26 Agosto 2021
No final, todos concordaram. A secularização? "Um dom de Deus que nos convida a entrar em uma nova profundidade de relações", senão, de fato, "uma vocação" (Rowan Williams, professor emérito de pensamento cristão contemporâneo na Universidade de Cambridge e ex-arcebispo de Canterbury). A incerteza deste tempo? “Um desafio que se torna uma oportunidade, um chamado que vem da realidade” (Julián Carrón, Professor de Teologia da Universidade Católica do Sagrado Coração e Presidente da Fraternidade Comunhão e Libertação). Onde leva esse chamado? “É um convite para crescer na fé, um convite para entrar em uma específica realidade a que não tínhamos acesso antes” (Charles Taylor, Professor emérito de Filosofia na Universidade McGill e vencedor do Prêmio Ratzinger 2019). Tudo isso parece um nonsense para vocês? E, em vez disso, Taylor testemunha, "há uma forte abertura na era secular".
A reportagem é de Paolo Viana, publicada por Avvenire, 25-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O encontro de ontem entre Charles Taylor, Julián Carrón e Rowan Williams, três dos maiores exploradores das fronteiras que dividem (e unem) fé e secularização é parte integrante da exposição homônima, apresentada este ano no Meeting. O enfoque, como já explicamos em Avvenire, é a possibilidade de viver a incerteza do presente e o fenômeno da secularização como uma grande oportunidade para a redescoberta, por um lado, da natureza do eu e, pelo outro, da originalidade do acontecimento cristão. Ontem à tarde realizou-se o “cara a cara” (mas apenas Carron estava presente fisicamente) entre os inspiradores desse percurso.
Para o presidente da Fraternidade Comunhão e Libertação, devemos ter “a lealdade necessária para acatar nossas perguntas” sem nos deixar travar pela incerteza - Concordam, a partir por Williams, sobre a necessidade de desmantelar a equação secular = mal. "Muitas vezes não sabemos como identificar o inimigo, que é Satanás e que se identifica com aquele que tenta nos convencer a não confiar em Deus." Para Carron, “percebemos a incerteza como inimiga porque acreditamos que a conhecemos e que não há possibilidade de realizar uma aventura ainda desconhecida. Então, a questão do medo é se - como diz Arendt - somos capazes de perceber um momento de crise como a possibilidade de fazermos perguntas que acabarão com muitas de nossas "certezas" e que nos farão descobrir algo talvez mais essencial para viver. Ou seja, se temos a lealdade necessária para acatar essas perguntas sem nos deixar travar pelo medo”.
Mas existe medo e medo. O que nos paralisa e o que nos estimula a mudar, como destacou Williams. Aquele que traz à tona a nossa impotência e que nos faz descobrir a importância de uma “presença” ao nosso lado, como a mãe que acompanha a criança no escuro, que naquele instante não provoca mais medo, como explicou Carron. O medo, portanto, sempre se apoia sobre um vazio de experiência e de sentido, que une quem acredita e quem não acredita, mas que pode ser preenchido.
Até uma pandemia pode nos ajudar, admitiu Carron. “Como diz Taylor, no medo do outro se parte não de experiências vividas, cada um tem a sua ideia do que é o cristianismo ou o ateísmo. Faz a diferença se consegue ter uma experiência comum do outro - contou ontem - e a pandemia permitiu que todos tivessem uma experiência compartilhada: fomos todos desafiados e envolvidos em uma idêntica experiência comum e vimos que tínhamos perguntas em comum. A partir daí, pudemos verificar nossos pressupostos e tentar permanecer na realidade. Se alguém foi leal a essa experiência, talvez a pandemia possa ser o início de um diálogo sobre o que é preciso para viver, porque finalmente temos uma experiência comum na qual nos foram dadas respostas, que cada um verificou”.
Mais ou menos como Williams também pensa, "muitas vezes formulamos as perguntas erradas sobre crentes e não crentes, deveríamos sentar e ouvir" - o que sublinhou as especificidades da experiência cristã, muitas vezes mal compreendida ou, no mínimo, desconhecida para a maioria. “O cristianismo não é um sistema religioso, mas, como ensina o teólogo grego Yannaras, tem a ver com habitar o corpo de Cristo; a própria Igreja não é uma instituição, mas uma realidade espiritual”.
Uma vez iniciado esse diálogo, permanece o tema da escolha religiosa (e não), que se desvenda daquele da liberdade, caro, senão caríssimo a Comunhão e Libertação. Foi Williams quem recordou que a liberdade cristã tem um caráter oblativo: “dar a vida aos outros é a liberdade última, autêntica e generativa”; Taylor explicou que essa liberdade real provém de nossa natureza e, a rigor, não pode nem mesmo ser "escolhida" pelo homem; Carron admitiu que “tanto o poder leigo quanto o clerical sempre tentam nos convencer de que ficaremos melhor se renunciarmos à nossa liberdade, mas Giussani ensinava que uma salvação que não fosse livre não seria salvação”.
Essa plena liberdade com a qual superamos o medo é conquistada, disse Carron finalmente, quando nos libertamos da tendência de aceitar as migalhas de liberdade que os vários poderes terrenos nos oferecem e experimentamos a plenitude da vida. “Fora isso - comentou - é fácil dizer que estamos livres, mas muitas vezes estamos livres apenas em nosso próprio quarto e estamos sempre caçando migalhas, de qualquer mesa vierem”. Também para a nossa maneira de ser cristãos. “Devemos compreender que a verdadeira natureza da nossa religião não é a de um conjunto de regras, mas como um encontro com a realidade histórica de Jesus que nos permite experienciar uma plenitude de vida de outra forma inimaginável”.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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A secularização agora é uma oportunidade. “O medo abre ao essencial” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU