04 Julho 2022
A "sexta-feira da raiva" que uniu líbios de leste a oeste em protesto contra a deterioração das condições de vida corre o risco de se transformar em uma revolta mais longa. As cenas de guerrilha urbana que ocorreram em várias cidades dão, de fato, uma ideia do nível de intolerância da população contra uma classe dirigente que não consegue deixar de lado suas divisões.
A reportagem é de Camille Eid, publicada por Avvenire, 03-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na Cirenaica, centenas de manifestantes derrubaram com uma escavadeira as barreiras diante do Parlamento de Tobruk e incendiaram carros da polícia, enquanto em Trípoli uma multidão exasperada atacou o presidente do banco central, Siddiq al-Kabir, considerado um dos principais autores pelo colapso econômico e social da Líbia.
Região da Cirenaica (Foto: Stephen Kirrage | Wikimedia Commons)
Falta tudo ao país: os cortes de energia já ultrapassam 12 horas por dia nas grandes cidades, com situações ainda mais críticas nas regiões mais remotas; a farinha é escassa devido ao bloqueio das exportações de trigo ucranianas em decorrência da guerra em curso; há aumento contínuo dos preços dos produtos de primeira necessidade.
Para agravar a situação, o fechamento parcial do setor petrolífero que desde 16 de abril passado teria reduzido a produção diária de petróleo bruto em um terço, causando 3,5 bilhões de dólares em ganhos perdidos. Na semana passada, a responsável pelos Assuntos Políticos da ONU, Rosemary DiCarlo, informou ao Conselho de Segurança que “a suspensão das transferências de receitas do petróleo poderia ter um impacto negativo na capacidade do governo de unidade nacional para pagar salários e atender outras necessidades de gastos, inclusive para serviços sociais básicos”.
Líbia (Foto: Shosholoza | Wikimedia Commons)
Em tal contexto de total incerteza sobre o futuro, a atual crise econômica só pode incentivar novas ondas de pessoas desesperadas em fuga do caos líbio. No último naufrágio registrado na costa da Líbia, pelo menos 22 pessoas morreram depois de passar 9 dias no mar, enquanto 65 sobreviventes foram resgatados. 30 pessoas estão desaparecidas, incluindo 5 mulheres e 8 crianças.
Na raiz de tudo isso está um impasse político que vem se arrastando há meses. Na última rodada de conversas entre dois governos em disputa pela legitimidade, que se realizou no Cairo de 12 a 20 de junho, ficaram várias divergências sobre as medidas que deveriam reger o período de transição até às eleições. Aquele vislumbre de paz que se abriu em março de 2021 com a posse de um governo interino, reconhecido internacionalmente e liderado por Abdel Hamid Dbeibah, parece ter sumido no ar.
Líbia (Foto: JRC | Wikimedia Commons)
Ontem, o primeiro-ministro pediu a todos os órgãos políticos que renunciassem e fossem às eleições. "Junto-me aos manifestantes em todo o país - escreveu ele no Twitter -. Todos os órgãos políticos devem renunciar, inclusive o governo, e não há como fazê-lo a não ser por meio de eleições”.
"Aqueles que obstruem as eleições e a aprovação do orçamento são conhecidos", concluiu. O governo de Trípoli também se declarou "em sessão permanente para cumprir a vontade dos líbios".
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Fome e raiva, a Líbia explode. Vinte e dois migrantes mortos no mar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU