15 Mai 2021
“Ninguém é profeta em sua própria terra”. Até recentemente, o dito se aplicava muito bem a Bruno Latour. As reflexões proteiformes traduzidas para 30 línguas do sociólogo, filósofo e antropólogo sobre as instituições (A fabricação do direito. São Paulo: Editora Unesp, 2019), as técnicas e as ciências (A Vida de Laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997) interessavam pouco aos franceses.
A reportagem é de Pascale Tournier, publicada por La Vie, 18-03-2021. A tradução é de André Langer.
Tivemos que esperar Onde aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno (Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020), publicado em 2017, e principalmente Où suis-je ? Leçons du confinement à l’usage des terrestres (La Découverte, 2021) (Onde estou? Lições do confinamento para o uso dos terrestres), que está no topo dos livros mais vendidos, para que sua visão de ecologia política fosse finalmente reconhecida. Melhor ainda, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, o deputado europeu EELV Yannick Jadot e o prefeito de Lyon, Grégory Doucet, interagem diretamente com ele.
Bruno Latour (Foto: Ulysse Bellier | Flickr CC)
Foto: Reprodução da capa do livro
A crise sanitária, que embaralha as cartas, sem dúvida não é estranha a esta efervescência. Neste momento tão singular, Bruno Latour oferece um quadro adequado. “Ele se esforça para fornecer uma base filosófica para pensar sobre a era do Antropoceno”, disse o pai e diretor do polo de pesquisa do Collège des Bernardins, Frédéric Louzeau, um dos seus ex-alunos da École des Mines e que trabalha com ele desde 2014.
Misturando termos eruditos, formas poéticas e metafísicas (às vezes difíceis de acompanhar), o septuagenário populariza um certo número de conceitos. Existe a “hipótese Gaia”, promovida nos anos 1970 pelo britânico James Lovelock, que se refere a todos os seres vivos capazes de se autorregular para promover a vida; a “zona crítica”, a fina camada que recobre a terra “entre o céu e as rochas” da qual todos dependemos e que se trata de preservar. O diretor científico da Sciences Po também propõe novas categorias sociais. Assim, os “extratores” exploram os recursos e os “reparadores” tentam limitar sua pegada.
“Católico praticante, mas descrente”, como ele se define, sempre colocou a religião no seu campo de visão. Sua tese, “Exegese e ontologia”, contém numerosas páginas sobre o estudo do Evangelho segundo São Marcos e, como o título indica, o livro Júbilo ou os tormentos do discurso religioso (São Paulo: Unesp, 2020) questiona a enunciação do discurso religioso.
Desde que deu uma conferência no Bernardins em 2017, dedicada às fontes da insensibilidade ecológica, ele vem examinando o lugar que a teologia cristã poderia ocupar nesta nova relação com o mundo. “O abandono da cosmologia moderna permite que a Igreja se faça ouvir, e as mudanças ecológicas dão uma chance para o Evangelho ser melhor compreendido”, acredita Frédéric Louzeau, que colabora com ele em um futuro livro sobre o assunto e que acaba de lançar uma nova disciplina “Laudato Si’” no Collège des Bernardins.
Em Onde estou?, o filósofo oferece algumas ideias. Com o fim da distinção entre o material e o espiritual, o alto e o baixo, o Cristianismo é chamado a se dirigir para o aqui embaixo, a se reconectar com a imanência. “A figura da encarnação ressoa com aquela da aterrissagem”, escreveu ele.
Mas circunscrever o pensamento de Bruno Latour exclusivamente ao registro teórico seria um grande erro. Interessado nas formas estéticas, ele projetou uma exposição para o museu de Karslruhe, na Alemanha (Reset Modernity, em 2016). Segundo ele, a arte pode fazer experimentar a realidade do novo regime climático.
Aquele que se apoia em pesquisas de campo desde o início de sua carreira, principalmente na década de 1970 na Costa do Marfim e na Califórnia, propõe com o consórcio Onde aterrar? um método original de oficinas, na fronteira da arte e das ciências sociais e financiado pelo Ministério da Transição Ecológica. O objetivo é demonstrar fisicamente a necessidade de agir para “manter as condições de habitabilidade” da zona crítica. Uma maneira de se reconectar com o político a partir de baixo e do concreto.
Assim, Bruno Latour e sua equipe de jovens e artistas, entre os quais se encontram sua esposa Chantal e sua filha Chloé, convidam os cidadãos, assim como etnólogos iniciantes, a descrever, com a ajuda de uma bússola desenhada no chão, suas condições de existência e as relações que mantêm com todos os seres vivos (humanos, não humanos, instituições, etc.).
“Colocada no centro, cada pessoa fala de si. À direita, indica o que a faz viver; à esquerda, o que a ameaça”, explica o arquiteto Soheil Hajmirbaba, um dos colaboradores. É, por exemplo, para um participante, o fim da noite devido à iluminação da garagem de seus vizinhos que o incomoda, para outro a má qualidade do isolamento térmico de sua casa.
Cabe a cada pessoa traçar um novo mapa dos territórios destacando as redes de dependência e, a contrario, as alianças possíveis, por exemplo, com um vizinho que passa pelas mesmas dificuldades que ela.
Essas formas experimentais de democracia, que podem ser confusas à primeira vista, foram criadas com voluntários em Saint-Junien (Haute-Vienne) e em La Châtre (Indre). O prefeito de Ris-Orangis (Essonne) também adotou o método, e os vereadores de grandes metrópoles estão interessados no processo.
A Igreja não fica de fora. Desde 2018, oficinas de autodescrição foram realizadas em Saint-Éloi, Coolus (Marne), Saint-Gabriel, Paris e Sainte-Jeanne-Delanoue, Saumur (Maine-et-Loire). Uma maneira de apoiar a iniciativa Igreja Verde.
Para a teóloga Anne-Sophie Breitwiller, que anima essas oficinas, “esse método é uma estrutura para colocar a Laudato Si’ em prática. Compreendemos melhor a ‘dolorosa consciência’”. Bruno Latour acompanha de perto o que está sendo dito. Porque, para ele, assim como a política, a tradição cristã pode ser uma verdadeira alavanca de transformação.
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Bruno Latour, o novo profeta da ecologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU