10 Setembro 2021
No YouTube circula um vídeo publicado em 2016 pelo portal católico Keresztény Élet: Budapeste acabara de ser anunciada como o site do congresso eucarístico internacional que deveria ser realizado em 2020 - adiado devido à pandemia - mas a maioria dos entrevistados húngaros (a maioria jovens) não sabia o que era um congresso eucarístico. Com dez milhões de cristãos, entre católicos, greco-católicos e ortodoxos, a Hungria do governo de Viktor Orbán fez do catolicismo uma religião de estado e agora que o Papa Francisco está prestes a celebrar a missa final do congresso na Praça dos Heróis no próximo dia 12 de setembro, sua presença entre nacionalistas e conservadores será como a de um elefante em uma loja de cristais.
A reportagem é de Marco Grieco, publicada por Domani, 09-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco quer evitar que sua visita sirva para legitimar o nacionalismo de Orbán, não importa se ele celebrará a statio orbis e a missa final na praça onde estão erigidas as estátuas dos líderes das sete tribos fundadoras do país: "Não vou ao centro de Budapeste", o pontífice limitou-se a dizer à Rádio Cope há poucos dias, redimensionando a reação política de sua visita: "No final da missa, há as saudações formais. Não sei quem eles vão enviar. Uma coisa que eu faço é não ir com um script. Quando encontro uma pessoa, olho-a nos olhos e deixo as coisas correrem", explicou, questionado sobre um possível encontro com o dirigente do partido Fidesz, omitindo, no entanto, o que já estava escrito preto no branco no programa oficial, ou seja, um encontro com o Presidente da República e o Primeiro-Ministro perto do Museu de Belas Artes de Budapeste.
Além disso, causou surpresa a visita apostólica de três dias consecutivos anunciada por Francisco à vizinha Eslováquia, que terá início no mesmo dia da celebração húngara. Porta-voz apical de uma Igreja que encarna o oposto da linha do governo de Orbán, Francisco quer assim oferecer aos católicos húngaros a possibilidade de reparar uma linha que não coincide com o Evangelho, especialmente em termos de migrantes e direitos: “O mundo todo vais estar olhando o papa”, recentemente declarou o arcebispo Péter Erdő.
Nas questões sociais, as de Bergoglio e Orbán parecem como duas linhas paralelas e não coincidentes. O peso político da divisão é tal que também criou distância entre o próprio papa e parte do clero nacional.
Quando Francisco estava prestes a partir para a Romênia em 2019, onde visitaria o santuário mariano de Csíksomlyó, ponto de encontro de nacionalistas húngaros e simpatizantes de Orbán, os jesuítas da revista estadunidense America o convidaram a desconfiar de "populistas de direita que poderiam tentar usar a viagem para encorajar atitudes hostis em relação a migrantes e refugiados”.
O jornalista Marc Roscoe Loustau referia-se à lei decretada pelo executivo Orbán, que de fato condena aqueles que promovem e prestam assistência a migrantes sem documentos, por serem considerados fora da lei. Mas o provincial dos Jesuítas da Hungria, pe. Vízi Elemér, criticou os coirmãos estadunidenses pelo viés político do artigo.
Na véspera desta viagem, outra lei poderia lançar discórdia, ou seja, aquela que proíbe a representação e a promoção da homossexualidade a menores de 18 anos e estigmatiza as relações entre pessoas do mesmo sexo.
Ambas as normas traçam as linhas programáticas que Orbán já havia revelado no congresso dos partidos populares europeus em Malta em 2017: “A esquerda tem um plano de ação claro para transformar a Europa. Querem deixar entrar milhões de muçulmanos [...]. Seria fatal para a Europa. Perderíamos a nossa identidade cristã”.
Além disso, a Igreja Católica húngara não esconde uma certa consonância com as instâncias governamentais. Na paróquia da Assunção, em Budapeste, o sacerdote e teólogo Zoltán Osztie, ex-presidente da Associação Nacional dos Intelectuais Cristãos, classificou a comunidade LGBT como “terrorista” em entrevista ao portal Vasárnap: “As pessoas no lobby LGBTQ são terroristas. Cometem violências contra as crianças”. A posição da sociedade civil é diferente: de acordo com uma pesquisa realizada pela RTL Klub em uma amostra de mil pessoas, mais da metade (56 por cento) declarou ser a favor das uniões LGBT, com maior acolhimento por parte das mulheres e gerações mais jovens que residem em grandes centros urbanos.
O que a Europa definiu como uma "lei anti-LGBT" é uma norma - votada também pelo partido de direita Jobbik - destinada a combater a pedofilia. No entanto, é singular que falte qualquer referência aos abusos na igreja: enquanto dos Estados Unidos à Alemanha estão reaflorando os casos prescritos, até agora na Hungria nada apareceu de anterior à queda do bloco soviético.
Péter Urfi, jornalista do 444 e especialista no tema, encontrou até agora um total de 32 casos de abusos confirmados, apesar de ter abalado a opinião pública o vídeo-confissão de Átila Pető, que sobreviveu ao abuso de um sacerdote, mas não o conturbado processo para obter justiça.
Enquanto na vizinha Polônia os abusos na igreja estão se tornando um problema, em junho passado a Conferência Episcopal húngara emitiu um comunicado breve, mas contundente, no qual, mesmo colocando-se na linha de prevenção e contraste do Papa Francisco, revelou uma espécie de estigmatização da questão: "Não serve aos interesses da sociedade quando são feitas declarações unilaterais que sugerem um nexo sistêmico e causal entre a vocação da Igreja e a ‘tendência’ para cometer um crime grave."
Quem pensa diferente é o expoente democrático Vadai Ágnes da Demokratikus Koalíció, que em 16 de junho apresentou no parlamento um projeto de lei antipedofilia que visa combater e rastrear os casos de ocultação dentro da Igreja. Os bispos o classificaram como uma "provocação política", mas em essência é o que o próprio Papa está pedindo, como mostram as extensas investigações na Europa continental.
O tema dos abusos é a última peça de uma aliança política-igreja que ao longo dos anos se fortaleceu, também graças a abundantes doações do governo de Orbán à Igreja Católica. Já em 2010, o presidente interino da Hungria, bem como um dos fundadores do partido Fidesz, Lászlo Kõvér, lembrou que desde 2010 o Estado húngaro gastou mais de dois bilhões de euros para sustentar as igrejas, e mais de cem milhões de euros para as comunidades eclesiais cristãs de língua húngara fora da Hungria - 30 milhões de euros foram alocados apenas no âmbito do programa Hungary Helps para ajudar os cristãos perseguidos ou em risco em diferentes partes do mundo.
Junto com essa atitude de abertura, o governo sufocou os pequenos enclaves budistas e judeus - com cerca de 100.000 judeus residentes, a Hungria hospeda a maior comunidade judaica da Europa Oriental - incluindo as micro congregações cristãs, que são as mais vigorosas opositoras às políticas do governo húngaro.
Ao longo dos anos, Fidesz se justificou dizendo que queria conter o abuso de subsídios estatais, mas teve que enfrentar a oposição de cara aberta de Iványi Gábor, chefe da Comunidade Evangélica húngara, que havia batizado os próprios filhos de Orbán. Com uma norma de 2011, o governo reduziu, de fato, o acesso a programas de financiamento a trezentas pequenas comunidades, a ponto de levantar as objeções ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que falou de violação da liberdade religiosa.
De acordo com as estatísticas publicadas no CIA World Factbook, na Hungria, os católicos representam 37,2 por cento da população e Orbán nunca perde a oportunidade de frisar a sua filiação, como fez ao participar do 12º encontro anual dos legisladores católicos realizado em Roma no último 27 de agosto.
Com uma visão de mundo diametralmente oposta, é difícil encontrar pontos em comum entre o Papa Francisco e Viktor Orbán. Ao anunciar sua visita ao congresso eucarístico, a Tv2 - emissora adquirida pelo ex-produtor de Hollywood Andy Vaina que, nomeado comissário da indústria cinematográfica húngara, a tornou de fato uma TV de propaganda - quis lembrar que, além do pontífice, este ano, participarão pela primeira vez os líderes da Igreja Ortodoxa.
Por enquanto, os dois lados se redimensionam. Resta ver se Budapeste valerá uma missa.
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As arestas que complicam a viagem do papa à Hungria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU