22 Mai 2023
“Nesse mundo do excesso de informações, não existem ideias, assim como não existem no tremendo fluxo de dados da internet, porque as ideias sempre foram perigosas. São elas que podem dar sentido à realidade e às vidas, são bússolas para desnudar as opressões”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 19-05-2023. A tradução é do Cepat.
Em uma entrevista recente, o filósofo alemão nascido na Coreia do Sul, Byung-Chul Han, observou: “Estamos muito bem informados, mas de alguma forma não podemos nos orientar”. Seus argumentos sobre as consequências sociais do excesso de informações que sofremos já haviam sido apontados em seu livro Infocracia, publicado um ano atrás.
Han atribui boa parte dos problemas que sofremos como sociedade à informatização. Diz que o ego narcisista voltado para dentro “é a causa da desintegração social”, já que tudo o que une e conecta está desaparecendo, neutralizando a possibilidade de nos considerarmos uma única sociedade. A conclusão é que não há mais narrativas comuns que unam as pessoas.
Diferencia verdade de informação, afirmando que a segunda é centrífuga e destrói a coesão social, ao passo que a narrativa verdadeira a mantém unida. “A verdade ilumina o mundo, ao passo que a informação vive da atração da surpresa”, sentencia, porque gera uma sucessão de “momentos fugazes” que têm o poder de obscurecer a realidade e deformar, em vez de informar.
O filósofo segue apresentando argumentos, como o fato de que, agora, a informação não habilita a criação de uma esfera pública. “Recordo, não faz muito tempo, que em situações críticas, as pessoas se juntavam em torno das bancas de jornais, comentavam e compartilhavam as notícias no espaço público. Contudo, agora, não temos mais narrativas comuns que orientem e deem sentido à nossa existência. Também não há rituais e só nos resta o consumo e a satisfação das necessidades”, dispara Han.
Acredita que, no futuro, “as pessoas receberão uma renda básica universal e terão acesso ilimitado a videogames”, forma adquirida agora, em todo o mundo, pela política estatal, na nova versão do “pão e circo”.
Pode-se dizer que isso não é novo, mas o resultado de meio século de crescente posicionamento das tecnologias da informação no centro de nossas vidas. O físico austríaco Fritjof Capra complementa o filósofo alemão, conforme explica nesta frase: “A informação é apresentada como a base do pensamento, enquanto que, na realidade, a mente humana pensa com ideias, não com informações” (A teia da vida).
Recupera muitos conceitos expressos pelo romancista estadunidense Theodore Roszak, em O culto da informação: tratado sobre alta tecnologia, inteligência artificial e a verdadeira arte de pensar, publicado em 1986, ou seja, há quase quatro décadas. Uma conclusão importante: “As ideias são padrões integradores que não derivam da informação, mas da experiência”.
Por isso, todo o empenho do sistema com nossos jovens consiste em obstruir suas experiências de vida e submetê-los a um bombardeio constante de informações que não contribuem para nada, mas criam uma gigantesca nuvem de confusão. O consumismo, essa mutação antropológica que Pasolini mencionava há meio século, é sua principal janela para o mundo, exceto, é claro, a tela de seus aparelhos informáticos.
Nesse mundo do excesso de informações, não existem ideias, assim como não existem no tremendo fluxo de dados da Internet, porque as ideias sempre foram perigosas. São elas que podem dar sentido à realidade e às vidas, são bússolas para desnudar as opressões. Sem ideias e sem experiência vital, a humanidade naufraga rumo ao abismo, justamente no momento mais crítico que se tem memória, ao menos desde a Peste Negra (1347-1353), origem remota do capitalismo [1].
Agoniar-nos com informações e bloquear as ideias é lucro para o sistema, por isso proponho pensar o uso que os de cima fazem da Internet como uma grande política contrainsurgente. Em contrapartida, os progressismos usam e abusam da comunicação para oferecer uma narrativa de suas supostas virtudes, nunca para dialogar em pé de igualdade com as pessoas comuns. Reproduzem a relação sistêmica sujeito-objeto que dizem combater, colocando seus próprios eleitores na condição de receptores passivos de seus discursos.
Para proteger a integridade de suas comunidades, os Guarani Mbya de muitas aldeias regulam os horários de conexão à internet, para que seus filhos e filhas não fiquem indefesos diante da avalanche de dados que não podem ordenar, nem hierarquizar. Desse modo, recusam-se a se expor ao poder desorganizador das redes sociais. Não são poucos os povos originários que fazem isso, simplesmente, para se defenderem.
O longo silêncio do Exército Zapatista de Libertação Nacional, mais de um ano sem emitir comunicados, pode ser entendido como uma recusa a entrar no circo midiático que já poucos prestam atenção, e entendem menos ainda. É o silêncio da raiva e da dignidade. A Quinta declaração da Selva Lacandona (1998) explica o silêncio como uma arma de luta, e que “com a razão, a verdade e a história, pode-se lutar e vencer... silenciando”.
[1] Ole J. Benedictow, La peste negra, 1346-1353. La historia se completa, Akal, 2011.
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A mente pensa com ideias, não com informações. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU