21 Dezembro 2021
As denúncias de freiras que no convento sofrem abusos de poder, de consciência e sexuais por parte de suas superioras são muitas. Mas o que foi feito de concreto pelas instituições eclesiásticas para remediar isso? Nada ou pelo menos muito pouco, principalmente se considerarmos que esse tema não é mais tabu já há alguns anos. A primeira denúncia chegou, em março de 2018, com um artigo de Marie-Lucile Kubacki publicado no L'Osservatore Romano, na época dirigido por Giovanni Maria Vian, sobre as religiosas exploradas como domésticas por cardeais e bispos, especialmente dentro da Cúria Romana.
O Papa Francisco, durante uma reunião de chefes de dicastério, pediu que não tratassem mais as irmãs como servas, mas que contratassem empregadas ou empregados leigos, indicando como exemplo um cardeal que sempre teve uma senhora que mantém sua casa limpa e arrumada e providencia suas refeições cotidianas. Palavras que até agora caíram em ouvidos surdos.
A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 20-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um ano depois, em fevereiro de 2019, a professora Lucetta Scaraffia, na revista feminina mensal do jornal do Papa, Donne Chiesa Mondo, escreveu sobre os abusos sofridos pelas religiosas. Quase três anos após essa denúncia, o cenário, para dizer o mínimo inquietante, não mudou em nada, como demonstram os numerosos testemunhos de freiras abusadas publicados no recente livro Il velo del silenzio (O Véu do Silêncio, em tradução livre, San Paolo) de Salvatore Cernuzio, vaticanista do Vatican News. O próprio Bergoglio, recebendo recentemente em audiência os participantes da plenária da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, o dicastério da Santa Sé que trata dos religiosos, de fato certificou que nada foi feito em resposta às tantas denúncias dessas violências.
Il velo del silenzio. Abusi, violenze, frustrazioni
nella vita religiosa femminile
“No discernimento e no acompanhamento - explicou o Papa - há algumas atenções para manter sempre presentes. A atenção aos fundadores que às vezes tendem a ser autorreferenciais, a se sentirem os únicos depositários ou intérpretes do carisma, como se estivessem acima da Igreja. A atenção à pastoral vocacional e à formação proposta aos candidatos. A atenção à forma como se exerce o serviço da autoridade, em particular no que se refere à separação entre os fóruns interno e externo, tema que tanto me preocupa, à duração dos mandatos e à acumulação de poderes. E a atenção aos abusos de autoridade e de poder. Sobre este último tema tive em mãos um livro recentemente publicado por Salvatore Cernuzio sobre o problema dos abusos, mas não dos abusos flagrantes, sobre os abusos do dia a dia que tanto prejudicam a força da vocação”.
Como evitar isso? O padre jesuíta Giovanni Cucci, que escreveu atentamente sobre esse tema em julho de 2020 no La Civiltà Cattolica, indicou alguns caminhos possíveis. Para o religioso, “dar às vítimas de abusos a oportunidade de fazerem ouvir a sua voz foi mais um passo decisivo para que as autoridades tomem posição, até chegar a implementar programas de prevenção em nível de toda a Igreja. O alvoroço levantado pela mídia sobre os abusos sexuais dos padres, apesar do sofrimento a respeito, também contribuiu para criar uma sensibilidade diferenciada ao problema; do mesmo modo, com a publicação dos testemunhos, espera-se que tal atenção possa ser reservada também aos abusos de autoridade e de consciência, desmascarando atitudes enganosas e não condizentes com os valores da vida religiosa, ainda que proclamadas em palavras. Tudo isso para concretizar passos à frente em relação a quem sofre e sofreu”.
O sacerdote está, de fato, convencido de que “falar do problema já é um passo para a cura, que exige um clima de atenção, acolhimento, escuta e pessoas preparadas para esta difícil tarefa. Às vezes, leva anos para a vítima ser capaz de dizer a si mesma antes que a outros a gravidade do que sofreu, e leva tantos (ou talvez mais) para 'juntar os pedaços’, silenciar os sentimentos de culpa (muito presente no abuso) e colocar no lugar certo o papel, o poder e a responsabilidade de quem abusou.
Mas este é apenas um primeiro passo e requer outros, igualmente importantes, para que as vítimas, em particular as religiosas que são obrigadas a sair por graves motivos de consciência, possam usufruir das possibilidades de reintegração num novo ambiente. Além de ser um ato devido de justiça, representa um exemplo concreto de atenção e acolhimento do sofrimento dessas pessoas, que em muitos casos desejam continuar sua vida como consagradas. Para implementar uma mudança de mentalidade, é essencial introduzir explicitamente o tema da prevenção dos abusos (nas suas várias formas) e do acompanhamento das vítimas no programa de formação”.
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Abusos e exploração das freiras, denúncias desde 2018, mas nada mudou na Igreja. Apesar dos avisos de papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU