19 Julho 2022
Márcio Moreira – uma das liderança na luta pela recuperação do Território de Guapoy, foi assassinado nesta quinta-feira (14); há menos de um mês o tekoha foi alvo de um massacre, protagonizado pela Polícia Militar.
A reportagem é da Assessoria de Comunicação do Cimi, publicada pelo Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 15-07-2022.
Sob circunstâncias suspeitas e criminosas, denunciadas tanto pela comunidade Guapoy quanto pelo Conselho da Aty Guasu – a Grande Assembleia dos povos Guarani e Kaiowá, como uma possível emboscada, três indígenas Kaiowá-Guarani sofreram uma investida violenta, na tarde desta quinta-feira (14) por parte de homens armados. O crime resultou no assassinato de Márcio Moreira e deixou duas outras lideranças feridas devido às agressões.
Márcio e os outros dois indígenas, que por segurança não serão identificados, são lideranças da retomada Guapoy, em Amambai, no Mato Grosso do Sul. O fato leva os indígenas a apontarem a possível motivação do crime vinculada à retaliação contra a ação de retomada e/ou a repercussão negativa em relação aos polícias e ao Estado, protagonistas do “Massacre de Guapoy”, como tem sido chamado pelos indígenas.
Os indígenas, inclusive um dos sobreviventes, afirmam que Márcio havia recebido uma proposta de trabalho no ramo da construção civil, o qual demandaria de mais dois serventes de pedreiro para auxiliar na construção de um muro. Conforme relatos dos indígenas, Márcio foi chamado por um conhecido local e, por sua vez, chamou as outras duas lideranças para ajudar no serviço.
“Fomos convidados para levantar um muro e fomos até o local com nossas ferramentas. Encontramos uns karaí [não indígenas] que passaram a intimidar a gente. Márcio se levantou e olhou bem para eles, que sem falar nada jogaram nossas ferramentas”, conta uma das vítimas.
Segundo os próprios indígenas, eles foram abordados por dois homens em uma moto, munidos com armas de fogo, e que já chegaram ao local com intimidações e agressões verbais contra os indígenas. Em seguida, realizaram os disparos contra Márcio e as outras duas vítimas. O jovem Guarani Kaiowá, que conseguiu fugir do local, conta que foi segurado e os três foram intimidados.
“Nos intimidaram com as balas, mostraram com pistola de cano curto e bateram em nós, jogando no meio dos caraguatás [planta espinhosa], em seguida atiraram no Márcio e nos deitamos, como a munição acabou, eles nos bateram com a arma, e eu fugi deles”, relata um dos sobreviventes.
Márcio Moreira – uma das liderança na luta pela recuperação do Território de Guapoy, foi assassinado nesta quinta-feira (14) (Foto: povo Kaiowá-Guarani)
Após os disparos, houve luta corporal e um dos indígenas conseguiu fugir do local, o outro foi ao hospital de Amambai para atendimento. Márcio correu cerca de 100 metros sangrando, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. Haveria, ainda, uma quarta testemunha que presenciou o ataque e que, por segurança, não será identificada. Os Kaiowá-Guarani temem um novo ataque contra os sobreviventes e esta testemunha.
Segundo o corpo de bombeiros, que atendeu a ocorrência, ao chegar ao local Márcio já estava sem vida. Foram identificadas pelo menos duas perfurações: uma de arma de fogo no ombro, e outra de arma branca no tórax, o que reforça as denúncias dos sobreviventes sobre a luta corporal após os disparos de arma de fogo.
Os Guarani e Kaiowá suspeitam que o ataque possa ter sido planejado para assassinar as três lideranças do tekoha (lugar onde se é) Guapoy. “Não se tratou de trabalho, foram recebidos já com agressões. Foi uma emboscada para assassinar os três, uma chacina”, destacou a Aty Guasu – a Grande Assembleia dos povos Guarani e Kaiowá.
O caso segue sob investigação. A suspeita é de que haja relação com os recentes conflitos de terras, envolvendo indígenas e fazendeiros da região, em Amambai (MS).
Povo Guarani Kaiowá sofre ataques após retomarem território Guapoy, em Amambai (MS) (Foto: povos Guarani Kaiowá)
A luta dos Guarani e Kaiowá pela retomada do território de ocupação tradicional, no Mato Grosso do Sul, tem sido motivada pela morosidade do Estado brasileiro em realizar a demarcação. Há décadas os indígenas reivindicam a demarcação do território tradicional. Enquanto isso, vivem acampados, em péssimas condições de vida, e vêm passando por longos períodos de fome.
Há menos de um mês, no dia 23 de junho, os Guarani e Kaiowá realizaram, mais uma vez, a retomada de parte do território tradicional Guapoy, em Amambai (MS). Na manhã do dia seguinte (24/6), policiais militares e fazendeiros invadiram a área com objetivo de expulsar os indígenas por meio do uso da força, mesmo não havendo ordem judicial. Devido à gravidade e truculência do ataque, os indígenas referem-se à situação como “massacre de Guapoy”.
Na ocasião, policiais militares dispararam tiros de borracha e de arma de fogo contra os indígenas, deixando dezenas de feridos, inclusive crianças e anciãos, e um morto – Vitor Fernandes, de 42 anos. A comunidade tem denunciado ser alvo de uma série de ataques, preconceitos e acusações que não encontram respaldo na realidade dos fatos.
O enterro de Vitor Fernandes, em Guapo’y, Amambai (MS), ficou marcado por muita comoção e revolta (Foto: povos Guarani e Kaiowá)
A reserva de Amambai é a segunda maior do estado de Mato Grosso do Sul em termos populacionais, com quase 10 mil indígenas. Para os Guarani Kaiowá, Guapoy é parte de um território tradicional que lhes foi roubado – quando houve a subtração de parte da reserva de Amambai.
Diante dos relatos recebidos, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que acompanha os casos, teme que a situação evolua rapidamente para um novo episódio de massacre contra os Guarani e Kaiowá, como foi o chamado “Massacre de Guapoy”. Faz-se necessário o envolvimento de órgãos federais, do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), na apuração dos ataques, a fim de controlar a situação e investigar os episódios.
Dada a constância e gravidade dos ataques contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, a entidade denunciou à Organização das Nações Unidas (ONU) os massacres e assassinatos de lideranças indígenas e defensores de direitos humanos no Brasil, durante a 50ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos e ao Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP), espaços de escuta da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Não esperem pelo Brasil”, reforçou a entidade, no mesmo evento em que, na abertura, a Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, inseriu o Brasil num grupo de 30 países que têm “situações críticas que exigem ação urgente”. Ela disse “estar alarmada com ameaças contra os direitos humanos ambientais dos povos indígenas, incluindo a exposição em decorrência da mineração de ouro” e pediu às autoridades do Brasil que “assegurem o respeito pelos direitos fundamentais e instituições independentes”.
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Liderança Kaiowá-Guarani sobrevivente do chamado “Massacre de Guapoy” é assassinada por homens armados; outras duas ficaram feridas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU