29 Junho 2013
O teólogo ortodoxo grego Christos Yannaras recebeu na Bréscia, Itália, no Centro Paolo VI, no dia 16 de junho de 2013, o Prêmio Internacional de Filosofia/Filosofi lungo l'Oglio. O teólogo grego foi membro do comitê de direção da Revista Internacional de Teologia Concilium, publicada pela editoria Queriniana. É também um dos autores do catálogo da Queriniana com o livro La fede dell’esperienza ecclesiale. Introduzione alla teologia ortodossa (GDT 217), cujo título original é Ἀλφαβητάρι τῆς πίστης (Atenas, 1983). Ele é também um representante da teologia internacional e, por isso, foi incluído na Antologia del Novecento Teologico: apresentamos abaixo o texto inserido nessa antologia.
Yannaras é filósofo e teólogo ortodoxo, professor emérito da Universidade Panteion de Ciências Sociais e Políticas, de Atenas, na Grécia, onde ministrou um curso de apresentação da ortodoxia no seu confronto com o Ocidente, que teve um grande sucesso em termos de participantes e editorial no texto das suas palestras atenienses, publicado com o título Abbecedario della fede (1983).
Como escreveu o prefaciador, Michel Stravou, da tradução francesa e italiana, publicada sob o título La fede dell’esperienza ecclesiale, para o teólogo neo-helênico, "o termo 'Ocidente' não tem um significado estritamente geográfico, mas designa a civilização moderna, que se impôs ao mundo inteiro a partir da Europa ocidental"; e "o termo 'ortodoxo' não é usado em sentido confessional restrito, mas sim no sentido de uma referência constante à fé universal, 'católica', da Igreja indivisa. [...] Yannaras considera que uma verdadeira contribuição ao esforço de reconciliação das Igrejas consistiria em trabalhar para fazer emergir essa ortodoxia que se revela como uma ortopráxis através das pessoas dos santos, dos sacramentos e da arte litúrgica, sinais da 'verdadeira vida'".
O artigo foi publicado no blog da Editora Queriniana, 24-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um olhar histórico para as condições nas quais se realizou a ocidentalização dos países do Oriente ortodoxo, começando pela alteração da consciência cultural grega depois da fundação do Estado moderno na Grécia sob o modelo da fundação da Rússia de Pedro, o Grande, no século XVIII , permitiria evidenciar os maiores problemas que estão conectados com a interpretação, com a presença e com o testemunho da Ortodoxia eclesial nos nossos dias.
A distinção entre Ortodoxia e Ocidente não é mais facilmente discernível, não é mais evidente. O Ocidente, que não tem mais fronteiras geográficas, está por toda parte e representa na história a primeira civilização de dimensões realmente planetárias. E civilização significa: pressupostos teóricos concretos de ordem ideológica ou dogmática, que se traduzem conscientemente ou não em uma atitude de vida, em um modo de vida cotidiana.
Hoje, mesmo nos países chamados ortodoxos, a civilização é "ocidental", o modo de vida cotidiano lança suas raízes na sua elaboração histórica, na metafísica ocidental, que remonta a São Tomás de Aquino e Agostinho. Assim, a Ortodoxia parece se limitar apenas a convicções pessoais, incapazes de influenciar a práxis da vida, a encarnação histórica da verdade. A Ortodoxia se transforma em um ensinamento abstrato, em um dogma desencarnado, em uma manutenção de formas culturais e exteriores.
Mas, mesmo que se trate de dados "objetivos" que especificam o problema, a realidade da vida certamente não se esgota na fenomenologia dos sintomas. É certo que a dinâmica da verdade eclesial pode permanecer à espera e a Ortodoxia pode permanecer em silêncio por muitas décadas, até mesmo séculos. Mas a ausência de uma dinâmica histórica concreta, a ausência de um testemunho atual da Ortodoxia que seja encarnado em uma realização cultural concreta não significa a morte do gérmen da verdade eclesial, nem a secagem da seiva que dela brota. Em algum lugar, a vida está em secreta gestação, e, um dia, a semente enterrada levantará a rocha que a sufoca.
Daqui em diante, para a geração dos ortodoxos de hoje, há uma questão central à qual o estudo e a vida devem ser consagrados: o debate entre Ortodoxia eclesial e a civilização ocidental, a análise e a exploração das múltiplas extensões desse confronto. Enfim e principalmente, devemos viver esse debate com um espírito humilde e crucificado, e procurar uma solução encarnada nas manifestações hipostáticas vivas que são as pessoas dos santos. Não nos esqueçamos de que o critério da Ortodoxia é a catolicidade eclesial e que a medida da catolicidade é a realização dos dons da vida na pessoa dos santos.
O confronto entre a Ortodoxia e o Ocidente não é uma questão de antagonismos teóricos e abstratos, nem o lugar de uma contestação histórica entre instituições. Por isso, ele não pode ser evitado simplesmente com esforços fraternos de reconciliação empreendidos pelas Igrejas cristãs divididas. As diferenças teológicas em si não importam em primeiro lugar, mas sim as suas consequências diretas sobre a vida e sobre a práxis histórica. A consciência ortodoxa deve ao menos responder ao desafio do ateísmo e do niilismo ocidentais, que literalmente varreram – e não por acaso – a cristandade que o Ocidente havia feito uma "religião".
A crítica da religião exercida pelo século das Luzes e pelo liberalismo, pelo marxismo, pelo freudismo, pelo existencialismo ateu, pelo agnosticismo científico, que parece ser de uma precisão implacável, parece ser historicamente justificada. A questão então é: quais respostas de vida e qual dinâmica de vida a consciência eclesial ortodoxa pode opor a essa crítica?
O confronto parece ser terrivelmente ímpar: opõem-se, de um lado, as rígidas estruturas de uma civilização que se impõe de modo onipotente sobre a organização da vida humana; de outro, a consciência ortodoxa que se conserva a muito custo na experiência litúrgica e no discurso teológico. Trata-se verdadeiramente do "grão de trigo" enterrado que se decompõe debaixo da terra: eis o que é a Ortodoxia hoje. Mas essa morte constitui a esperança e a fé dos ortodoxos. O problema do testemunho ortodoxo hoje é um problema de discernimento entre a morte vivificante do "grão de trigo" e a corrupção sem esperança e sem saída que corrói abertamente as estruturas da civilização da heresia.
Hoje, o impasse da civilização ocidental não é mais de caráter teórico. Ela se revela através da angústia e do absurdo do modo de vida cotidiano. Essa civilização do "equilíbrio do terror", dos programas racionais que devem garantir a "felicidade geral", essa civilização dos resíduos tóxicos, do endividamento provocado pelo espírito consumista e pela subserviência da existência humana às ideologias totalitárias chegou a ameaçar a vida, em escala universal.
No entanto, no coração dessa morte, a Igreja continua esperando pela ressurreição dos mortos. Enquanto a tradição litúrgica ortodoxa é salvaguardada e "funciona", mesmo que escondida em paróquias ou dioceses desconhecidas, e enquanto o testemunho teológico se articula em torno do modo de vida preservado pelo culto, uma cultura situada nos antípodas da civilização ocidental sobrevive secretamente, e uma palavra universal, capaz de salvar o ser humano, está se preparando com força.
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Ortodoxia eclesial e civilização ocidental hoje. Artigo de Christos Yannaras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU