14 Março 2023
Ir ao mundo com a mensagem de Francisco, de múltiplas perspectivas, políticas, sociais, económicas, teológicas e até religiosas. O Conselho Episcopal Latino-americano (Celam) e a Pontifícia Comissão para a América Latina (CAL) organizaram o Seminário Fratelli tutti de 13 a 15 de março, coincidindo com o 10º aniversário do atual pontificado, que tem lugar na sede do Celam em Bogotá.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O objetivo é avançar para uma mesa de diálogo social para a paz, prevista para novembro de 2023, cujo possível conceito é Cuidar da Casa Comum como alternativa aos desafios apresentados pela crise ecológica socioambiental na América Latina e no Caribe. Para o fazer a partir de diferentes matizes, partindo de algo que o Papa Francisco conhece, que quer ser um momento de discernimento para, desde a última encíclica de Francisco, encontrar os temas centrais que podem favorecer um diálogo social que conduza a uma paz baseada na justiça.
Seminário Fratelli tutti | Foto: Luis Miguel Modino
O Seminário, coordenado por Sergio Torres, Anibal Torres e Emilce Cuda, tem a participação de cerca de trinta pensadores e pensadoras de diferentes campos e países, que durante três dias, tendo como ponto de partida a Fratelli tutti, desenvolvem um debate dinâmico em busca de novas perspectivas, que começa com uma apresentação inicial a partir de diferentes pontos de vista, algo que é iluminado a partir das Redes Eclesiais presentes no continente: REPAM, REMAM, REGCHAG e CEAMA.
Uma reflexão sobre as sombras que aparecem no primeiro capítulo da Fratelli tutti, partindo da análise da crise a partir de diferentes perspectivas. Em relação à crise sociopolítica, hoje em dia na América Latina não é marcada por projetos políticos, algo que nos anos 60 e 70 terminou em fórmulas autoritárias, nas palavras de Manuel Antonio Garretón. Há uma desintegração da comunidade política, que rachou, se desintegrou, levando a uma ausência de projetos e horizontes. Algo que responde a razões estruturais, o que nos leva a refletir sobre diferentes temas, como a sociedade digital globalizada, a igualdade, as sociedades desintegradas, entre outros.
Um continente que vive uma incerteza sobre a sua capacidade de crescimento sustentável, que se complica ainda mais pela desigualdade social e pelo descrédito das instituições, Guillermo Castro salientou em relação à crise ambiental. Este é um momento histórico que ele comparou com a passagem da Idade Média para a Idade Moderna. De fato, apelou à compreensão do ambiente na sua relação com o natural e o social, assinalando que a atual crise da natureza levou a um ponto de exaustão que poderia levar a uma possível anomia e barbárie. Perante isto, apelou à geração de processos de convergência que pudessem dar origem a consensos que levassem a propostas que se tornassem políticas, referindo-se às pistas que Francisco dá na Evangelii Gaudium a este respeito.
Uma crise econômica que Humberto Ortiz abordou em 4 níveis: global, macro, mesoeconômico e micro. Começando com uma análise do atual modelo neoliberal que favorece a economia de mercado e a privatização, com graves consequências que conduzem a uma economia injusta que gera um maior empobrecimento, mas também experiências relevantes de solidariedade. Isto conduz à injustiça fiscal, na medida em que os pobres acabam por financiar o orçamento público. Do mesmo modo, a nível mesoeconômico, salientou a falta de relevância dos governos, a corrupção, e tendo em conta a falta de apoio às economias populares, salientou a importância da economia informal e popular, uma vez que os pobres têm o direito de fazer uma economia.
Em relação à crise social, Rita Segato apontou o fim da razão humanitária, que produziu um mundo sob controlo, denunciando o fato de que existem mestres da vida e da morte. Uma crise que é decisivamente influenciada pelo patriarcado, o primeiro, inicial, arcaico, sistema político, que hoje se concretiza sob a forma de dominação. Juntamente com isto, a implementação de uma política de acumulação de forças, com alianças a qualquer preço, com uma política menos ideológica. E um elemento extremamente grave: a riqueza não declarada tem a mesma dimensão que a riqueza declarada. Há também a emergência de movimentos de identidade que promovem o antagonismo, e finalmente a incapacidade da Igreja e da política de ver a centralidade da mulher.
Em relação à crise de segurança, que Roberto Román relacionou com a segurança alimentar e cibernética, defendeu a necessidade de os Estados defenderem a casa comum, algo que deve ser assumido pelas forças armadas, cujo papel deve ser repensado, em termos de cuidado e defesa do território comum.
A partir destas análises, foram relatadas questões que não podem ser esquecidas, de redes eclesiásticas e de representantes de outras religiões. O sistema bancário e as suas injustiças para com os pobres, os preços dos combustíveis, o tráfico de droga e a sua intrusão nos partidos políticos, a utilização da agricultura para produzir aquilo em que o mercado está interessado, apesar da fome sofrida pela população local em muitos países, decisões de organizações internacionais que permanecem no papel, migração extrema, como relatou o Cardeal Ramazzini da REMAM.
Monoculturas e a sua relação com a deflorestação e a falta de água, mesmo para beber, como acontece na região do Aquífero Guarani e Gran Chacho, como disse Miguel Cruz da REGCHAG. Isto exige uma reflexão sobre o abandono dos conhecimentos ancestrais, as consequências das alterações climáticas, a migração e as suas causas, e a necessidade de ouvir horizontalmente a fim de gerar consenso. Juntamente com isto, a necessidade de um diálogo ecuménico inter-religioso e de uma maior presença eclesial no território e uma reflexão sobre uma natureza ferida que conduza a cuidar dela numa perspectiva horizontal.
A partir das diferentes religiões, Ariel Stofenmacher, da perspectiva do judaísmo, partiu da ideia de que a Terra pertence a Deus, abordando a necessidade de educação em valores, indo além da educação para adquirir competências, recuperando a ideia do jubileu bíblico, a eliminação dos exércitos na América Latina, o cuidado das crianças e a banca ética. A partir daí, tendo em conta que a maioria dos decisores são maioritariamente de uma das principais religiões, ele perguntou o que perdemos no caminho?
Da religião muçulmana, ficou claro que a paz no Islã é definida como proteção e tranquilidade, mostrando preocupação com o fosso cada vez maior nos campos político e religioso, a falsa informação que gera ódio e como é cada vez mais difícil colmatar o fosso cada vez maior, apesar da caridade que é promovida a partir dos círculos religiosos.
Uma reflexão que também veio das igrejas evangélicas, em nome das quais Ariel Castaño apelou à reflexão sobre a ausência de diálogo, o fato de a palavra ter perdido o seu poder ou o fato de as pessoas não acreditarem em acordos. A partir disto, a degradação do ambiente por um ser humano que não compreende o seu papel como cuidador. Também a necessidade de uma cultura da verdade num mundo onde o sagrado cheira mal, é visto como anacrônico.
Estas reflexões abriram um debate entre os presentes, que contribuíram com diferentes questões que, ao longo do seminário e no futuro, deverão enriquecer a reflexão conducente a um diálogo social para a paz que conduza aos cuidados necessários.
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Seminário Fratelli tutti: caminhos para uma mesa de diálogo social para a paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU