Juventude Estudantil Católica. Arrastado ao quartel da Marinha, no Rio, torturaram-me com socos e pontapés. Queriam que eu confessasse ser o Betinho (o mesmo que, mais tarde, liderou a luta contra a fome no Brasil ao criar a Ação da Cidadania), dirigente da Ação Popular, organização de esquerda de origem cristã. Ao se convencerem de que eu não era quem procuravam, queriam que eu denunciasse o paradeiro dele, ignorado por mim. Fiquei 15 dias detido, entre prisão da Ilha das Cobras e domiciliar. Não houve processo.
A segunda, que durou quatro anos, em 1969, por dar fuga a perseguidos políticos, atitude sacramentada pela Bíblia. Fiquei dois anos entre presos políticos e mais dois junto a presos comuns. O STF reduziu minha pena de quatro para dois anos no mês em que eu completava os quatro... Isso se chama: ditadura! Como restituir minha vida nos dois anos que fiquei privado de liberdade?
Como disse Churchill, “ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Dizem que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.
Correu muito sangue para resgatar a democracia brasileira após 21 de regime militar. Quem tem interesse em se informar, sugiro meus livros “Cartas da prisão” (Companhia das Letras), “Batismo de sangue” e “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (ambos da Rocco).
A TV Brasil, canal 2, exibirá, na quinta, 30/3, às 22h, o filme “Batismo de sangue”, dirigido por Helvécio Ratton. Acompanhe toda a programação de filmes da “Semana Ditadura e Democracia” na TV Brasil, de 27/3 a 31/3, sempre às 22h.
Hoje, nossa frágil democracia é ameaçada pelos terroristas que, fanatizados pelo bolsonarismo, querem impor a lei da força sobre a força da lei. E pelos militares e civis que ainda insistem em negar que houve golpe em 1964 e adotam os eufemismos “revolução” e “movimento”. E, sobretudo, acreditam em fantasmas, pois até na farda do Corpo de Bombeiros enxergam comunismo...
O governo Lula veio resgatar a democracia brasileira. Acima do partidarismo, somos todos chamados a aprimorá-la e evitar o retrocesso histórico que só beneficiará uma minoria privilegiada. E reinstalará o terror em nosso país.
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Golpe de 1964 completa 59 anos. Artigo de Frei Betto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU