25 Abril 2019
Depois de 100 dias de governo de extrema direita para onde vai o Brasil de Bolsonaro? Nós falamos sobre isso nesta entrevista com um famoso intelectual brasileiro: o teólogo e filósofo Leonardo Boff, que é considerado um dos padres fundadores da Teologia da Libertação na América Latina.
A entrevista é publicada por Confini, 24-04-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Leonardo Boff, os primeiros 100 dias do governo Bolsonaro já passaram. O grande jornalista brasileiro Ricardo Kotscho se perguntava se o Brasil está caminhando rumo a uma nova ditadura. Você concorda com Ricardo Kotscho?
Eu concordo com Kotscho, um dos melhores observadores da política brasileira. Vivemos em tempos de pós-democracia e de estado sem lei. O estado é militarizado: há oito ministros militares e mais de cem funcionários oriundos das Forças Armadas no segundo escalão do governo. Um militar aposentado foi colocado em todas as escolas como guarda. O projeto para impor um ultra-neoliberalismo faz com que o governo passe por cima da Constituição e não respeite nenhuma lei. Há censura nas escolas e eu mesmo fui censurado para uma conferência no Instituto do Câncer do Rio de Janeiro, para médicos e enfermeiros sobre a ética do cuidado e a importância da espiritualidade no acompanhamento de pacientes terminais. Mas houve pressão social e, consequentemente, a instância superior do Instituto em Brasília cancelou o evento. Somente este fato demonstra o nível de insegurança que reina na sociedade e a presença da censura em todos os âmbitos.
Que rumo o Brasil está tomando?
A estratégia do governo Bolsonaro, claramente de extrema-direita, é associar-se aos regimes autoritários já visitados, como os EUA, o Chile e Israel. É explícito o alinhamento do governo Bolsonaro com as políticas de Trump, fazendo-lhe muitas concessões sem ter recebido absolutamente nada em troca. A pior destas é permitir que os capitais norte-americanos explorem a Amazônia e as terras indígenas, onde há riquezas estratégicas para os interesses dos EUA. Dessa forma, o Brasil entra como um parceiro menor e agregado ao projeto de Trump anti-globalista, nacionalista e belicoso.
"O mito", como gosta de ser chamado Bolsonaro, ganhou com um programa de extrema direita com o objetivo de destruir as conquistas de Lula. Até que ponto esse programa é insano?
Bolsonaro utiliza uma linguagem que também foi usada por Hitler: destruir tudo para construir algo novo depois. De fato, está desmantelando todos os projetos sociais dos governos Lula-Dilma que tiraram 36 milhões de pessoas da fome e permitiram construir moradias dignas com os projetos "Minha Casa - Minha Vida" e "Luz para todos". Além disso, a criação de 17 novas universidades federais e dezenas de escolas técnicas com diversos projetos que permitiram a pobres e negros ingressar no ensino superior. Especialmente o resgate da dignidade dos pobres, a principal intenção de Lula, está sendo destruída porque milhões da pobreza voltaram à miséria. O Brasil, que havia saído o mapa da fome, retornou, segundo a FAO, ao mapa da fome.
No plano econômico, confiou no ultraliberalista Guedes. Guedes é um " Chicago boy" (são aqueles que apoiaram a política econômica de Pinochet). Como está se movendo Guedes?
Guedes é um porta-voz, não do liberalismo tradicional e convencional. Ele, seguindo a escola de Chicago, propõe um ultra-neoliberalismo, uma espécie de capitalismo selvagem ao estilo daquele de Manchester, criticado por Karl Marx. O capitalismo brasileiro nunca foi civilizado, sempre foi altamente acumulador de riquezas, também não permitiu a luta de classes, pois imediatamente as destroçava. Guedes vem de setores que pensam assim. Ele concentra todas as suas políticas no mercado e nas privatizações de bens públicos (petróleo, gás, terras, empresas nacionais), ameaçando privatizar toda a Petrobrás, os Correios, o Banco do Brasil. Propõe uma reforma da previdência (das aposentadorias) que prejudica os mais pobres, os trabalhadores, os trabalhadores rurais, os professores e os idosos, transferindo grandes fortunas para as classes mais abastadas. Por trás de Guedes está uma oligarquia brasileira que é considerada uma das mais egoístas, menos solidária e que mais enriquece no mundo.
Qual a relação de Bolsonaro com o lobby de armas?
Muitos analistas e psicanalistas veem Jair Bolsonaro tomado por uma paranoia: ele vê comunistas por todos os lados, considera o nazismo um movimento de esquerda e como símbolo durante a campanha eleitoral, e também como presidente, usa seus dedos na forma de uma arma. O primeiro decreto como chefe de Estado estabeleceu o direito de todo cidadão de possuir até quatro armas, como forma de reduzir a violência no Brasil. Isso é um absurdo, pois favorece a violência e, de fato, legitima-se, a partir de cima, uma cultura da violência por parte da polícia que mata muitos jovens negros nas favelas, suspeitos de tráfico de drogas, jovens entre 17 e 24 anos de idade. Somente em janeiro de 2019, foram mortos 119 desses garotos. A paranoia caracteriza-se por uma ideia fixa que não sai da cabeça mesmo quando nos deparamos com uma realidade que a contradiz. Bolsonaro visitou o museu do Holocausto em Jerusalém, que mostra como 6 milhões de judeus morreram por causa do nazismo. Ao sair, ele reafirmou, escandalizando as autoridades judaicas, que o nazismo é de esquerda. Mais tarde, ele sugeriu que deveríamos perdoar o extermínio nas câmaras de gás, embora não devamos esquecê-lo. Essa declaração escandalizou não apenas os judeus, mas o mundo inteiro.
Os direitos civis da comunidade LGBT estão em perigo agora no Brasil?
A instigação ao ódio, as difamações e o uso de milhares de fake news e mentiras contra o Partido dos Trabalhadores, e a declaração de perseguir os portadores de outras condições sexuais, os LGBT, fez com que a violência, já existente no país (só em 2018 houve 60 mil assassinados no Brasil), aumentasse e ganhasse legitimidade a partir do alto. É por isso que muitos homossexuais são mortos nas ruas ou perseguidos, gerando grande medo entre essa comunidade. Muitos povos indígenas e quilombolas viram suas terras invadidas e muitos morreram, sem que nenhuma investigação tenha acontecido, em uma situação de total impunidade.
Sabemos que Bolsonaro está colocando em risco populações indígenas da Amazônia. De fato, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) perdeu poder. Existe um grande risco para a Amazônia?
Bolsonaro não tem compreensão alguma sobre que seja o indígena e a cultura indígena. Ele acredita que eles devem ser brasileiros como qualquer outro, sem respeitar sua identidade, suas tradições e seus territórios. Não sabe que o território pertence à identidade indígena e que, portanto, deve ser respeitado. Ele acredita que eles têm muita terra. Não reconhece demarcações oficiais e está permitindo a penetração de empresas estrangeiras para a exploração de recursos minerais, de madeira nobres e outros minerais raros, importantes para as novas tecnologias. Bolsonaro é completamente ignorante a respeito das questões ecológicas. Por essa razão, é quase certo que sofrerá grande pressão mundial dos principais governos que sabem que à preservação da Amazônia e à sua biodiversidade estão ligados o futuro da vida e o equilíbrio climático do planeta Terra. Ele terá que recuar, apesar da pressão das grandes corporações globais que querem explorar a Amazônia dentro do paradigma do desmatamento e da extração das riquezas naturais em funções do enriquecimento privado.
E como a oposição a Bolsonaro se comporta?
Todos os políticos estão perplexos. As declarações de Bolsonaro de elogio a torturadores e sua exaltação do porte indiscriminado de armas eram considerados um exibicionismo e o excesso de um paranoico, que não deviam ser levadas a sério. Aconteceu que ele se candidatou e foi apoiado pela oligarquia nacional, pensando que teria conseguido facilmente manipulá-lo. Ele aproveitou-se da corrupção generalizada no país para culpar disso o PT, tornando-o o bode expiatório, apelando para a inauguração de uma nova política, conseguiu despertar o sentimento de culpa na alma brasileira e ganhar os votos que lhe garantiram a vitória. Foi um choque para todo o pensamento político brasileiro, já que nunca tivemos um governo de extrema-direita e totalmente sujeito à lógica dos interesses norte-americanos. Jair Bolsonaro, diante da crise nacional, reconheceu que não nasceu para ser presidente, mas para ser um militar. É importante dizer que nem mesmo como militar vale a pena, visto que foi expulso do exército por indisciplina e, só depois de uma duvidosa negociação com o Supremo Tribunal Militar, foi aposentado em vez para ser expulso. A previsão dos melhores analistas é que não permanecerá por muito tempo no poder, porque os militares e os próprios aliados e, acima de tudo, a opinião pública, o veem como um entrave para o desenvolvimento do país e, devido às suas declarações de extrema-direita, transformou-se em uma vergonha internacional. Ou haverá novas eleições ou os militares assumirão o poder, sem encontrar o caminho para nos tirar da pior crise política e econômica da nossa história.
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Brasil, rumo a uma nova ditadura? Entrevista com Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU