13 Julho 2022
Uma das imagens mais conhecidas do fotógrafo malinês Malick Sidibé mostra dois jovens dançando alegremente, ele de terno branco e ela descalça. A explosão de vitalidade que o casal emana fascinou o cineasta Robert Guédiguian, que enfeitiçado por isso, e profundamente preocupado com a atual situação vivida no Mali, inventou a história de um jovem idealista que, com a recém-independência, deseja criar um estado socialista em seu país, enquanto dança o twist e o rock'n'roll.
Em Mali Twist, Guédiguian remonta a 1962 e, através da história deste jovem revolucionário e da mulher que ama, revê as consequências do colonialismo europeu na África e exige uma reflexão sobre a responsabilidade nos conflitos armados, a falência dos Direitos Humanos e a pobreza que alguns países do continente atualmente sofrem.
Mali vive uma situação de constante violência e agressão à população civil, após os golpes de estado de 2020 e o mais recente de maio de 2021, com forças francesas destacadas no país, incapazes de deter os grupos jihadistas.
Stéphane Bak e Alice da Luz protagonizam esta história, escrita por Guédiguian junto com Gilles Taurand, na qual o cineasta busca encarnar o que chama de “momento comunista”, de celebração da revolução, e com o qual denuncia os erros da esquerda, entre eles, o de considerar a música, a cultura ocidental, como parte da ideologia contrarrevolucionária.
A entrevista é de Begoña Piña, publicada por Público, 08-07-2022. A tradução é do Cepat.
Qual foi o papel do colonialismo europeu?
Penso que é preciso recordar isto constantemente. O colonialismo não teve nenhuma qualidade e ainda existe. Havia muita gente que pensava como eu, que é um crime contra a humanidade, e ainda tem gente que se atreve a dizer que levamos elementos de civilização para os jovens que não tinham. É horrível pensar assim, porque é a coisa mais racista do mundo.
É aí que nasce o racismo, considerar que essas pessoas eram inferiores a nós. É odioso e penso que é preciso lutar contra isso, é uma luta permanente, porque sempre haverá gente que pensa assim, sempre haverá racistas.
Hoje, a situação de Mali é responsabilidade da Europa. É importante que as pessoas ligadas à cultura exijam respostas a essa responsabilidade?
Claro, penso que é um dos elementos, o elemento forte, porque um filme, por exemplo, passa pela emoção. Penso que se ensina mais através da emoção e se aprende com mais vontade e com mais humanismo do que quando se fala das coisas teoricamente ou politicamente. Às vezes, uma palavra que você carrega dentro de si, através dos atores, toca mais as consciências do que muitos discursos. Mas também são necessários discursos e medidas democráticas.
A revolução ainda é possível, hoje?
Eu não pensava assim há trinta anos, mas hoje acredito em momentos revolucionários, que precisam ser assumidos no instante, assim como são, e conservar a exaltação e a alegria que trazem. E que devemos permanentemente tentar reproduzi-los.
Eu os chamo de momentos comunistas. São momentos e, como tais, desaparecem, e é por isso que sempre é preciso criar outros. É uma luta constante, é preciso reconstituir constantemente o comunismo. É o comum das coisas que nos unem. Há trinta anos, eu pensava que a revolução poderia ser algo definitivo, mas agora não acredito mais nisto.
Hoje, qual é a situação dos Direitos Humanos no Mali?
Realmente, é horrível. Existem diferentes grupos que são bandidos, não há nada de político ou religioso, são apenas soldados que querem tirar proveito dos territórios. No Ocidente, isto seria chamado de guerra civil. Em Bamako, por exemplo, só há corrupção, militares no poder. Você nunca sabe o que acontece, um golpe de estado... qualquer coisa. E o povo agora está sofrendo muitíssimo no Mali.
Na Europa, há muita condescendência com os jovens. Você narra a mudança no filme através de dois jovens. A mudança virá através deles?
Por definição, não vou mudar o mundo na minha idade, é tarde demais. Sempre é necessário ter esperança na juventude. Neste momento, no Ocidente, a juventude volta a fazer algo, já estão se cansando daquilo que se acreditava nos anos 1980. Sobre o individualismo, as mudanças climáticas... são muito ativos, inclusive as crianças de dez anos são muito ativas nesta questão.
É preciso ser otimista, de vez em quando as coisas vão bem. Podemos pensar que talvez em alguns anos isso se estruture e se torne uma nova força política que ainda não conhecemos hoje. E se oporá ao mundo de hoje e ao capitalismo global. Encontrarão um caminho.
A esquerda ocidental superou a limitação de criminalizar a música e a cultura imperialistas?
Eu acredito que sim, já está superada, avançamos um pouco mais, mas ainda resta na esquerda uma ideia de que o socialismo faz parte do esforço, da razão, do trabalho, das pessoas sérias, você tem que construir algo... Nas cabeças da esquerda, o capitalismo é mais divertido. Essa imagem ficou, ainda existe hoje, a visão dos Estados Unidos e da URSS daquela época. Ainda hoje existem países do Leste onde tudo é marrom e ocre, não tem cor. A revolução tem que nascer na alegria.
Por isso o filme é tão luminoso?
Sim, por isso, claro.
A situação da mulher é terrível… é fundamental insistir e insistir a esse respeito para encontrar soluções?
É claro. Aqui, também o movimento revolucionário da época, dos anos 1980, tinha o Ministério da Comissão Feminina. Penso que foi um erro nos movimentos de esquerda do mundo criar hierarquias. Acredito que é preciso travar todas as lutas ao mesmo tempo. Inclusive, na ecologia. Sempre foi dito que o importante é o nível econômico e social, e a ecologia, o feminismo, a cultura, os assuntos religiosos ficam em segundo plano. Isso é completamente falso e é um erro.
Como você fez as cenas da música e da dança?
Eu ensinei todo mundo a dançar. A primeira vez foi nos escritórios da produtora em Paris, com Ariane. Empurramos as mesas para ensiná-los a dançar o twist e o rock'n'roll com a música do filme, depois os atores foram para as aulas, duas ou três vezes por semana, por cerca de seis meses. Isso para os atores principais. A atriz mais nova, a irmãzinha, sabia dançar, não tinha nenhum problema, mas outros nunca tinham dançado isso, porque é muito antigo para eles.
Os jovens hoje não dançam isso. O genial foram os extras, os figurantes. Encontramos clubes onde ainda dançavam, eram loucos desenfreados. Se você notar, eles fizeram uma adaptação, não dançam como se dançava na Europa ou nos Estados Unidos. Dançaram noites inteiras e às 5 da manhã dançavam assim como às 9 da manhã, quando começávamos a filmar, era incrível.
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“A revolução tem que nascer na alegria”. Entrevista com Robert Guédiguian - Instituto Humanitas Unisinos - IHU