23 Dezembro 2021
"Se houvesse um anúncio de Natal para os duvidosos, os hesitantes, os angustiados e as angustiadas sobre a escolha certa? Uma alvorada que se abre sobre o “não temer” do mensageiro, que nos liberta da ansiedade de fazer ou não fazer a coisa certa, e que nos autoriza a correr riscos, talvez errar, gerar", escreve Yann Redalié, em artigo publicado por Riforma, semanário das igrejas Evangélicas Batistas Metodistas e Valdenses, 24-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
“O nascimento de Jesus Cristo aconteceu assim. Maria, sua mãe, havia sido prometida a José e, antes que fossem viver juntos, ela se descobriu grávida pela obra do Espírito Santo.
José, seu noivo, sendo justo e não querendo expô-la à infâmia, decidiu repudiá-la em segredo.
Mas enquanto tinha essas coisas em sua mente, um anjo do Senhor apareceu a ele em um sonho, dizendo:
“José, filho de Davi, não tenha medo de tomar Maria por tua esposa; ela concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, porque é ele quem salvará o seu povo dos seus pecados”. Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia dito por meio do profeta: "A virgem estará grávida e dará à luz um filho, a quem será dado o nome de Emanuel", que traduzido significa: "Deus conosco" (Mateus 1, 18-23).
Maria está grávida, José seu noivo e homem justo, reage com perguntas e dúvidas. O que fazer? Deixar Maria? Mas, sem expô-la à infâmia? Deixá-la em segredo? Fazer a coisa certa.
Entramos no relato do nascimento de Jesus através das dúvidas de José. Neste episódio pintado pela tradição natalícia como nos ícones ou nos retábulos, vislumbramos a incerteza e, portanto, a autenticidade. Como fazer a coisa certa? Claro, esse relato não é a reconstrução psicológica de uma crise de casal devido a uma maternidade inesperada, mas sim uma meditação sobre a origem paradoxal de Cristo Jesus, filho de Maria, também conhecido como filho de José, proclamado filho de David segundo a genealogia de José e, ao mesmo tempo, filho de Deus, vindo do Espírito. Diante dessa "pluri-paternidade", há espaço para as dúvidas de José. Também muito concisa e muito teológica, a história dá espaço aos pensamentos que agitam José. Hesitação e incerteza que sentimos próximas. A tensão surge do fato de ser "noivo" e homem "justo" diante de um nascimento fora de tempo, fora da lei, fora de lugar.
Justo, José é, mas não fanático; ele se preocupa com as consequências para Maria daquela que seria a escolha certa, o repúdio. José não quer expor Maria à infâmia.
Ele não quer ter na consciência o peso de um apedrejamento. Procura uma solução mais equilibrada: “deixá-la em segredo”. Em certo sentido, a justiça de José é o primeiro obstáculo ao plano de Deus.
“Mas enquanto ele tinha essas coisas em sua alma, um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonho, dizendo: ‘José, filho de Davi, não temas!’".
As dúvidas de José não teriam fim se um anjo não aparecesse em seu sonho. I have a dream, para fazer alusão a um discurso famoso. I am a dreamer por lembrar uma canção famosa.
A busca pela escolha certa é interrompida por um curto-circuito. Mas, é demasiado fácil resolver os problemas graças a aparições milagrosas? É uma forma de não ter que lidar com a realidade? Isso oblitera a autenticidade que pensávamos reconhecer nas dúvidas de José? E se houvesse um anúncio de Natal para os duvidosos, os hesitantes, os angustiados e as angustiadas sobre a escolha certa? Uma alvorada que se abre sobre o “não temer” do mensageiro, que nos liberta da ansiedade de fazer ou não fazer a coisa certa, e que nos autoriza a correr riscos, talvez errar, gerar.
“Ela concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus".
O Espírito é Sopro para viver. Sopro e Espírito também expressam o não domínio diante dos eventos. Nada nos pertence e tudo nos é dado ... ou cai sobre nós. No entanto, somos dados a reagir. Somos chamados a interpretar, como se costuma dizer sobre o músico que toca uma página de bela música. Maria e José são os primeiros dois intérpretes da partitura da nova criação, na tensão entre o não domínio humano e a capacidade de receber e acolher um plano que supera o humano, que vem do Espírito Santo. Maria e José, portanto, tem uma parte ativa nos acontecimentos: arriscar a interpretação da partitura que lhes é confiada.
Maria carregará o filho e o dará à luz. José, ele, é convidado a realizar duas ações: tomar Maria por esposa, acolhendo-a sem reticências, e dar ao filho o nome de Jesus. Acolher o chamado da origem, do Sopro criador, Espírito recriador que surpreende, interrompe a linearidade, mesmo a das genealogias, que indica este algo indizível, "que se cumpre num espaço que nunca a palavra cruzou" e é presente em cada vida humana. Nomear, dar o nome e assim inscrever assim nas heranças, nas tradições e nas expectativas, dando sentido e direção às nossas filiações; ousar gerar na história nomes, que lembram outros nomes e projetos, outros programas e tarefas.
Com essas duas ações, José, questionado como filho de Davi, reata os dois fios do nascimento de Jesus: verdadeiro filho de Deus que vem do Espírito, verdadeiro filho de Davi para a genealogia.
E assim se cumpre a palavra do profeta: ao filho nascido “será dado o nome de Emanuel, que traduzido significa: ‘Deus conosco’”. Existe um Natal para os duvidosos e os hesitantes, para os angustiados por fazer a coisa certa. Também nós estamos autorizados e autorizadas a gerar.
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Natal para os duvidosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU