31 Mai 2023
"As indicações contidas no Relatório de Desigualdade Climática 2023. A África é responsável por apenas 4% de emissões de CO2, mas está sofrendo enormes danos agrícolas e de saúde. A proposta de apoios taxando as multinacionais e os consumos dos países mais ricos", escreve o ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo, de Vecchiano (Pisa), na Itália, e um dos fundadores, junto com o Pe. Alex Zanotelli, da Rede Lilliput, em artigo publicado por Avvenire, 26-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
As mudanças climáticas estão manifestando seus efeitos sobre a humanidade, atingindo os alicerces da sobrevivência e da organização social. Mas responsabilidade e consequências não seguem uma tendência coerente. Pelo contrário, se movem em uma relação inversamente proporcional, no sentido de que quem menos poluiu sofre os maiores danos. É o que destaca o Climate Inequality Report 2023 recém-publicado pelo grupo de trabalho mundial Worlrd Inequality Lab. Sabe-se que as mudanças climáticas se devem ao acúmulo na atmosfera de dióxido de carbono que começou a aumentar de forma acelerada durante a revolução industrial até atingir os níveis estratosféricos dos nossos dias.
Estima-se que 2,453 bilhões de toneladas de dióxido de carbono tenham sido emitidas desde 1850, mas o aporte dos diferentes continentes é extremamente distinto. Aquele que mais poluiu foi a América do Norte, responsável por 27% de todas as emissões históricas. Seguem a Europa (22%), China (11%), Rússia e Sul da Ásia (9% cada), América Latina (6%). Aquele que menos poluiu foi a África, responsável por apenas 3,8% de todo o dióxido de carbono emitido nos últimos dois séculos.
Os dados das emissões atuais também nos dizem que a África é a menos culpada de todos. Em 2017, última elaboração disponível, no topo da lista encontramos a China com 23% das emissões, seguida pelos EUA (19%) e pela União Europeia (13%). A África vem em último lugar com 4%, como atesta o fato de que metade de sua população ainda carece de qualquer tipo de energia elétrica.
Mas quando passamos aos prejuízos, a África é o continente que mais está pagando. Em todos os níveis: agricultura, saúde, água, social. No nível agrícola, as alterações climáticas estão provocando um efeito paradoxal porque no extremo norte do globo verificamos um aumento da produtividade, como testemunham Canadá e Rússia. Nas zonas subtropicais, ao contrário, a agricultura resulta fortemente prejudicada, em algumas áreas devido ao excesso de chuvas, em outras devido à sua ausência.
Em 2022, o Paquistão foi atingido por uma grande enchente que causou quase 2 mil mortes e prejuízos de mais de 15 bilhões de dólares, dos quais cinco atribuíveis ao setor agrícola. Na África, ao contrário, na região do Sahel, o problema é a seca. Países como Mali, Sudão, Níger, Somália, registraram nos últimos anos quedas produtividade agrícola de até 40% devido à falta de água. A redução das colheitas agrícolas tem como efeito imediato a fome, pois na África, como em muitos outros países do hemisfério sul, uma percentagem importante de famílias ainda pratica a agricultura de subsistência, ou seja, vive diretamente do que produz. E quando não há mais o que comer ou beber, tudo o que resta é ir embora.
Em 2022 na Somália, devido à seca, mais de um milhão de pessoas se deslocaram na tentativa de sobreviver. É o drama dos deslocamentos por causas naturais que está destinado a se agravar cada vez mais.
O Banco Mundial calcula que entre agora e 2050, mais de 200 milhões de pessoas poderiam se encontrar forçadas a migrar para cidades ou países vizinhos para escapar dos desastres causados pelas mudanças climáticas.
Além da fome, sede ou afogamento, as mudanças climáticas também podem matar por excesso de calor, porque as ondas de calor agravam a condição de quem já está fragilizado por outros motivos.
Deste ponto de vista, os países ricos também estão particularmente expostos porque têm um grande percentual de idosos. Mas a idade não é o único elemento de fragilidade que pode transformar excesso de calor em perigo mortal. Mesmo os jovens podem correr risco de morte se o seu estado nutricional for deficiente e se sofrem de doenças recorrentes. Por isso, apesar de ser o continente com maior proporção de jovens, a África está incluída entre as áreas do mundo com maior risco de mortalidade por causa das ondas de calor.
Afinal, vários estudos estão demonstrando que as mudanças climáticas também afetam os ciclos biológicos dos insetos, incluindo aqueles que transmitem doenças. Por exemplo, prevê-se uma maior incidência da dengue, uma doença viral transmitida pelo mosquito aedes, e da malária, parasitose transmitida pelo mosquito anopheles, em áreas tropicais e subtropicais onde essas doenças já estão presentes.
As mudanças climáticas impõem um duplo desafio a todos os países do mundo: uma mudança de orientação energética para quebrar o vínculo com os combustíveis fósseis e a adoção de medidas úteis para se protegerem dos danos causados pelas alterações climáticas em curso. Mas tudo isso requer um grande esforço financeiro e os países que mais precisam se defender são os menos capazes fazê-lo por causa de sua própria pobreza.
Querendo analisar apenas a África, o conjunto dos 53 países que a compõem declararam uma necessidade de 2.800 bilhões de dólares para a década 2020-2030, a serem usados em 70% para a transição e fortalecimento energético e 30% para resistir melhor às mudanças climáticas. Mas os governos africanos admitiram que podem cobrir apenas 10% da necessidade, ou seja, 264 bilhões de dólares. Todos os demais terão que vir de outros sujeitos. E é aqui que entra em jogo a solidariedade internacional, mas ela está cheia de falhas por todos os lados.
Apesar do empenho dos países ricos de destinar 100 bilhões de dólares aos mais pobres por ano especificamente para gastos relacionados às mudanças climáticas, em 2020 o valor arrecadado parou em 83 bilhões de dólares. Todos os tipos de dificuldades são alegados pelos países ricos para justificar suas inadimplências, mas o relatório do World Inequality Lab indica maneiras de aumentar o fundo de apoio às despesas climáticas. Especificamente três.
A primeira proposta diz respeito à introdução de um imposto sobre as viagens aéreas e marítimas. Foi calculado que se a proposta fosse adotada por todos os 195 países signatários do Acordo de Paris, poderia gerar uma receita variável entre 132 e 392 bilhões de dólares por ano.
A segunda proposta diz respeito à tributação das multinacionais. Um recente acordo promovido pela OCDE prevê modalidades para impedir que as multinacionais soneguem impostos, aproveitando-se do fato de que atuam em nível mundial. O objetivo perseguido é obrigar as multinacionais a pagar pelo menos 15% sobre todos os lucros alcançados globalmente por meio de uma série de medidas fiscais que deveriam ser aplicadas principalmente em países onde as multinacionais operam por meio de suas filiais. Mas caso esse nível de tributação não fosse ativado ou por alguma outra razão se mostrasse insuficiente, o sistema tenta recuperar as perdas por meio de um mecanismo que permite que os países onde residem as matrizes das empresas também tributem os lucros obtidos no exterior. O que é bom, mas é menos bom que o dinheiro seja embolsado pelos estados que têm a sorte de hospedar as matrizes das empresas, geralmente os mais ricos. No entanto, a injustiça poderia ser remediada se esse dinheiro fosse devolvido a fundos criados para prover assistência aos países do Sul do mundo, em primeiro lugar contra as mudanças climáticas.
A terceira proposta é o convite a tributar seriamente os rendimentos e os patrimônios dos mais ricos. O que permitiria não só arrecadar fundos para a luta contra as mudanças climáticas, mas para reduzir diretamente as emissões de dióxido de carbono, uma vez que 50% de todo o dióxido de carbono emitido anualmente em nível mundial se deve aos consumos do 10% mais rico da população mundial. Uma classe que ultrapassa fronteiras, considerando que bilionários se encontram não apenas na América do Norte, Europa e Japão, mas também na China, Índia e América Latina. Portanto a responsabilidade de uma tributação justa recai sobre todos os países do mundo, mas principalmente sobre aqueles com renda per capita alta.
Os 53 países africanos declararam uma necessidade de 2,8 trilhões de dólares para enfrentar as mudanças climáticas, mas conseguem cobrir apenas 10%. A ideia é de impostos sobre o transporte aéreo e marítimos e sobre as grandes fortunas. Segundo o Banco Mundial até 2050 mais de 200 milhões pessoas poderiam se ver forçadas a migrar para cidades ou países vizinhos para escapar dos desastres. Ondas de calor matam idosos, mas também jovens desnutridos.
É preciso uma virada energética.
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Os pobres são as vítimas do clima. Novas regras fiscais para os ajudar. Artigo de Francesco Gesualdi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU