16 Novembro 2015
Apesar das críticas feitas à política contra imigrantes do primeiro-ministro Viktor Orban, a agência europeia de vigilância das fronteiras (Frontex) tem colaborado ativamente com as forças de ordem húngaras, que reprimem aqueles que atravessam a cerca instalada na fronteira com a Sérvia.
A reportagem é de Jean Baptiste Chastand, publicada por Le Monde e reproduzida por Uol, 13-11-2015.
Na sexta-feira (6), no tribunal de Szeged, no sul do país, o "Le Monde" assistiu a uma cena surpreendente: quatro réus kosovares, que haviam atravessado a cerca três dias antes, foram levados perante os juízes por dois policiais holandeses da Frontex, que dirigiam furgões de polícia registrados na Holanda.
Uma porta-voz da Frontex afirma que esses policiais eram unicamente encarregados do transporte.
"As viaturas mobilizadas pela Frontex podem servir para o transporte de imigrantes", ela diz.
No entanto, os policiais holandeses, na companhia de dois agentes húngaros, acompanharam os quatro réus, algemados e com os sapatos desamarrados, até os corredores do tribunal. Eles insistiram com seus colegas húngaros para que não faltasse água aos imigrantes enquanto eles aguardavam a sentença.
Os agentes da Frontex supostamente devem vigiar as fronteiras e remeter os migrantes imediatamente às autoridades húngaras.
"É surpreendente. A Frontex normalmente deve se ater a fazer o controle das fronteiras", protesta Julia Ivan, do Comitê Helsinque de Budapeste, que dá assistência a migrantes presos.
Cerca de 60 policiais de toda a Europa estão atualmente em Szeged, um número que tende a cair devido à diminuição das entradas de migrantes desde o fechamento da cerca que foi construída na fronteira com a Sérvia, no dia 15 de setembro.
A partir dessa data, 652 refugiados foram condenados, em virtude de uma lei que torna qualquer traspassamento da cerca um delito passível de cinco anos de prisão. Adotada pelo primeiro-ministro ultraconservador húngaro, essa política foi criticada com veemência pelas autoridades europeias.
Interdição de entrada em território
Em Szeged, o procedimento muitas vezes não dura mais do que 30 minutos por caso.
"No dia 3 de novembro, às 20h30, você foi vistoriado pela polícia e não conseguiu provar sua presença legal no território", lia, com uma voz um tanto cansada, o juiz encarregado de examinar o caso de Hashim (o nome foi modificado), um kosovar de 28 anos, enquanto seus companheiros esperavam no corredor.
"Você declarou que desconhecidos em Subotica —cidade sérvia do outro lado da fronteira— lhe ofereceram para ajudar a atravessar a fronteira por 150 euros por cabeça junto com 26 outros imigrantes. Você mantém sua confissão?"
Meio perdido, Hashim pergunta ao intérprete, um homem bruto visivelmente acostumado com esse procedimento, o que ele devia dizer, e acaba respondendo que "sim".
O promotor determina, com uma voz igualmente monótona, que o réu está "proibido de entrar na Hungria durante um ano", citando diversas circunstâncias atenuantes, como a confissão e o fato de ele não ter antecedentes criminais.
O advogado, apontado pelo tribunal, explica rapidamente que Hashim só queria "ajudar sua família indo trabalhar na Europa Ocidental".
Após uma breve deliberação, o juiz reconheceu Hashim "culpado pelo traspassamento clandestino da fronteira" e o condenou a um ano de interdição de entrada no território. Seus colegas receberiam a mesma pena.
"A maioria dos migrantes são condenados a um ou dois anos de interdição de entrada no território", confirma Erika Juhasz Praga, a porta-voz dos juízes de Szeged. E por que não a prisão? "Decidimos que esse crime não justificava uma condenação tão grave."
Contudo, após a condenação, os migrantes muitas vezes vão parar na detenção. Belgrado nega o retorno a seu território à maioria deles.
Segundo o Comitê Helsinque, somente 72 imigrantes foram enviados de volta à Sérvia desde setembro. Que fim levaram os demais?
"Segundo a lei, eles podem ser retidos por um período de seis meses. Atualmente há 700 pessoas em detenção esperando para serem enviadas para no mínimo seis prisões em todo o país", afirma Julia Ivan, que dá suporte a vários desses migrantes através da ONG.
O porta-voz do governo húngaro, Zoltan Kovacs, afirma que não há números precisos, mas confirma "que cerca de 800 pessoas" foram retidas ou ainda se encontram retidas.
"Elas estão na retenção, não em detenção. Em geral, nos acampamentos", explica Kovacs.
Até oito anos de prisão
Certos migrantes estão retidos ali há várias semanas, em uma total incerteza jurídica. A imprensa não tem direito de visitar esses centros.
"As condições de detenção não são ruins, mas eles não entendem por que estão sendo retidos", explica Julia Ivan. No dia 23 de outubro, na prisão de Nagifa, ao lado de Szeged, vários deles fizeram um motim para protestar contra sua detenção, desmontando as camas para bloquear as portas de suas celas. Indiciados por essas ações, agora eles podem ser condenados a até oito anos de prisão.
Para Ivan, os julgamentos dos imigrantes pelo traspassamento "contrariam a convenção de Genebra sobre os refugiados", cujo texto proíbe que se apliquem "sanções penais" aos refugiados "por entrada ou permanência irregulares". Essa análise é contestada pelo governo húngaro, que afirma estar punindo unicamente o traspassamento ilegal da cerca, e não da fronteira.
Certos migrantes condenados, no entanto, estão sendo soltos muito discretamente para esvaziar as prisões húngaras. "Mais de 30 sírios foram soltos sem maiores explicações no dia 5 de novembro", afirma Ivan.
Em Szeged, três refugiados convocados no mesmo dia escaparam misteriosamente antes do julgamento.
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Na Hungria, agência europeia conduz refugiados para julgamentos sumários - Instituto Humanitas Unisinos - IHU