28 Março 2022
"Como escrevemos alguns dias atrás, se até antes da guerra as fontes renováveis ganhavam por questões climáticas, de saúde (poluição e qualidade do ar) e de custos (são as menos caras). Hoje também se impõem por questões de paz, segurança e volatilidade dos preços. Completamente míope, incompreensível e masoquista, parece que alguns jornalistas e comentaristas se perguntem e questionem se seria não seria o caso de desacelerar a transição ecológica", escreve Leonardo Becchetti, professor de economia política da Universidade de Tor Vergata, em Roma, colunista do jornal Avvenire e cofundador da Next - Nova economia para todos, em artigo publicado por Avvenire, 26-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vivemos tempos realmente difíceis. Não só pelo que acontece no campo de batalha, pelos lutos, dor e as atrocidades causadas pela agressão da Rússia contra a Ucrânia, uma guerra que nos lança de volta aos piores pesadelos do século XX, mas também do ponto de vista da nossa capacidade de entender e reelaborar o que está acontecendo.
Parece haver dois problemas principais. As emoções da guerra polarizam e arriscam de forma simplista nos dividir entre pacifistas ingênuos e patriotas de farda. Alimenta a identificação no primeiro grupo o erro daqueles que, movidos pelo saudável e legítimo desejo de ver o fim do conflito, escorregam no plano da verdade dos fatos e acabam minimizando a gravidade do que está acontecendo colocando tudo no mesmo plano. A paz não se obtém sacrificando a verdade.
A agressão armada contra outro Estado, que em pouco tempo criou dezenas de milhares de vítimas e milhões de refugiados, é um crime contra a humanidade. Certamente outros terão sido cometidos em outras épocas por outros atores, mas isso não deve ser usado para diminuir a gravidade do que está acontecendo.
Por outro lado, os patriotas de farda se empolgam emotivamente com a gravidade da situação e acabam afirmando que o único caminho é o do acerto de contas definitivo com o tirano. Pena que não estamos mais no cenário, ainda que terrível, da Segunda Guerra Mundial, mas em uma fase em que potências nucleares se enfrentam. Portanto, é ilusório pensar que se possa derrubar um país como a Rússia; e também a esperança de que mais cedo ou mais tarde haverá uma mudança no poder é uma esperança tênue.
O nível de reação dos Estados Unidos da América e da União Europeia foi forte como nunca havia sido (sanções econômicas muito duras, fornecimento de armas à resistência ucraniana), mas não se pode cair na ilusão de que a Ucrânia possa derrotar no campo a Rússia (ainda que por procuração). O absurdo da estratégia de guerra é que ela leva os beligerantes a causar o maior número possível de mortes, feridos e destruição para se posicionarem em posição de força nas negociações para o tratado de paz. Por isso, sem deixar de reiterar com força a culpa do agressor, é necessário conseguir encontrar o caminho para um cessar-fogo e um equilíbrio de paz o mais rápido possível por meio de negociações.
Se é verdade que a paz não é possível sem justiça, também é verdade que ela deve ter como pedra angular a independência e a integridade territorial da Ucrânia, ainda que acompanhada de uma escolha de neutralidade. Nas regiões orientais e na Crimeia, onde as populações russófonas são relevantes, é necessário encontrar o caminho para uma autonomia que bloqueie a espiral de ódio e violência e leve em consideração os direitos de todas as partes. O risco é que com o tempo se chegue a isso como único ponto possível, não com a clareza de encerrar a questão imediatamente, mas depois de muito tempo, muito mais dor e muito mais mortes.
O segundo problema está relacionado com a questão energética. Com grande lucidez, o secretário da ONU, António Guterres, afirmou ontem que “a guerra na Ucrânia demonstra que a dependência dos combustíveis fósseis está colocando a segurança energética, a ação climática e toda a economia global à mercê da geopolítica. Todos os países devem, portanto, fazer rapidamente uma transição bem governada para as energias renováveis”.
Como escrevemos alguns dias atrás, se até antes da guerra as fontes renováveis ganhavam por questões climáticas, de saúde (poluição e qualidade do ar) e de custos (são as menos caras). Hoje também se impõem por questões de paz, segurança e volatilidade dos preços. Completamente míope, incompreensível e masoquista, parece que alguns jornalistas e comentaristas se perguntem e questionem se seria não seria o caso de desacelerar a transição ecológica.
Muitas famílias e empresas entenderam muito bem a urgência da transição e já começaram com antecedência. Aqueles que têm carros elétricos, híbridos e plug-in são menos ou nada afetados pelo combustível caro. Os poucos municípios que já começaram cedo com as comunidades de energia que deveriam se espalhar rapidamente por toda a Itália têm os instrumentos para se defender da conta mais cara. Muitas empresas entre as boas práticas italianas tornaram-se energeticamente independentes e produzem sua própria energia com fontes renováveis. O governo tem o dever de pisar no acelerador justamente para nos libertar amanhã e no futuro das preocupações levantadas, mais uma vez, também pelo secretário da ONU.
“Pior que esta crise, há apenas o drama de desperdiçá-la”, afirmou o Papa Francisco no passado sobre a pandemia. É realmente verdade. E pior que esta guerra há apenas o drama de não entender sua lição. Com prudência, é claro, mas também com determinação.
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O desperdício mais inaceitável? Não pressionar a transição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU