05 Janeiro 2023
As acusações contra o padre-artista esloveno se multiplicam e levantam questões sobre a forma como seu caso foi tratado pelo Vaticano e pela Companhia de Jesus.
No início de dezembro de 2022, a imprensa italiana revela que o padre Marko Rupnik, um jesuíta esloveno, cujos mosaicos adornam os santuários mais visitados do mundo, é acusado de agressões sexuais e abusos espirituais. Em meados de dezembro, La Croix revela que os abusos dizem respeito a pelo menos nove religiosas – principalmente no âmbito da confissão.
Os testemunhos daquelas freiras foram coletados em 2021 por ocasião de uma visita apostólica a uma comunidade eslovena, da qual o padre Rupnik havia sido acompanhante espiritual até o início dos anos 1990. Os testemunhos foram ouvidos por Mons. Daniele Libanori, bispo auxiliar de Roma.
A reportagem é de Héloïse de Neuville e Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix, 27-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
As acusações foram posteriormente confirmadas por uma investigação iniciada pela Companhia de Jesus em 2021. As conclusões da investigação acabaram sendo encaminhadas ao Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF), um dos "ministérios" do Vaticano, que tem uma competência exclusiva sobre os delitos mais graves. O DDF chegou à conclusão de que os fatos de que era acusado o Padre Rupnik haviam prescrito, como pediam os jesuítas, impedindo assim a instauração de uma verdadeira investigação e a abertura de um processo canônico.
Uma das vítimas declaradas do padre Rupnik contou ao jornal italiano Domani que havia sofrido agressões sexuais violentas durante e fora da confissão. Afirma ter relatado os fatos diversas vezes aos superiores do padre, sem que ele jamais tenha sido sancionado. “A Igreja e a ordem jesuíta tinham conhecimento dos fatos desde 1994”, declarou ela ao jornal italiano, contando que o padre Rupnik acabou sendo expulso da comunidade eslovena para viver em Roma e desde então seguir ali a sua carreira. Em 5 de junho de 2022, a vítima escreveu uma "carta aberta" ao superior geral dos jesuítas, padre Arturo Sosa, enviando cópias a outras 17 pessoas, entre os quais bispos e cardeais.
Após as revelações públicas sobre as acusações das freiras eslovenas, os jesuítas explicaram em primeiro lugar que haviam reduzido o ministério do padre Rupnik em 2021 (proibição de confissão, de acompanhamento espiritual, de pregação em retiros...). Essas sanções disciplinares, objetivamente leves em relação aos fatos denunciados – que estão entre os mais graves segundo o direito penal canônico – não foram respeitadas por Marko Rupnik. E sem que seus superiores reagissem por isso.
Assim, antes de o escândalo estourar publicamente, o padre mosaicista de 68 anos, já sob sanção, continuava pregando na internet, ia receber prêmios no exterior e planejava pregar nos retiros. Até hoje, o padre Rupnik mantém seu laboratório de arte sacra em Roma, mas é exatamente no desempenho dessa função que ele teria exercido abusos de mulheres.
Sob pressão da mídia, os jesuítas admitiram ter tomado as primeiras restrições ao ministério já em 2019, chagando à excomunhão do padre Rupnik onze meses depois, em maio de 2020. Uma sanção pronunciada por agressões sexuais ocorridas durante várias confissões, seguidas pela absolvição da pessoa agredida. De acordo com a Companhia de Jesus, porque Marko Rupnik havia "se arrependido", a excomunhão foi retirada menos de um mês depois de ter sido formalmente pronunciada.
Tal sanção, mantida em segredo, não deu origem a qualquer comunicação ou convite a testemunhar para eventuais vítimas. Em 18 de dezembro, os responsáveis jesuítas finalmente fizeram um convite para testemunhar. Segundo as nossas informações, menos de uma semana depois, mais de dez pessoas já tinham respondido ao convite.
O padre Rupnik é uma figura muito conhecida no Vaticano, onde é regularmente consultado sobre questões artísticas. Próximo dos papas a partir de João Paulo II, é autor da maior parte da capela Redemptoris Mater, localizada no segundo andar do Palácio Apostólico. O sacerdote esloveno é também consultor de três estruturas da Cúria: o Dicastério para o culto divino e a disciplina dos sacramentos, o do clero e o da evangelização.
Na diocese de Roma, da qual o papa é bispo, o cardeal vigário Angelo De Donatis definiu o caso como "acusações midiáticas". Afirma que não tinha conhecimento "até recentemente".
“Ninguém acredita que ele não soubesse, comenta um bom conhecedor da diocese de Roma. Ele não acreditou no que lhe foi dito. É uma cultura da negação sistemática".
Quanto aos meios oficiais do Vaticano, esperaram mais de dez dias antes de falar sobre o caso.
“Fizeram-nos entender que era preciso não falar disso, dizendo-nos que era o tempo da misericórdia”, afirma uma fonte interna. E no dicastério para a comunicação, uma das mais altas funcionárias faz parte da comunidade (mista) de religiosos que vivem com Marko Rupnik. O Vaticano, portanto, nunca comunicou oficialmente o caso, recusando-se a responder a qualquer pergunta dos jornalistas e encaminhando sistematicamente à Cúria Geral dos Jesuítas.
Até agora, o Papa Francisco nunca se pronunciou sobre o assunto, em conformidade com seu costume de não falar de casos pessoais, exceto nas coletivas de imprensa que concede no avião, voltando de suas viagens.
A pergunta que fica sem resposta é se o papa esteve pessoalmente envolvido no levantamento da excomunhão decretada pelo DDF em maio de 2020. Os jesuítas dizem hoje que a sanção foi retirada por um decreto quase imediatamente, no mesmo mês. Mas não especificam quem está na origem da decisão: trata-se do cardeal Luis Ladaria, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, também jesuíta? Ou o próprio papa? Ao justificar tal decisão, os superiores jesuítas explicam que o padre Rupnik havia reconhecido os fatos e prometido reparar sua culpa, duas condições definidas pelo código de direito canônico para suspender a sanção.
No Vaticano, várias fontes afirmam que Marko Rupnik não faz parte dos conselheiros mais próximos do Papa Francisco, mas que o jesuíta esloveno cultivou uma “proximidade” com todos os papas a partir de João Paulo II. Além disso, ele pregou os exercícios quaresmais diante da Cúria Romana em março de 2020. Ou seja, dois meses antes de sua breve excomunhão pelo DDF.
Segundo o depoimento de uma das vítimas declaradas do padre Rupnik, coletada pelo jornal italiano Domani, o padre jesuíta teria usado uma teologia desviante para consolidar sua influência sobre ela. “O Padre Rupnik beijou-me de leve na boca, dizendo-me que era assim que beijava o altar onde celebrava a Eucaristia (...). Ele me encorajava dizendo que era um dom que o Senhor estava dando somente a nós". Segundo esse mesmo testemunho, o padre teria indicado a imitação do “amor trinitário” para justificar seus abusos sobre uma ou duas religiosas ao mesmo tempo.
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As inquietantes questões colocadas pelo caso Rupnik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU