19 Março 2019
Jair Bolsonaro chegou aos Estados Unidos exultante. “Pela primeira vez em muito tempo, um presidente brasileiro que não é antiamericano chega a Washington. É o começo de uma aliança pela liberdade e prosperidade”, escreveu em sua conta do Twitter no domingo, assim que aterrissou no que parece seu novo paraíso na terra. Um jantar com Steve Bannon, guru da ultradireita e estrategista de Donald Trump, e uma polêmica visita ao quartel-general da Agência Central de Inteligência (CIA) foram os principais assuntos de suas primeira horas de visita oficial, que terá seu ponto alto na terça-feira na Casa Branca com seu admirado presidente norte-americano.
A reportagem é de Amanda Mars, publicada por El País, 18-03-2019.
Bolsonaro, quando ganhou, começou a ser chamado na imprensa estrangeira de “Trump dos trópicos”. Na sexta-feira, em uma entrevista na Globonews, John Bolton, chefe de Segurança Nacional, pareceu gostar da comparação com seu chefe e respondeu: “Acho que aqui chamaremos Trump de o Bolsonaro da América do Norte”. A vitória do presidente brasileiro, baseada em uma mensagem eleitoral nacional-populista, significou a abertura de uma nova era na relação entre os dois países após anos de esfriamento. E o passeio de Bolsonaro por Langley (Virgínia), famosa sede da CIA, significou nessa segunda-feira uma prova muito poderosa.
Chamada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do mandatário, de “uma das agências de inteligência mais respeitadas do mundo”, o encontro pretendia abordar “assuntos da região”. O compromisso não constava da agenda oficial de Bolsonaro. Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores com Lula, disse à agência Associated Press que nenhum presidente brasileiro jamais “havia visitado a CIA”, o que considerou uma “posição de submissão explícita sem comparação”. Os vazamentos de Edward Snowden revelaram em 2013 que os serviços de inteligência norte-americanos gravaram conversas da presidenta à época, Dilma Rousseff.
No domingo Bolsonaro jantou com um grupo que incluía Bannon e o escritor Olavo de Carvalho, radicado nos EUA. No vídeo divulgado por seu filho sobre o encontro, Bolsonaro disse aos convidados: “Eu sempre sonhei libertar o Brasil da nefasta ideologia de esquerda”. Na tarde de segunda-feira, em uma conferência na Câmara de Comércio dos EUA, repetiria o discurso e citaria as aproximações que via entre o Brasil e os EUA de Trump. “A grande transformação do Brasil vem pelas mãos de Deus", disse ele, atribuindo a um milagre o fato de estar vivo após o atentado a faca que sofreu em setembro. "E depois, o outro milagre, por ocasião das eleições, em que povo brasileiro, muito parecido com o povo americano, povo conservador, temente a Deus e portanto cristão, que não aceitava mais lá o crescimento da esquerda.”
O encontro com empresários e a comitiva ministerial brasileira foi uma ocasião para fazer campanha pelas reformas econômicas do país e encorajar investimentos. Para além da fanfarronice, a agenda econômica é um dos objetivos mais desejados da visita e coube ao ministro da Economia, Paulo Guedes, fazer a exposição mais longa, acenando com sua agenda liberal e uma ainda incerta aprovação no Congresso da reforma da Previdência. "Bolsonaro tem colhões para segurar o gasto público (no Brasil)", prometeu Guedes, que também cobrou que os EUA se abram à economia brasileira e apoiem a candidatura do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Após discurso, Bolsonaro faz transmissão ao vivo ao lado do filho e volta a prometer reforma da Previdência para os militares.
Mas se alguma coisa demonstrou o breve romance que o presidente dos EUA manteve com seu homólogo francês, Emmanuel Macron, em visita oficial a Washington no ano passado, é que a química pessoal que o ocupante da Casa Branca demonstra em relação a um líder não se traduz necessariamente em acordos. Naquela ocasião, os dois dirigentes estavam diametralmente opostos ideologicamente sobre globalização, cooperação internacional e Meio Ambiente. Nesse caso, Trump e Bolsonaro concordam totalmente em diversas questões, do discurso nacionalista ao negacionismo da mudança climática, além do estilo incendiário através das redes sociais. Mas os acordos não são fáceis.
Os dois presidentes coincidem —junto com mais de meia centena de países— no repúdio ao regime de Nicolás Maduro na Venezuela e no reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino, mas os norte-americanos colocam sobre a mesa a possibilidade de uma intervenção militar e os brasileiros preferem deixá-lo fora do palco. O porta-voz da presidência brasileira repetiu, mais uma vez em Washington, que a opção armada estava descartada. Foi logo após o aceno público de Bolsonaro, que elogiou a capacidade "bélica" dos EUA e disse que o povo venezuelano "tem que ser libertado". "Acreditamos e contamos, obviamente, com o apoio norte-americano para que esse objetivo seja alcançado", disse na Câmara de comércio.
Como sinalizado por Guedes, o Brasil também gostaria de assinar um pacto comercial vantajoso com Washington, o que não é fácil na era das guerras comerciais de Trump. Parece mais próximo um entendimento em matéria de investimento militar. Um acordo concreto foi assinado nesta segunda: o do uso da base militar de Alcântara, no Maranhão, por parte dos EUA, algo que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso brasileiro para começar a valer. Seja como for, e mesmo sem saber o que vai levar para casa nesta terça, o Planalto não deixou dúvidas dos sinais de boa vontade à Casa Branca. Antes do encontro presidencial, o Governo brasileiro decidiu, unilateralmente, dispensar de visto os cidadãos americanos que desejam vir ao país como turistas (os brasileiros seguem precisando de visto). A medida, publicada nesta segunda no Diário Oficial, também beneficia canadenses, australianos e japoneses.
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O ‘Trump dos trópicos’ passeia pela cidade do ‘Bolsonaro norte-americano’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU