27 Outubro 2022
Mariana Mazzucato, uma das economistas mais influentes do mundo, professora da University College London, esteve em Buenos Aires para participar das sessões bienais da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL. Nesta segunda-feira, falou sobre sua obsessão, como orientar a economia por missões concretas, em aliança entre o Estado e o setor privado, como aconteceu com a viagem do homem à Lua em 1969. Em seguida, palestrou na Universidade de La Plata junto com o ex-ministro da Economia, Martín Guzmán, e o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz.
A reportagem é de Alejandro Rebossio, publicada por El Diario, 24-10-2022. A tradução é do Cepat.
Mazzucato, uma italiana que migrou para os Estados Unidos com a família ainda criança, é citada por Alberto Fernández e pelo Papa Francisco e foi consultada por políticos estadunidenses como as democratas Elizabeth Warren e Alexandria Ocasio-Cortez, mas também pelo republicano Marco Rubio, os britânicos Theresa May, conservadora, e Jeremy Corbyn, trabalhista, e governos como o da alemã Angela Merkel.
“Precisamos de uma mudança, precisamos de uma forma diferente de pensar, e considero fundamental que fique bem claro que precisamos de um novo pensamento econômico”, propôs Mazzucato.
“John Maynard Keynes costumava dizer que não se trata apenas de que temos políticas equivocadas, mas também de que os profissionais da área, que pensam que estão fazendo bem e que estão tentando fazer bem, muitas vezes, são escravos de uma teoria econômica defunta”, afirmou, citando o economista que tanto irrita Javier Milei e outros neoliberais.
Abaixo, algumas partes de sua exposição.
A economista ítalo-americana questionou sobre o Estado: “É apenas um reparador do mercado ou o que significa cocriar ativamente o mercado? Esses são apenas dois exemplos em que, na verdade, precisamos não apenas de blá-blá-blá, mas de novas formas de governo realmente concretas”.
“Reavivar a capacidade institucional. Um novo marco para o próprio processo de formulação de políticas em torno da configuração do mercado, no que eu chamo de missões. Trata-se de como você transforma uma economia, sem abandonar nenhum setor, mas formando missões em torno do clima, da saúde, da exclusão digital, o que realmente pode impulsionar o investimento, que é amar a inovação, as novas formas de inteligência coletiva em muitos setores”.
“Dentro dessa conversa, também entra a forma como garantimos que o setor de recursos naturais, não só o velho setor petroleiro e as velhas formas de mineração, mas especialmente a nova mineração sexy como o lítio, não volte a cair nesse buraco de apenas uma economia extrativa”. O que realmente significa construir um ecossistema em torno do lítio, por exemplo, que inclua serviços criativos e digitais verdadeiramente interessantes, que garantam que seja uma contribuição para uma estratégia de crescimento sustentável, onde a digitalização é fundamental para qualquer missão? Mas isso significa ir além da ideia de simplesmente extrair o lítio e vendê-lo a outra pessoa para que fabrique as baterias”, sugeriu Mazzucato.
A professora também defendeu “abordar a desigualdade”, mas de uma forma diferente, como propõe Stiglitz. “Com essa ideia de fazer o que disse Joe, de abordá-la de forma pré-distributiva, não criamos uma confusão sobre como realmente produzimos e depois solucionamos consertando as falhas de mercado, bem como através da redistribuição”.
“Por que não estabelecemos as condições certas desde o princípio, os preços certos, os direitos de propriedade intelectual, a parceria correta? É assim uma parceria simbiótica. Não é uma parceria parasitária. E a Pfizer é um exemplo perfeito de parceria parasitária do Estado”, criticou Mazzucato a farmacêutica estadunidense, assim como fez Stiglitz, por monopolizar a patente da vacina contra a Covid-19 à custa de milhares de mortes.
“Há dez anos, venho reclamando de uma das empresas mais bem financiadas do mundo e muito disfuncional em termos de como faz negócios”, continuou a respeito da Pfizer. “Por que não temos mais condicionalidades, seja com os bancos públicos, seja com as contratações, com os programas de resgate?”
“Por último, o tema do espaço fiscal é necessário. Mas não precisamos apenas de espaço fiscal, não é o suficiente se não tivermos as capacidades do setor público que foram de forma proposital desmanteladas nos últimos 50 anos. De fato, criei um instituto inteiro em Londres dedicado a repensar o serviço público nessa capacidade, as burocracias criativas que necessitamos.”
“Precisamos criar uma economia”, disse na contramão do livre mercado. “Não há nada inevitável na inflação, não há nada inevitável inclusive no deslocamento de mão de obra com a digitalização. Não há nada inevitável em ter burocracias lentas. Na verdade, estes são os resultados das decisões que tomamos. O declínio na produtividade em muitos países latino-americanos e do sul da Europa, como a Itália, é resultado da falta de investimentos nos setores público e privado. Deveríamos falar mais a respeito dessa inércia.”
Depois, Mazzucato explicou sua ideia de missões como a do homem à Lua. “A ideia que pode nos ajudar a formular missões realmente concretas é a moonshot (voo à Lua). Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (da ONU) são fundamentais. São 17. Nós os temos desde 2015. Por que não os alcançamos? Existe um verdadeiro caminho de investimento e inovação para alcançá-los? E não se trata apenas de inércia. Às vezes, trata-se da definição que temos dos 17 objetivos”.
“Há algo no meio chamado missão. Como o pouso na lua que não foi só derrotar os russos, algo que ressoa hoje. Não queríamos apenas ser os primeiros a chegar à Lua. Era chegar à Lua e voltar em um curto período. Muito específico. Havia 1.000 problemas de tarefas que tinham que ser resolvidos. As soluções trouxeram coisas como telefones com câmera, mantas de alumínio, software, fórmula para bebês. Essa ideia de efeitos indiretos dinâmicos no caminho para resolver uma missão significa que você também precisa redesenhar os contratos, redesenhar as ferramentas que tem à sua disposição, como as aquisições.”
Mazzucato voltou então ao lítio, que se concentra entre a Argentina, Bolívia e Chile, embora não apenas nesses países, e que é necessário para as baterias de carros elétricos que devem substituir aos de combustão. “Todos nós ouvimos falar do triângulo do lítio. Pode ser um problema caso se olhe a partir da velha estratégia industrial: um setor para sustentar, subsidiar, dar garantias ou uma contribuição para uma trajetória de crescimento sustentável e transformador.”
“Trata-se de subir na cadeia de valor, o que também deveria acontecer com o café, porque ainda não tomei um bom café desde que viajo pela América Latina. Na Itália, o café vem da América Latina, mas o valor agregado é introduzido na Itália. Então, aumentar realmente o processo de valor agregado para esses recursos naturais, especialmente os novos e atrativos desejados por Elon Musk, não se resume apenas a fabricar baterias aqui, mas a criar todo um ecossistema de serviços digitais em seu entorno”, propôs.
“Assim, não se trata de manufatura ou serviços. Trata-se tanto de uma economia de inteligência coletiva de aprendizagem dinâmica quanto de crescimento inclusivo. Mais uma vez, obtenha as condições corretas desde o princípio.”
A professora defende a “parceria público-privada”, mas esclarece que, “claro, trata-se de parceria”. “Como um casamento ou um casal, seja qual for o sexo, nem sempre é uma boa parceria. Às vezes, há uma parceria problemática. Então, no divórcio, somos rigorosos com o tipo de parceria que desejávamos. Já falamos do apartheid das vacinas. Essa é a palavra: apartheid das vacinas. Mas não há motivo para que seja assim”.
“De fato, se você observa as oito vacinas disponíveis, a da Pfizer é extremamente problemática. Ouvimos AstraZeneca, é diferente. Negociaram um baixo custo, preços baixos, troca de conhecimentos, uma temperatura que não muito baixa. Assim, você também é possível produzir e armazenar na África. E essa foi a negociação com a Universidade de Oxford, que é pública. Esta parceria público-privada foi funcional e mais simbiótica do que a outra parceria, que foi predatória. Então, só vamos aprender como melhorar o capitalismo através da experimentação e o erro, mas também denunciando as coisas descaradas”.
Mazzucato pediu mais investimento em ciência, mas em benefício de todos. “O que é preciso para realmente impulsionar um sistema simbiótico coletivo, deixando de corrigir os mercados para cocriá-los, afastando-se dessa ideia de simplesmente reduzir o risco, dando boas-vindas à incerteza, parando de escolher ganhadores para escolher os dispostos? Não nivelar, mas inclinar ao alinhar realmente coisas como os incentivos fiscais em direção ao crescimento verde, não à terceirização, mas ao desenvolvimento de capacidades”, concluiu a economista.
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Mariana Mazzucato: “Precisamos de um novo pensamento econômico” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU