21 Janeiro 2021
Quando a encíclica Fratelli tutti foi publicada, Rowan Williams, arcebispo de Canterbury de 2002 a 2012, estava lidando com uma mudança importante. Tendo-se aposentado como reitor do Magdalene College de Cambridge, ele também decidiu se aposentar da Câmara dos Lordes e voltou para Cardiff, no País de Gales, onde nasceu.
“Eu não via a hora de que a encíclica fosse publicada”, conta. “Eu a estava esperando e a li imediatamente, em um dia, muito rapidamente. Depois, a reli uma segunda vez, escolhendo alguns pontos que me pareciam interessantes.”
Ele a descreve como uma “visão política global notável”, reforçada pela “abordagem muito pessoal” do papa e por uma linguagem acessível e entusiasmante.
“Eu teria gostado de algo mais sobre a teologia do corpo de Cristo e também sobre os jovens, o ambiente e as mulheres, mas apenas porque são assuntos que me interessam pessoalmente. Não se trata de lacunas.”
A reportagem é de Silvia Guzzetti, publicada por Avvenire, 20-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco escreve que a Covid nos ensinou que não nos salvamos sozinhos. No entanto, se é que é possível, as diferenças parecem ter se acentuado.
Eu acho que no Reino Unido, onde eu moro e que conheço melhor, muitos querem não só não voltar para onde estávamos antes da crise, mas também aproveitar esta oportunidade para construir uma sociedade mais justa. De acordo com as pesquisas, a maioria dos cidadãos britânicos está pedindo que se iniciem políticas mais responsáveis em relação ao ambiente e uma melhor proteção para os idosos vulneráveis, uma categoria à qual o Papa Francisco dedica muita atenção. O problema é traduzir essas opiniões em um programa político. Por enquanto, em nível nacional, aqui entre nós, eu não vejo nenhum sinal de que isso esteja acontecendo, mas vejo muita energia em nível local, em nível de base, na sociedade civil, precisamente como a Fratelli tutti deseja.
Na encíclica, há uma forte referência à importância da alta política, que não se curva às finanças e ao eficientismo. Por onde começar para mudar de rumo?
Acho que começamos a entender realmente o que é a democracia quando entendemos como chegar a conclusões e soluções que sejam sustentáveis para toda a comunidade. Aprendemos isso nas cooperativas e nas formas mais simples de política local. Assim, é menos provável que sejamos vítimas daquela que o papa chama de cultura da destruição dos nossos opositores, um veneno da política dos nossos dias.
Outro aspecto significativo da encíclica diz respeito à superação do conceito de “guerra justa”. O que pensa?
Acho que essa é uma das seções mais importantes da encíclica e estou muito grato ao papa pela mensagem que ele nos dá. Ele nos diz que é virtualmente impossível, no contexto atual, imaginar qualquer conflito que responda aos critérios da guerra justa como descrita na teologia clássica. Esse conceito foi superado para sempre e não pode ser aplicado às novas guerras de hoje.
O que fazer para evitar que a religião permaneça confinada ao privado e não fique às margens da sociedade? A religião ainda orienta a escolha das pessoas?
A formação religiosa guia as prioridades morais das pessoas e a sua visão de mundo mais do que muitos promotores da secularização gostariam, e, por isso, é importante dar à Igreja uma voz no espaço público. Não devemos, porém, buscar o poder, mas sim a visibilidade, embora seja importante não sermos excluídos apenas porque não usamos códigos abstratos, universais e secularizados. Como Igrejas, hoje, não temos mais a influência na esfera pública, que tínhamos no passado e devemos conquistar o direito de ser ouvidos. Devemos trabalhar mais duramente para nos fazer ouvir.
É um trabalho que nos enriquece, porque nos torna mais refinados na nossa capacidade de promover o nosso ponto de vista. Quando o Papa Francisco diz que se dirige a todos os homens de boa vontade, ele declara a intenção de encontrar uma forma de comunicar que também possa ser compartilhada por aqueles que não se comprometem em acreditar na Trindade e na encarnação de Cristo. Admiro profundamente essa atitude e a considero um dos resultados mais importantes dessa encíclica.
Ao mesmo tempo, porém, em diversas passagens, o papa destaca os fundamentos eternos da nossa fé cristã, contra o relativismo, no espírito do Papa Bento XVI, e diz que, sem o nosso enraizamento nessas verdades eternas, não pode haver um verdadeiro diálogo político e um encontro com os outros. Na encíclica, o Papa Francisco fala de uma “sociedade fraterna”. Quais características ela deve ter, na sua opinião?
É uma sociedade na qual, tal como diz o papa, entendemos melhor como funciona a democracia e compreendemos que é algo variado que existe em nível local e nacional de várias formas. Consequentemente, tornamo-nos menos messiânicos nas nossas expectativas diante dos líderes políticos. Neste momento, escolhemos os nossos líderes como se se tratasse de uma competição entre modelos ou jogadores de futebol famosos. Eu gostaria de um estilo mais modesto e prático, que não presumisse que o meu opositor não só está errado, mas também é mau e perigoso. O Papa Francisco, com a expressão “pedagogia mafiosa”, identifica uma tendência preocupante da política global dos últimos 10 anos em prometer proteção e gerar dependência, prometendo em troca a eliminação de todos os inimigos.
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“Aproveitemos esta crise para construir uma sociedade mais justa.” Entrevista com Rowan Williams - Instituto Humanitas Unisinos - IHU