29 Julho 2022
"As guerras, como as alterações climáticas, devem ser prevenidas apelando a toda a inteligência e os valores morais de que somos capazes", escreve o ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo, de Vecchiano (Pisa), na Itália, e um dos fundadores, junto com o Pe. Alex Zanotelli, da Rede Lilliput, em artigo publicado por Avvenire, 28-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Hoje é o Dia da Sobrecarga da Terra, vamos relembrar.
A Global Footprint Network nos informa que este ano o Overshoot Day foi antecipado em um dia em relação a 2021, passando de 29 para 28 de julho. Ou seja, hoje. Uma notícia negativa não só porque anuncia um agravamento da saúde do planeta em relação a 2021, mas sobretudo porque atesta que o nosso comportamento não mudou ou está até piorando.
O Dia da Sobrecarga, vale a pena lembrar, indica o dia em que nosso "consumo da natureza" atinge todas as potencialidades biológicas e reprodutivas de que as terras férteis do planeta são capazes para o ano em curso. Nos tempos em que o Dia de Sobrecarga caia por volta de 31 de dezembro, havia uma situação de substancial equilíbrio. Mas hoje um planeta não é mais suficiente para nós. Precisaríamos de um e meio.
As terras férteis do nosso planeta somam 12 bilhões de hectares, mas os consumos totais exigem 22 bilhões por ano, 83% a mais. Uma situação de desequilíbrio que se manifesta ao mesmo tempo na forma de escassez e acumulação. Escassez de recursos agrícolas e florestais. Acúmulo de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa. Antes da revolução industrial, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera era de 280 partes por milhão. Hoje é de 420 partes por milhão, a maior concentração dos últimos seis mil anos, com consequências catastróficas.
Desde que a neve não cobre mais nossas montanhas e as chuvas pararam de cair com regularidade, aprendemos que o clima tem efeitos devastadores até mesmo para os recursos que nos pareciam inesgotáveis. A começar pela água que também responde a mecanismos e tempos de renovação bastante específicos. Leis que se não forem respeitadas nos atingem com enchentes e secas.
O caminho para reencontrar o equilíbrio com o planeta se alicerça em três pilares, resumidos na sigla REC: renovação, eficiência, contenção. A renovação diz respeito especificamente ao setor energético, sem esquecer aquele agrícola. Em âmbito energético, o desafio é a transição dos combustíveis fósseis às energias renováveis sem nos esquecermos que 60% da pegada ecológica, ou seja, de nossa demanda por terras férteis, é para nos livrar do dióxido de carbono.
De acordo com os últimos dados fornecidos pela Agência Internacional de Energia, 80% da energia primária utilizada pela humanidade continua a ser proveniente dos combustíveis fósseis. Carvão, petróleo, gás - como a guerra russo-ucraniana deixou claro para todos - ainda estão na base da produção de energia elétrica, da produção industrial, dos deslocamentos por trem, carro, avião.
E as emissões de dióxido de carbono continuam a aumentar. De fato, em 2020 tínhamos visto um decréscimo de 4,6% e ficamos com a ilusão de ter finalmente invertido o sentido da marcha. Mas em 2021, vimos um retorno de 6,4% e nosso otimismo desapareceu. Nem mesmo os países de economia avançada estão melhores. Na Itália, por exemplo, os recursos energéticos primários continuam a ser representados em 74% por combustíveis fósseis. Energia hídrica, eólica, solar e outras formas de fontes renováveis estancam em cerca de 20%.
O desafio para a humanidade é libertar-se dos combustíveis fósseis, mas para isso devemos implementar uma dupla revolução. A primeira: obter energia elétrica apenas de fontes renováveis. A segunda: substituir todos os meios de transporte e aquecimento, garantindo-nos os mesmos serviços utilizando energia elétrica obtida de fontes renováveis. Inovações que necessariamente terão que envolver também a agricultura que, no entanto, deve ser capaz de implementar também outras transformações.
Hoje, devido ao uso exagerado de petróleo e venenos, a agricultura está causando um massacre na biodiversidade e contribui, incluindo a criação animal, para 31% de todos os gases de efeito estufa. Um verdadeiro jogo ao massacre.
A agricultura deve redescobrir práticas agrícolas talvez menos produtivas, mas capazes de futuro.
O que nos leva à questão da eficiência que visa preservar os recursos por meio da reciclagem e outras formas de redução de gastos. Um exemplo é a economia circular que está se desenvolvendo lentamente difundindo no campo de produção. Mas o eficientismo também deve se tornar uma prática habitual no setor de habitação e alimentação. Juntando aquecimento e eletricidade, os edifícios contribuem para cerca de 30% das emissões de gases de efeito estufa. Uma cota que poderia ser consideravelmente reduzida se adotássemos critérios de construção mais ecológicos. Para isso as intervenções de melhoria energética no patrimônio habitacional representam uma pedra angular da estratégia de redução da nossa pegada ecológica.
Igualmente importantes são as mudanças em nossos hábitos alimentares, lembrando-nos que o consumo de carne - o Papa Francisco acabou de apontar - é altamente dissipativo. Dependendo do tipo de animal, são necessárias de 25 a 7 calorias vegetais para produzir uma caloria animal. Por isso a carne deve ser limitada às necessidades de ordem proteica. Comer carne para obter calorias é como queimar peças de antiquário para se aquecer. Por razões de eficiência, as calorias devem ser procuradas nos produtos que a terra nos oferece diretamente. Não apenas cereais, tubérculos, frutos secos, mas também leguminosas que, por serem ricas em proteínas, podem substituir a carne. Com grande vantagem para clima e solos agrícolas, considerando que as fazendas de criação animal absorvem 40% das terras cultivadas e contribuem, sozinhas, para 14% de todas as emissões de gases de efeito estufa.
Chegando finalmente à contenção, deve-se admitir que se trata de um conceito não muito na moda em nossa parte do mundo. Mas sabemos que é inútil produzir com mais eficiência se multiplicarmos os consumos. Se produzirmos carros mais leves, mas colocarmos mais carros em circulação, no final a quantidade total de matéria usada terá crescido, não diminuído. A conclusão é que se queremos fazer as pazes com o planeta devemos aprender a adotar práticas de consumo que, sem nos fazer faltar nada, permitam reduzir a retirada de recursos e a geração de resíduos. Para isso, devemos aprender a distinguir, como indivíduos e como comunidade, o útil do supérfluo.
E é justamente coletivamente que devemos nos empenhar contra o mais odioso dos consumos. Aquele das armas cujo volume de negócios mal conhecemos, estimado, para 2021, em 2.113 bilhões de dólares. A despeito da democracia, em cujo nome também fazemos guerras, a produção de armas é protegida por uma cortina de segredo que nem mesmo os Parlamentos conseguem arranhar. Assim nos escapa quanto trabalho, quantos minerais, quanta água, quanta energia desperdiçamos para produzir esses instrumentos de morte. Tampouco sabemos quanto resíduos produzem durante seu ciclo de produção. Em relação aos gases de efeito estufa, no entanto, alguns estudiosos calcularam que o aparato militar mundial é responsável por pelo menos 6% de todo o dióxido de carbono emitido em nível global.
Uma verdadeira loucura que se transforma em tragédia quando as guerras realmente irrompem. Mas então não há muito mais a fazer. As guerras, como as alterações climáticas, devem ser prevenidas apelando a toda a inteligência e os valores morais de que somos capazes.
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Deixemos leve a “pegada”. Artigo de Francesco Gesualdi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU