24 Abril 2023
Francisco catapulta seu mestre de cerimônias litúrgicas ao episcopado.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 22-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Decepcionante. Talvez essa seja a melhor maneira para descrever isto.
A Sala de Imprensa da Santa Sé anunciou na sexta-feira passada, 21, que o Papa Francisco decidiu nomear bispo o padre que é seu mestre das celebrações litúrgicas. Na verdade, ele concedeu ao Mons. Diego Ravelli o título pessoal de “arcebispo” e nomeou o italiano de 57 anos como o primeiro chefe da recém-criada diocese titular de Recanati.
Por que isso é decepcionante? Bem, por um lado, tornar uma autoridade do Vaticano – ou qualquer pessoa que não seja o ordinário de uma diocese – bispo é teológica e sacramentalmente problemático. Chegaremos a isso em um momento.
Mas, primeiro, consideremos o seguinte: não há absolutamente nenhum requerimento para que um mestre de cerimônias na Igreja Católica seja diácono ou padre, muito menos bispo. As ordens sagradas não são necessárias. Pessoas leigas competentes – incluindo mulheres – podem assumir essa posição. E, em cada vez mais lugares ao redor do mundo, elas o fazem. É claro, há alguns na casta clerical que acreditam que as mulheres devem ser mantidas longe do presbitério e do altar.
Mas a maioria das pessoas provavelmente não achava que o nosso papa jesuíta era um deles. Mesmo que ele nunca tenha introduzido acólitas mulheres nas liturgias papais no Vaticano, ele abriu os ministérios permanentes do acolitado e do leitorado para elas.
O mestre de cerimônias é como o acólito-chefe ou o principal acólito, embora com responsabilidades muito específicas: ele é “responsável pelo bom ordenamento das ações sagradas, ao qual pertence velar para que sejam executadas pelos ministros sagrados e fiéis leigos com dignidade, ordem e piedade” (Instrução Geral do Missal Romano, n. 106).
O Cerimonial dos Bispos (nn. 34-36) lista o seguinte como parte dos deveres do mestre de cerimônias:
“Deve, em tempo oportuno, combinar com os cantores, assistentes, ministros celebrantes tudo o que cada um tem a fazer e a dizer. Porém, dentro da própria celebração, deve agir com suma discrição, não fale sem necessidade; não ocupe o lugar dos diáconos ou dos assistentes, pondo-se ao lado do celebrante; tudo, numa palavra, execute com piedade, paciência e diligência”.
Edward McNamara, padre legionário de Cristo e liturgista, decano de Teologia no Pontifício Ateneu Regina Apostolorum, em Roma, apontou em um artigo há vários anos que o mestre de cerimônias não é o “encarregado” da liturgia. No máximo, é o presbítero (ou bispo) que preside (ou seja, lidera) a celebração.
McNamara também abordou a questão das mulheres mestres de cerimônias, observando que o escritório do Vaticano responsável pela interpretação dos textos legislativos disse em 1994 que não havia nada no Direito Canônico que proibisse o uso de acólitas mulheres na missa.
“Os critérios usados logicamente parecem abranger o caso de uma mestre de cerimônias mulher”, disse ele. “Portanto, eu diria que, na falta de instruções específicas em contrário da Santa Sé, uma mestre de cerimônias feminina é possível do ponto de vista da lei litúrgica.”
Se você está esperando que o Papa Francisco contrate uma, não alimenta a expectativa. Provavelmente, é uma ponte longa demais em um Vaticano (e na Igreja mais ampla) onde há clericalistas, tanto leigos quanto ordenados, que não gostam muito de nada do que ele está fazendo.
De fato, o papa de 86 anos é, em geral, considerado um anticlericalista. E por que não? Ele é conhecido por criticar o carreirismo, o elitismo e as honrarias clericais. É por isso que ele tentou restringir a concessão de títulos eclesiásticos honorários, como o de “monsenhor”, aos padres.
Porém, “bispo” não é um título. É uma das três ordens de um sacramento, as Ordens Sagradas, que incluem o diaconato, o presbiterato e o episcopado. “Arcebispo” é um título honorário ou pessoal que nada acrescenta sacramental ou teologicamente a uma pessoa que foi ordenada ao episcopado. De fato, em muitos lugares – como a França – clérigos e leigos católicos normalmente se referem apenas a bispos e dioceses, mesmo quando, tecnicamente, estão falando de arcebispos e arquidioceses.
O bispo é um episcopoi, o que significa um “supervisor” de uma comunidade de fiéis (Igreja local ou diocese). Portanto, é teologicamente problemático ordenar homens ao episcopado a fim de honrá-los por algo que fizeram ou para dar-lhes peso (autoridade hierárquica e poder sacramental) para desempenhar uma função que não seja supervisionar uma Igreja local.
Quase todas as autoridades do Vaticano são nomeadas bispos e arcebispos por esses dois motivos. Assim como os núncios papais. E todos eles são nomeados chefes de “sedes titulares” (isto é, dioceses suprimidas ou fictícias). Há uma boa razão para isso: um bispo sem diocese não faz nenhum sentido teológico ou eclesiológico.
Então, por que o Papa Francisco decidiu catapultar seu mestre de cerimônias litúrgicas para as fileiras da hierarquia? Para ser claro, isso não é de forma alguma uma crítica ao arcebispo eleito Ravelli. Ele tem parecido exercer suas funções com grande competência desde sua nomeação em 11 de outubro de 2021.
E ele não é o primeiro mestre de cerimônias papal a se tornar bispo e continuar no cargo. João Paulo II tornou seu próprio mestre de cerimônias, Piero Marini, arcebispo em 1998. João Paulo II ordenou Marini e Stanislaw Dziwisz, seu secretário pessoal desde seus dias na Polônia, na mesma cerimônia. Foi uma medida que causou surpresa e provocou críticas.
O papa polonês, dizia-se na época, investiu Dziwisz com “a plenitude do sacerdócio” a fim de lhe dar peso em seus deveres como secretário papal. Ainda não está claro por que ele também tornou Marini bispo, exceto que talvez tenha sido uma forma de se desviar das acusações de nepotismo.
Francisco acredita que Ravelli precisa de peso episcopal para poder realizar seu trabalho com mais eficiência? Há muito tempo existe uma ordem de importância bem definida no Vaticano que é estritamente hierárquica e clerical – os leigos não têm nenhuma autoridade sobre os clérigos, nem os padres sobre os bispos, nem os bispos sobre os arcebispos, nem os arcebispos sobre os cardeais...
Bem, era assim que costumava ser. O atual papa mudou isso em 2021 com a Praedicate Evangelium, não é? Nessa constituição apostólica sobre a Cúria Romana reformada, ele indicou que não é necessário ser bispo para chefiar um cargo vaticano – até mesmo os leigos podem fazer isso, porque realizam sua missão em virtude da nomeação papal, e não do poder sacramental. Deveria valer o mesmo para o mestre das liturgias papais.
É difícil entender por que Francisco o está nomeando arcebispo. É apenas mais um daqueles casos em que ele toma decisões e faz nomeações para confundir aqueles que estão tentando obstruir suas reformas e desestabilizá-las no Vaticano?
De todos os modos, essa última medida é problemática e parece estar em desacordo com um papa que se identifica com a luta contra o clericalismo e que continua enfatizando que o batismo – e não a ordenação – é o sacramento mais importante. Dependendo do modo como Francisco agirá nos próximos meses, ele poderá acabar decepcionando profundamente aqueles que mais acreditavam que ele faria uma diferença real.
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Francisco, o papa anticlericalista, torna seu “coroinha” arcebispo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU