A abordagem de engenharia para a análise e solução de problemas é uma característica comum de um restrito grupo de pessoas com enorme poder de influenciar o mundo.
A reportagem é publicada por Il Post, 16-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma série de eventos recentes muito comentados a respeito da crise do setor tecnológico – de demissões de milhares de funcionários na Meta à falência da empresa de crédito de criptomoedas FTX e ao caos no Twitter após a aquisição de Elon Musk – trouxe de volta reflexões que já existem há tempo sobre os valores compartilhados, modelos de negócios e organização de trabalho dentro de várias grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício.
Algumas análises se concentraram em particular sobre os líderes dessas empresas, diferentes entre si em muitos aspectos, mas em muitos casos semelhantes por serem considerados gênios bilionários. E mais ou menos todos aparentemente conectados a uma certa abordagem de engenharia de solução de problemas: uma abordagem que tende a ser altamente valorizada e apreciada, nos Estados Unidos e fora, por sua capacidade de estimular inovação e gerar lucros, mas ao mesmo tempo caracterizada por algumas limitações que se evidenciaram ao longo do tempo.
No passado, a falta de diversidade e representação mais adequada da população, nas empresas de tecnologia e nas instituições estadunidenses, foi geralmente descrita como um dos problemas que afetam tanto as classes dirigentes quanto os funcionários. Uma atenção mais específica, à margem dessas reflexões, foi dedicada à falta de heterogeneidade nos percursos de formação escolar e acadêmica das pessoas que fundam empresas ou, em todo o caso, acabam por as dirigir.
A ausência de uma cultura humanística dentro daqueles percursos, em sua maioria centrados nas matérias científico-tecnológicas, é apontada por alguns analistas e autores de ensaios, entre os quais ex-funcionários de empresas do Vale do Silício, como uma causa que contribui para os limites da abordagem dos problemas dentro das empresas. A consciência da falta de abordagens ao conhecimento mais filosóficas, artísticas e literárias e menos de engenharia também existe dentro das próprias empresas, atestada por uma atenção que vem crescendo há tempo para os graduados em disciplinas humanísticas nos processos de recrutamento.
No entanto, essa tentativa de diversificar e integrar o conhecimento difundido nas empresas não determinou alterações substanciais ao nível da gestão. Funções apicais que noutros tempos eram acessíveis a pessoas com formações de vários tipos, no caso das grandes empresas tecnológicas são agora ocupadas na maioria das vezes por engenheiros cujas aptidões e competências são largamente incentivadas pelo sistema escolar e universitário, bem como pelo econômico. E são geralmente consideradas qualidades fundamentais e mais importantes do que outras, para aqueles papéis: o que, no entanto, determina no geral uma uniformidade substancial de abordagens, uma parcialidade de pontos de vista e um estreitamento das perspectivas de progresso econômico e social de longo prazo, tanto para as empresas quanto para os diversos contextos profundamente influenciados pelos produtos de tais empresas.
O que torna particularmente relevante a reflexão sobre esse fenômeno é o fato de os CEOs e executivos em questão, no topo das grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício, terem em muitos casos alcançado extraordinários poderes e capacidade de influenciar a política e a sociedade. O mundo não seria o mesmo se não existisse o Facebook e se Mark Zuckerberg não tivesse decidido construí-lo e administrá-lo de uma determinada maneira; o mesmo talvez poderá ser dito do Twitter e de Elon Musk daqui a alguns anos. E, portanto, os limites humanos, culturais e gerenciais dos chefes das grandes empresas de tecnologia têm considerável relevância pública, pois sob muitos aspectos são também os limites de nossa sociedade, que também se alicerça nos produtos de seu trabalho e de suas decisões.
A montante existem evidentemente um problema de concentração de poder: de fato, segundo muitas análises, é inaceitável que tão grande capacidade de influenciar a sociedade dependa de tão poucas pessoas, muitas vezes de uma só pessoa. As propostas de políticas para limitar os monopólios no setor de tecnologia não tiveram muito sucesso nos Estados Unidos, de modo que empresas como Meta, Google, Apple ou Amazon têm a capacidade de moldar a sociedade em muitos aspectos que antes de uma década atrás ninguém jamais tinha tido. Na ausência ou na espera de projetos políticos concretos que intervenham nesse aspecto, porém, muitas análises têm se concentrado em como a formação e a educação dessas pessoas influenciam as modalidades como decidem gerir suas empresas e, consequentemente, agir sobre o mundo.
Conforme descrito pela pesquisadora sueca em economia e engenharia industrial Annika Steiber e seu colega Sverker Alänge no livro de 2015 The Silicon Valley Model, as culturas empresariais construídas por algumas empresas, entre as quais Google, Facebook, Tesla, LinkedIn e Twitter, têm muitas características em comum. Retomando noções propostas por outros estudiosos, Steiber e Alänge definem “cultura empresarial” o “sistema de crenças partilhadas” aprendido pelo grupo enquanto resolvia os seus “problemas de adaptação externa e integração interna”, e que também é ensinado aos novos colaboradores “como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas”.
The Silicon Valley Model: Management for Entrepreneurship
Mas as culturas empresariais não surgem do nada, nem existem em abstrato, escrevem Steiber e Alänge. E uma das principais fontes de influência dessas culturas, além do ambiente externo são os fundadores das empresas, que muitas vezes também são os seus donos. São eles que iniciam os planos de contratação de novos funcionários, tendo em mente um conjunto de convicções baseadas em suas experiências anteriores e na cultura empresarial em que cresceram.
Muitos fundadores de empresas do Vale do Silício são "empreendedores em série", apontam Steiber e Alänge, ou haviam atuado em outras startups antes de fundar suas próprias. Antes de fundar a Tesla, por exemplo, Elon Musk havia sido cofundador da empresa de software Zip2, a empresa de serviços financeiros online X.com (que mais tarde se fundiu com outra empresa para dar origem à PayPal) e a empresa de veículos espaciais SpaceX, hoje conhecida em todo o mundo. Os estudos de caso citados por Steiber e Alänge têm em comum fundadores que procuraram recrutar desde cedo pessoas com "uma paixão e mentalidade semelhantes à deles”.
Nenhum dos fundadores tinha mestrado em administração de empresas (MBA), uma especialização para gestão de empresas – e todos tinham formações e experiências distintas que de alguma forma transferiram para a cultura de suas empresas. Uma característica comum a todos, e muito significativa, segundo Steiber e Alänge, é o “conhecimento profundo de desenvolvimento de software”, baseado numa experiência prática de programação em código de informática realizada desde garotos.
Musk vendeu seu primeiro software, um programa de videogame que ele escreveu, quando tinha apenas 12 anos. Mark Zuckerberg, já conhecido por ser um habilidoso programador de software quando entrou em Harvard, desenvolveu e lançou o site do Facebook aos 19 anos, antes de abandonar a universidade. Os cofundadores do Twitter Jack Dorsey, Evan Clark Williams, Biz Stone e Noah Glass eram todos fenômenos da programação de software: aos 14 anos, Dorsey desenvolveu um programa de gerenciamento de código aberto para empresas de táxi.
A formação superior dos fundadores e cofundadores de grandes empresas de tecnologia varia muito: alguns têm graduação ou doutorado em disciplinas científicas, outros não concluíram seus estudos universitários. Em geral, são bastante raros os casos de estudos humanísticos ou de conhecimento aprofundado de outras matérias que não as ciências exatas. Há exceções parciais, como no caso do LinkedIn: o fundador Reid Hoffman tem mestrado em filosofia, realizado após se formar em ciências cognitivas na Universidade de Stanford, enquanto o cofundador e vice-presidente Allen Blue tem graduação em arte dramática também obtida em Stanford.
De acordo com o investidor estadunidense Scott Hartley, ex-funcionário do Google e do Facebook e autor do livro de 2017 The Fuzzy and the Techie: Why the Liberal Arts Will Rule the Digital World, outros exemplos de soft skills dentro de empresas de tecnologia demonstram o quanto possa se revelar útil naquele âmbito o estudo de disciplinas distintas da informática.
The Fuzzy and the Techie: Why the Liberal Arts Will Rule the Digital World
O fundador da plataforma de colaboração empresarial Slack, Stewart Butterfield, aprofundou estudos em filosofia: tem graduação pela University of Victoria, Canadá, e mestrado pelo Clare College, em Cambridge. O cofundador do Pinterest, Ben Silbermann, estudou ciências políticas em Yale, a CEO do YouTube, Susan Wojcicki, estudou arte e literatura em Harvard, e os fundadores do Airbnb, Joe Gebbia e Brian Chesky, estudaram arte na Rhode Island School of Design.
Segundo um jargão difundido nas universidades estadunidenses desde a década de 1960 e aprendido por Hartley durante seus anos de estudo na Universidade de Stanford, onde se formou em ciências políticas em 2005, os “fuzzy” são os graduados em disciplinas humanísticas e ciências sociais, e os “techie” os especializados em matérias científico-tecnológicas (muitas vezes indicadas pela sigla STEM: ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Para Hartley, a tecnologia nunca deveria ser estudada separadamente das artes liberais, ou seja, aquelas associadas na tradição clássica ao trabalho intelectual desempenhado por pessoas livres (em contraposição aos ofícios mecânicos desempenhados por escravos e que exigiam habilidades técnicas e práticas).
Como escreveu em 2014 Scott Samuelson, professor de filosofia no Kirkwood Community College em Iowa (as faculdades comunitárias dos EUA são universidades gratuitas ou quase, com duração de dois anos), em um artigo no Atlantic intitulado Por que ensino Platão aos encanadores, “deveríamos nos esforçar para ser uma sociedade de pessoas livres, não simplesmente uma sociedade de gerentes e funcionários bem remunerados. E dever-se-ia ter sempre em mente a razão pela qual, historicamente, o estudo das artes liberais foi um privilégio da classe aristocrática: permitia aos seus membros adquirir ‘as capacidades para pensar sozinhos’, sendo aqueles membros destinados por direito de nascença a ocupar posições de liderança na política e no mercado".
Enquanto a tecnologia é cada vez mais a parte fácil do trabalho das grandes empresas, afirma Hartley, entender como usar a tecnologia para resolver problemas humanos em escala é a parte mais difícil. E embora a compilação de código informático seja uma competência fundamental para o desenvolvimento de uma tecnologia, acontece que as pessoas mais habilidosas para o fazer tenham carências relativas ao "lado humano da implementação da tecnologia".
Observando, por exemplo, a gestão do Facebook, principalmente após os escândalos e a maior pressão e atenção da política após as eleições presidenciais estadunidenses de 2016, muitos analistas notaram como Zuckerberg parecia em muitos aspectos alheio às enormes implicações que tinham alcançado as modalidades com as quais sua empresa era administrada.
Para muitos, seus anúncios e análises pareceram indicar uma compreensão limitada da envergadura dos problemas em jogo: a integridade da democracia mais poderosa do mundo, por exemplo. E denunciavam uma abordagem justamente de engenharia para a solução desses problemas: que, para entender a questão, previa mais ou menos explicitamente a existência de uma solução exata, na forma de um novo algoritmo ou de um novo regulamento na gestão dos conteúdos, algo que não pode ser dado como certo e, de fato, bastante implausível.
Algo semelhante também havia acontecido quando Elon Musk se ofereceu para ajudar no resgate de crianças presas em uma caverna na Tailândia em 2018. Depois de fazer testes específicos em uma piscina nos Estados Unidos, havia sugerido que a melhor solução seria usar cápsulas metálicas especiais nas quais abrigar as crianças para transportá-las para a segurança. As dezenas de especialistas que trabalhavam na caverna avaliaram o projeto como inviável: as cápsulas teriam ficado presas em pouco tempo nos estreitos túneis da caverna, ao contrário das macas mais flexíveis que efetivamente foram utilizadas, que cumpriram perfeitamente seu intento. Irritado com a forma como algumas pessoas haviam recebido sua tentativa de ajuda, Musk chegou a brigar com um mergulhador que estava trabalhando na caverna, a quem acabou chamando de pedófilo.
A insistência e uma certa arrogância de Musk em afirmar ser capaz de encontrar a solução para um problema no qual já trabalhavam pessoas muito mais competentes do que ele, não haviam passado despercebidas. Muitos sublinharam como essa tentativa desajeitada revelasse os limites da abordagem aos problemas típica de muitos dirigentes do Vale do Silício, convencidos de que poderiam chegar a uma solução radical e profundamente inovadora para questões de todo tipo, explorando seu brilhante talento já demonstrado em outros âmbitos. Uma atitude provavelmente influenciada, além da formação em engenharia de Musk, também por uma certa mentalidade difundida em muitos ambientes estadunidenses, que muitas vezes abrigam a convicção de ter o direito, mas também o dever de intervir para resolver os problemas do resto do mundo.
"Os magnatas do Vale do Silício parecem acreditar que podem consertar quase tudo e ficam confusos quando suas tentativas de fazer isso não são recebidas com entusiasmo absoluto", escreveu a socióloga e colaboradora do New York Times Zeynep Tufekci. “A maneira de fazer as coisas no Vale do Silício é uma mistura de otimismo e confiança de que a experiência em um domínio possa ser facilmente transferida sem problemas para outro”, comentou, identificando uma incapacidade generalizada de “desenvolver respeito pelas competências adquiridas com muito esforço em outras áreas diferentes das deles”.
Em suma, à medida que a tecnologia se tornou cada vez mais parte da vida cotidiana de bilhões de pessoas, também aumentaram as reflexões preocupadas sobre a influência desmedida das empresas e as repercussões mais amplas de eventuais erros cometidos por seus dirigentes. Um conhecimento mais profundo das matérias humanísticas, em alguns casos, foi considerado um possível fator para limitar tais erros em questões éticas muito complexas.
“Talvez as coisas seriam diferentes se Mark Zuckerberg tivesse um diploma em artes liberais ou tivesse cursado mais matérias em ciências humanas”, disse em 2018 Paula Krebs, diretora executiva da Modern Language Association, uma associação que reúne estudiosos e especialistas estadunidenses em línguas e literaturas modernas. Opiniões semelhantes às suas são compartilhadas tanto por autores como John Naughton, jornalista britânico e pesquisador do Centro de Pesquisa em Artes, Ciências Sociais e Humanidades em Cambridge, quanto por pessoas que trabalham ou trabalharam no Vale do Silício, como Tracy Chou, especialista em informática e ativista estadunidense ex-funcionária do Pinterest e Quora.
No entanto, de acordo com um argumento difundido na última década e em parte ainda hoje, escreve Hartley, “ler romances e poesia, retomar discussões de filosofia clássica ou estudar a história da Revolução Francesa ou a cultura de uma comunidade remota de uma ilha não garante um trabalho digno na atual economia guiada pela tecnologia, e certamente não naquela do futuro".
Em 2011, o cofundador da Microsoft, Bill Gates, argumentou algo semelhante: em um controverso discurso a um grupo de governadores dos EUA, ele falou da necessidade de investir mais recursos no ensino superior das matérias STEM, que acredita serem mais aptas a garantir empregos bem-remunerados às pessoas, ao contrário das matérias humanísticas. E em 2012, o investidor estadunidense Marc Andreessen, fundador de um dos primeiros navegadores (Netscape), brincou sobre o fato de que seria melhor que as pessoas se formassem em matérias científico-tecnológicas se não quisessem "acabar trabalhando em lojas de sapatos".
São posturas difundidas nos Estados Unidos, mas também noutros países, apoiadas durante muito tempo por muitos gestores e dirigentes de empresas famosas, mas hoje largamente mitigadas por abordagens mais atentas a uma educação cultural que seja o mais completa possível.
Certamente, de acordo com Hartley, o valor de uma formação STEM de alto nível, entendida não apenas como o aprendizado das linguagens de programação de computadores, mas como a aquisição de conceitos fundamentais no campo da engenharia, nunca deveria ser subestimado. Muito menos nos mercados onde existe uma carência de profissionais dotados dessas habilidades e competências. Mas aquele tipo de instrução deveria incluir, em vez de excluir, o desenvolvimento de outras habilidades e seria preciso evitar "treinar legiões de pessoas para desempenhar tarefas de tecnologia profissional rigidamente prescritas": os estudantes podem ter excelência em mais âmbitos ao mesmo tempo.
“O debate sobre STEM e as artes liberais tem obscurecido o fato de que as chamadas ciências aplicadas, como biologia, química, física e matemática, são um componente fundamental do cânone das artes liberais, e que em muitos casos a ciência da computação também foi adicionada ao cânone”, escreve Hartley em The Fuzzy and the Techie.
Nos últimos anos, o estudo das matérias humanísticas no contexto anglo-saxão – que sempre foi valorizado em contextos altamente especializados – também é muito apreciado em ambientes profissionais onde até recentemente havia reticências, preconceitos e maior atenção às matérias científicas e tecnológicas. Segundo um dos argumentos mais difundidos ainda hoje, as disciplinas humanísticas permitem a aquisição de habilidades fundamentais como o pensamento crítico, a argumentação lógica, a criatividade e a inteligência socioemocional.
Mas o argumento mais importante em defesa da educação em artes liberais, de acordo com Hartley, é que "as ciências humanas e sociais são dedicadas ao estudo da natureza humana e da natureza das nossas comunidades e sociedades mais amplas". As pessoas que estudam essas disciplinas tendem a ser particularmente motivadas a "investigar o que nos torna humanos: como nos comportamos e por que nos comportamos de uma determinada maneira". São levadas a "explorar como as nossas famílias e as nossas instituições públicas, as nossas escolas e os nossos sistemas judiciais funcionam e poderiam funcionar melhor" e "como os governos e as economias funcionam ou, como costuma acontecer, funcionam mal".
No entanto, outros autores contestaram a ideia de que o estudo das matérias humanísticas seria suficiente para garantir uma melhor qualidade "ética" dos dirigentes de grandes empresas tecnológicas, ou para impedi-los de desenvolver algoritmos sexistas ou software de reconhecimento facial racistas. Aliás, os poucos exemplos de formação superior em áreas humanísticas entre alguns dirigentes demonstrariam isso.
O diploma de arte e literatura em Harvard da CEO Wojcicki, por exemplo, não impediu o YouTube de criar algoritmos que promovem a radicalização política, escreveu no Washington Post o cientista político estadunidense Paul Musgrave, que leciona na Universidade de Massachusetts Amherst.
A ideia de que ter um maior número de engenheiros e programadores de software com uma compreensão mais profunda em humanidades poderia tornar mais improvável a realização de tecnologias disfuncionais parece razoável, de acordo com Musgrave, porque se baseia no pressuposto de que esses inovadores “não estejam imersos no tipo certo de cultura”. Mas alguns dados citados por Musgrave sobre a integração das matérias STEM e humanísticas no ensino superior mostram evidências limitadas do impacto dessa integração e, ainda mais, concentradas apenas em uma melhoria do pensamento crítico.
Para Musgrave, porém, o aspecto que deveria ser levado mais em consideração é a ética dos comportamentos: comportamentos sobre os quais as artes liberais e os estudos humanísticos poderiam ter pouco efeito, e sobre os quais o contexto econômico e social parecem ter muito mais. "Afinal, a mentalidade do Vale do Silício produz uma variedade aparentemente infinita de tecnologias iliberais", escreveu Musgrave, citando como incentivo à produção o fato de que tais tecnologias – como os sistemas de vigilância usados pelas polícias – encontrem depois amplo emprego no setor público.
Embora haja uma narrativa generalizada de que os chefes do Vale do Silício realizariam esses produtos "porque sua educação incompleta os tornou hostis aos valores democráticos", de acordo com Musgrave, "ler a Ética a Nicômaco não tornará nenhum deles mais ético". Porque a educação é importante, mas não é o único fator que molda os comportamentos: “os líderes do Google, Facebook e Amazon não respondem às lições aprendidas de seus professores ao estabelecer a estratégia empresarial”, mas “respondem aos incentivos do mercado”.