O filósofo e sociólogo é conhecido por suas reflexões com traços de profecias sobre a ecologia. Menos por sua relação com Deus, mas que é central.
A entrevista é de Pascale Tournier e Pierre Jova, publicada por La Vie, 02-02-2022. A tradução é de André Langer.
Seu Mémo pour une nouvellle classe écologique, La Découverte (Memorando para uma nova classe ecológica), escrito em parceria com o doutorando dinamarquês Nikolaj Schultz, poderia inspirar uma geração inteira. Enquanto o candidato (à presidência da França) do EELV (Europe Écologie Los Verts), Yannick Jadot, patina nas pesquisas, apesar de uma catástrofe climática anunciada, a ponto de alguns convocarem o imaginário do Apocalipse, o sociólogo e antropólogo da ciência Bruno Latour nos oferece em seu último livro os instrumentos conceituais para que a ecologia política possa finalmente acontecer.
E escreve: “definir o horizonte ideológico, como fez o liberalismo em outros tempos, depois os socialismos, o neoliberalismo e, finalmente, mais recentemente os partidos iliberais ou neofascistas” ajudaria a reinvestir os valores da liberdade e emancipação, que sempre estiveram no centro das mobilizações, ao introduzir a noção de limite e de dependências. Será ouvido?
A partir de Onde aterrar? (Bazar do Tempo, 2020), publicado em 2017, Bruno Latour começa finalmente a ser reconhecido na França. Ele inspira toda uma nova geração de pensadores. Os políticos o consultam. Já era tempo. Seu pensamento original, inclassificável e certamente às vezes desconcertante, revisita poderosamente a ciência, a tecnologia e a política, sempre com a preocupação do comum, do vínculo e das associações. Noções enraizadas na cultura católica. O que não tem nada de surpreendente.
Porque é preciso ler esse filósofo tendo como pano de fundo a sua relação complexa e atormentada com a fé. Aos 74 anos, Bruno Latour é um intelectual católico excepcional, embora negue. Durante mais de uma hora, apesar do cansaço da doença, ele nos recebeu em sua casa parisiense para nos descrever os contornos de sua relação particular com Deus, ou melhor, com os seres religiosos, como ele os chama. Uma palavra que tem seu peso nestes tempos conturbados.
Nas oficinas de autodescrição que você organiza, os participantes fazem seu mapa geográfico dos vínculos. Qual é o seu mapa religioso?
Na adolescência, fui muito ao centro de estudos do Saulchoir, perto de Paris, administrado pelos dominicanos, quando a biblioteca não estava em Paris. Em relação à história da arte, há muitos lugares que me atraem, mas minha relação com a religião não está ancorada em lugares específicos. Enfim, sim, ainda há um: a pequena igreja de Montcombroux-les-Mines, no Allier, que permaneceu intacta nos últimos 1000 anos...
Também nessas oficinas, a primeira pergunta feita é: “Qual é a sua pedrinha no sapato?” Nós a removemos para você…
O tema da impossibilidade da transmissão. Este é o tema do meu livro Júbilo ou os tormentos do discurso religioso (Editora Unesp, 2020). Li recentemente uma entrevista com o cardeal luxemburguês Jean-Claude Hollerich, que evoca o futuro do catolicismo: para ele, devemos manter a mensagem, mas adaptar sua expressão. Mas é mais sério do que isso!
Como o único conteúdo verdadeiro da mensagem dos seres religiosos é a capacidade de converter aqueles a quem se dirige, isso torna a transmissão possível, mas extremamente difícil na prática. Porque confundimos a capacidade da pregação de mudar a pessoa que a recebe com o conteúdo de uma mensagem a ser transmitida. É como se estivéssemos tentando definir as informações ligadas à palavra amorosa. Isso não faz nenhum sentido. Tudo está na maneira de como se diz.
Essa dificuldade me atormentou durante muito tempo. E a situação ficou ainda pior. A única coisa nova e potencialmente positiva é a mutação ecológica. Ela obriga os católicos a pensar diferente e, finalmente, a sair dessa questão: devemos modernizar a Igreja ou não? Com a Laudato Si’, um texto combativo e também uma pregação profética, o Papa Francisco introduz uma reinterpretação bastante radical da situação dos enunciados de fé, em um novo contexto cosmológico.
Qual é, na essência, a contribuição da encíclica?
É uma reinterpretação da vida na Terra. Na época moderna, a teologia tornou-se moral. Ela estava interessada na alma, não no mundo. Até agora, a estrutura físico-química era estável e os humanos estavam tentando navegar por ela. A mutação ecológica destaca um mundo em mudança, onde se coloca a questão da habitabilidade. Essas mudanças, o papa é capaz de captar.
Como podemos fazer com que a busca de formas de continuar esta vida na Terra, enquanto levamos uma “vida boa”, volte a alimentar as questões teológicas? É aqui e agora, não depois. Como diz meu amigo Frédéric Louzeau, padre e professor no Colégio dos Bernardinos, temos que lidar tanto com a deserção dos jovens no catecismo quanto com as zonas úmidas maltratadas!
Você poderia definir sua relação com a pregação?
É uma palavra que ressuscita, “re-ssuscita”. O resto, o aparato dogmático, é uma captura, uma administração, uma organização das transformações feitas por essa pregação. A pregação vem em primeiro lugar. Todo o resto é secundário. Funciona assim há 2000 anos. Só que agora, o que estava em segundo lugar passou para o primeiro, e a religião católica se transformou em uma identidade. O que é primeiro permanece audível, mas é preciso realmente ouvir!
Você se considera um pregador?
Ai, ai, não! Mas eu vou à missa para ouvir certos padres!
O seu estilo de escrita, muito pessoal, que mistura poesia, filosofia, sociologia, desperta emoções, um movimento. Você interpela…
Infelizmente, os clérigos assumiram um tal poder que pessoas como eu não podem pregar. Eu teria gostado. Com poucas exceções, as pregações tornaram-se mingaus psicologizantes dignos de séries de TV. “Jesus pensa que”, “ele se comove”... Nenhum trabalho sobre os textos é feito. Em Saint-Gervais, em Paris, onde tento ir à missa, há bons pregadores. Meu amigo Louzeau é um, porque ele é um grande espiritual.
Você se define como um não crente, mas católico praticante. Este ainda é o caso?
Não sou descrente, sou agnóstico! A crença não é a categoria certa para apreender a questão religiosa. A crença dirige-se ao que é segundo, não primeiro: o Bom Samaritano baseia-se no ato em si, não lhe interessa o que acredita a pessoa ferida que está à margem do caminho. Meu argumento é que as questões religiosas têm sido abordadas desde o século XVII através do meio inadequado da crença.
Foi decretado que ela tem a mesma forma que o conhecimento, exceto que não é demonstrável. Você crê ou não? Minha resposta é, pois, não, porque é uma questão mal colocada. Da mesma forma, rejeito a qualificação de intelectual católico, que é mais um peso para carregar!
Como você qualificaria sua relação com Deus, a quem você às vezes chama justamente de D.?
Empregar este vocábulo “Deus”, que reenvia a uma estrutura teológico-metafísica, não é necessariamente uma boa ideia. “Presença” não é um termo ruim. Prefiro falar de seres religiosos. Muitas vezes nos enganamos sobre eles. São seres delicados, que sempre comportam uma forma de incerteza. Nos textos da liturgia católica destes últimos dias, vemos o que acontece com Samuel: “Samuel! – Você me chamou, aqui estou! – Não, eu não te chamei!” (1 Samuel 3, 6).
Não devemos nos apressar para nomear esses seres. Eles são seres de fala, altamente sensíveis à maneira como falamos com eles e como falamos sobre eles. Nós os procuramos no ar, mas esses seres nos trazem de volta à Terra, ao presente. Não é um depósito: você tem que interpretar essa presença, fazê-los falar. “Palavra” não é um nome ruim, afinal.
Você fala com esses seres?
Eles se impõem!
Esses seres, alguns os chamam de Cristo, santos, anjos...
O que vale é multiplicar os termos, sem se apegar a eles, e sempre entendendo-os primeiro como um movimento, como nomes que transformam.
Você se dirige a eles na oração?
Eu não sou um grande homem de oração! Os seres se impõem através dos textos. Eu sou assinante da Magnificat (revista mensal que propõe a oração diária com a liturgia católica, nota do editor), de cujo comentário que acompanha o texto bíblico gosto muito. Eu tapo a referência quando abro a página do comentário e tento adivinhar sua época... Deve-se reconhecer que a partir do século XVIII-XIX, tornou-se muitas vezes uma bobagem!
Às vezes, nosso bom papa cede a isso... Da mesma forma, a liturgia do dia na Magnificat muitas vezes começa com um hino poético de uma nulidade extraordinária! Logo depois, os Salmos, embora muito antigos, carregam os elementos da Palavra.
Você experimenta a presença de Deus contemplando uma bela paisagem?
De jeito nenhum! Esta experiência é uma das emanações do princípio sublime associado ao Deus metafísico. Tudo bem, exceto que a questão ecológica torna o sublime impossível. Este espaço onde estamos desaparece. Ele é maltratado, ele grita. O sublime era o que se podia olhar de longe, para desfrutá-lo, sem ser responsável por isso. Agora, devemos ouvir o “clamor da Terra”, como diz o papa.
Entre as figuras espirituais que contaram em sua vida, está o seu tio padre Latour, sua irmã Claire...
O padre Henri Latour é irmão do meu pai. Nós nos instalamos perto dele na década de 1970 na ZUP de Dijon (Côte-d'Or). Ele estava fazendo uma experiência de diminuir progressivamente o ritual, o que resultou na não construção de igreja! No final, não sobrou nada (risos).
Minha irmã Claire, 18 anos mais velha que eu, foi uma das primeiras irmãzinhas do padre Foucauld. Ela morou na Amazônia, depois na Polônia e na Rússia. Ela foi uma das que derrubaram o Muro de Berlim! Dos oito filhos que éramos, ela teve a vida mais interessante. Era a santidade encarnada.
André Malet, seu diretor de tese na Universidade de Dijon, tradutor da obra exegética do biblista Rudolf Bultmann, também desempenhou um papel...
Ele me iniciou na exegese, que era a base de tudo que eu digo, de forma desajeitada. Se não se compreende como os textos se transformam de geração em geração, como são inventados para responder a sucessivas questões, perde-se o fio da palavra escrita. Com Bultmann, aprendi a ligação entre verdade, reinterpretação e inovação. Li-o como leitor de [Charles] Péguy, cujos livros também me acompanham desde a infância.
Você já tentou se converter ao protestantismo, como André Malet, um padre que se tornou pastor?
Eu sou um verdadeiro católico nem um pouco católico, um católico nem um pouco ortodoxo, mas tenho essa ideia bizarra de que você tem que guardar tudo. As guerras religiosas ainda continuam. É sempre a escolha entre reforma e união. Como ter uma palavra mais direta, quando o discernimento só pode ser coletivo? Como construir o coletivo capaz de discernimento, isto é, a Igreja, e como não desesperar desta Igreja para manter a possibilidade da unidade? Ainda estou nesse dilema.
Em seu livro “Investigação sobre os modos de existência: uma antropologia dos modernos” (Vozes, 2019), você escreve: “O Deus transcendente, que de repente reaparece e exige sua inclusão em um mundo que ia muito bem sem ele!”. Você, por sua vez, está em uma nova relação com esses seres religiosos?
Tenho pena desses seres! Porque eles não têm os veículos que permitem que eles sejam conhecidos. A prova: eu realmente não posso falar com meus netos sobre isso. Minha pedrinha no sapato ainda está aí, é muito mais importante do que desaparecer, que faz parte da vida. Para mim, esses seres fazem parte do coletivo, como a ciência, a tecnologia... É gravíssimo que, em nossa sociedade, o religioso tenha se tornado incompreensível. Isso significa que as pessoas correm o risco de não mais se sentirem capazes de salvação!
O que é a salvação para você?
Você está salvo, você é eterno. Algo está definitivamente acontecendo no tempo em que estamos. Assim como o povo eleito foi escolhido, ele e não outro. O Bom Samaritano procurará o ferido, aqui e agora, enquanto os outros, o levita, o sacerdote, permanecerão na devoção e seus negócios a administrar.
Você já viu Não Olhe para Cima, de Adam McKay?
Duas vezes! É um bom filme de Hollywood, e me diverte que os ambientalistas acreditem ver nele uma magnífica defesa de sua posição, porque desafia a todos! Todos são ridicularizados! A mídia, a política, a indústria, mas também os ambientalistas. Este é o significado do nosso Mémo pour une nouvellle classe écologique (La Découverte): os ecologistas ainda não fizeram o trabalho de modificar as posições uns dos outros.
Você acha que estamos vivendo em tempos dignos de Apocalipse?
Não necessariamente o Apocalipse, mas estamos em uma era escatológica, no sentido próprio do termo. Mas a escatologia não é um tema temporal. É antes de tudo um tema espacial. Tem havido um exagero em massa sobre a dimensão do tempo da escatologia. Não é o fim dos tempos, mas o fim do espaço em que nos encontramos. A escatologia não é para depois: é agora.
Em seu Mémo pour une nouvellle classe écologique, você escreve: “A ecologia repousa no lugar e na concepção dos limites: (…) ela contradiz a paixão moderna pela contínua superação das barreiras”. O que você acha de ecologistas como José Bové, minoria em seu movimento, que recusam a PMA e a GPA em nome dos limites?
Os limites de que estou falando são planetários: não vamos deixar o mundo dos vivos, mas isso não diz nada sobre como os vivos devem se interconectar entre si. Deste ponto de vista, não podemos estabelecer limites em nome da lei natural preconizada pela Igreja: ela nada tem a ganhar nesta matéria.
Por outro lado, o vocabulário emprestado do liberalismo da escolha indefinida das soluções da reprodução sexual não faz jus à complexidade das questões do engendramento e das dúvidas que ele suscita. Devemos ser capazes de escapar da simples oposição entre lei natural implausível e progressismo. Mas essas são questões que se tornaram impossíveis de discutir. Há muitos tabus em ambos os lados. O encontro com os católicos que dizem ser um pouco “reacionários” e os outros talvez fosse produtivo!
Além disso, me pergunto por que essas questões são objeto de uma guerra cultural. Devemos ir além dessas questões, que se tornaram um marcador identitário. Elas se tornaram um reflexo condicionado de programas políticos, como a energia nuclear para os ecologistas! Esses assuntos são um sintoma da crise do engendramento que estamos atravessando.
O que você quer dizer com “crise do engendramento”?
Essa é a questão fundamental que está por trás dos debates sobre a extensão do gênero, a luta contra o aborto, a grande substituição, a extinção das espécies... É uma infinidade de sintomas de um fenômeno de ansiedade, de quem se pergunta: será que vamos ter futuro? Podemos nos reproduzir?
O que você acha da ascensão do sentimento de identidade entre os católicos?
A identidade é usada para manter Saint-Nicolas-du-Chardonnet (a paróquia lefebvrista em Paris, nota do editor), mas não manterá a Igreja Católica. É uma reação defensiva que afeta mais do que os católicos. Os tempos são propícios para isso. O limite do mundo nos aparece como algo opressivo. Provações como a Covid despertam essa ansiedade, que ainda não encontrou sua tradução e sua linguagem. Na parábola do mau administrador (Lucas 16, 1-18), aquele que enterra sua dracma em vez de colocá-la para render, para não ser punido por seu senhor, bem, ele a perde! Quem quiser salvar seu dogma vai perdê-lo!
“Se você conhecesse o dom de Deus” (João 4, 10). Essas palavras são ditas durante o encontro de Jesus e da mulher samaritana no poço de Jacó. Por que essa passagem aparece em seu livro “Investigação sobre os modos de existência”, que revisita o cerne da nossa vida coletiva (ciências, tecnologia, direito, religião etc.)?
Este encontro com a mulher que vem para buscar água no poço é um dos incontáveis momentos magníficos do Evangelho. É uma definição muito bonita de fé… É algo que te atinge, e que resume a existência.
O que a “Investigação sobre os modos de existência” representa em sua carreira?
É o livro mais importante. Se queremos passar de uma cosmologia a outra, sem perder nada, devemos reinstituir, reabilitar, reparar todos esses modos. A ciência em particular, com a epistemologia, a religião, a economia, a política... Instituir esses modos lado a lado, sem hegemonia. É complicado, porque a ideia de hegemonia continua forte em nossa civilização, em parte, deve-se reconhecer, por causa do cristianismo depois de Constantino. A Igreja achava que podia regular tudo: a política, a economia, a moral... Isso fica na cabeça das pessoas. As ciências vieram em seguida para desafiar a hegemonia da religião, que permanece na defensiva.
Aceita ler conosco o final do poema de Francisco de Assis, o Cântico das Criaturas? “Louvado sejas, meu Senhor, / por nossa irmã a Morte Corporal / da qual homem algum pode escapar. / Ai daqueles que morrerem em pecado mortal; / felizes são aqueles a quem ela surpreenderá fazendo a tua vontade, / pois a morte segunda não lhes fará mal”.
Ainda estou muito emocionado com esse trecho...
No ocaso da sua vida, isso lhe diz alguma coisa?
Isso deve dizer algo a todos! Especialmente para aqueles que, como eu, se familiarizaram com esse negócio de morte. É através desta reintrodução na vida que este poema é magnífico: os seres religiosos judaico-cristãos nos dizem que estamos salvos, mas no tempo, sem poder escapar para outro lugar ou mais tarde! Isso é genial! Você está salvo, você está impedido no tempo que passa sem sair dele, e isso dá à existência sua qualidade definitiva.