Dois pesquisadores levam em conta os efeitos da digitalização no consumo para demonstrar que as famílias mais ricas são duplamente vencedoras. A tecnologia digital está de fato baixando o preço dos bens que os mais ricos buscam com avidez, aumentando assim seu poder de compra.
A reportagem é de Laurent Jeanneau, publicada por Alternatives Économiques, 06-05-2022. A tradução é de André Langer.
Diga-me o que você consome e eu lhe direi se é rico. Um índice: quanto mais produtos digitais você compra, maior é a sua renda e mais você ganha com isso, porque a digitalização baixou os preços dos bens e serviços que você adora. É o que mostra uma pesquisa recente realizada por Kai Arvai, economista do Banque de France, e Katja Mann, da escola de comércio de Copenhagen.
O impacto da tecnologia digital nas desigualdades já está relativamente bem documentado. Nos últimos dez anos, a maioria dos estudos apontou para as consequências da robotização no emprego e, por extensão, na renda dos trabalhadores pouco qualificados.
As novas tecnologias da informação e da comunicação favoreceram, assim, a substituição de empregos pouco qualificados marcados por tarefas repetitivas por empregos altamente qualificados. Como? As tecnologias digitais reduziram os custos de produção e melhoraram a eficiência das empresas que as utilizaram, incentivando outras empresas a começar e investir mais na digitalização de suas atividades. Consequentemente, as habilidades dos trabalhadores altamente qualificados começaram a ser muito requisitadas, elevando seus salários.
“Dito de maneira simples, se uma empresa utiliza mais capital digital em seu processo produtivo, como, por exemplo, um computador ou um software, ela também precisará recrutar um trabalhador altamente qualificado que possa trabalhar com essa nova forma de capital”, resumem os autores. E acrescentam: “Algumas tarefas podem ser realizadas com mais eficiência por um computador controlado por um trabalhador altamente qualificado do que por um trabalhador pouco qualificado”.
Em suma, alguns veem seu salário aumentar quando outros perdem seus empregos. É, obviamente, um pouco mais complicado do que isso, pois a digitalização também aumenta a produtividade da economia. O que pode compensar, em (pequena?) parte, as perdas de empregos. Mas a literatura econômica conclui que existe um efeito negativo para os trabalhadores pouco qualificados. Em última análise, isso resulta em um aumento das desigualdades de renda.
O estudo de Kai Arvai e Katja Mann confirma essa mecânica já bem conhecida. A abordagem dos dois economistas é complementar a trabalhos já publicados, mas vai além, lançando luz sobre essa questão sob um novo ângulo. Os autores não se detêm na renda, mas levam em conta os efeitos da digitalização sobre o consumo. Porque as tecnologias digitais baixaram o preço de determinados bens de consumo, o que a priori melhora o poder de compra de quem consome com relativa frequência esses produtos. No entanto, quanto mais rica é uma família, maior a intensidade das tecnologias digitais em sua cesta de consumo. Ela, portanto, ganha em ambos os aspectos: rendas mais altas e bens de consumo mais baratos.
Para chegar a esse resultado, os autores começaram por medir o conteúdo digital de todos os bens e serviços de consumo nos Estados Unidos, entre 1960 e 2017.
Primeira lição: o estoque de capital digital utilizado no processo de produção nos Estados Unidos explodiu mais de 700% desde 1995, quando o capital não digital cresceu apenas 300%.
Os dois economistas também levaram em consideração o uso de bens intermediários digitalmente intensivos pelas empresas, mesmo que elas mesmas não utilizem diretamente capital digital em sua produção. Entre os setores com intensidade digital muito alta estão as finanças, a segurança e as indústrias eletrônica e informática. Por outro lado, a agricultura, a indústria de transformação de plásticos ou os têxteis não sofreram a virada digital.
Uma vez consolidada essa base de dados, eles calcularam a participação das tecnologias digitais nas cestas de consumo, de acordo com o nível de renda dos consumidores, sempre nos Estados Unidos.
Resultado: os 20% mais pobres consomem 15% de produtos intensivos em digital, contra 17% dos 50% mais ricos, dois pontos percentuais a mais. Dois pontos que podem fazer uma grande diferença na vida de um consumidor.
Essa diferença é explicada pelo fato de que os mais abastados dedicam uma parcela maior de seus gastos à educação, às finanças e à segurança; enquanto os mais pobres usarão sua renda mais para vestuário ou alimentação.
Outra lição interessante: a participação de produtos digitais na cesta de consumo aumentou para todos nos últimos vinte anos, mas muito mais fortemente para as famílias ricas. Portanto, as desigualdades no consumo de produtos digitais aumentaram.
Resta estimar o “efeito preço relativo”. “O declínio nos preços relativos do capital digital levou a uma generalização de seu uso. Alguns setores se beneficiaram dessa tendência, de modo que o preço relativo de seus produtos caiu”, observam os autores, com um gráfico de apoio: os preços dos bens do setor com baixa intensidade digital aumentam em fase com os preços médios dos insumos em capital não digital. Ao contrário, o preço relativo do capital digital caiu acentuadamente, resultando em um aumento significativamente menor nos preços dos bens de setores intensivos em digital.
O efeito preço da digitalização da economia beneficiou, portanto, mais os ricos. Mas até que ponto? Os autores pegaram suas calculadoras e chegaram a esta conclusão, que apresentam como uma "aproximação": o aumento dos preços para os 20% mais ricos representa aproximadamente 25% de sua renda de 1996, ao passo que para os 20% mais pobres representa mais de 50% de sua renda. A desigualdade em termos de consumo teria assim aumentado 18% desde a década de 1960. E 22,5% desse aumento da desigualdade pode ser explicado pela queda dos preços relativos. O restante está relacionado aos efeitos da digitalização nas desigualdades de renda descritas acima.
Mais renda para consumir bens cada vez mais baratos, por um lado. Recursos que estagnam, até declinam, para comprar produtos cujo custo dispara, do outro. Isso lança uma nova luz sobre o crescente fosso entre as categorias sociais do outro lado do Atlântico [nos Estados Unidos]. Resta saber se a mesma constatação pode ser feita deste lado do oceano [na Europa].