21 Setembro 2020
"A percepção de que a comunidade LGBTQ também se compõe de pessoas amadas por Deus exatamente como elas são com certeza põe um desafio à maneira como a fé vem sendo, na maioria das vezes, ensinada. Em vez de reexaminarem e reconstruírem a sua fé, alguns cristãos rejeitam a verdade e perpetuam a homofobia e a transfobia".
A reflexão de hoje é de Michael Sennett. Michael estudou comunicação e ensino religioso na Universidade Saint Xavier, em Chicago. Depois que se formou em 2018, ele passou a trabalhar na Igreja de Santo Inácio de Loyola, em Chestnut Hill, Massachusetts, como assistente administrativo e especialista em mídias. Michael é homem trans e gosta de ouvir testemunhos da espiritualidade queer. Ativamente ele procura servir e ministrar a seus companheiros. No futuro, espera cursar teologia.
O artigo foi publicado por New Ways Ministry, 20-09-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A graça de Deus é um escândalo para a Igreja Católica.
O evangelho de hoje contém a parábola dos trabalhadores da vinha. Ao final do dia de trabalho, os operários que colhiam as uvas desde o amanhecer se frustraram com a revelação de que haviam recebido a mesma quantia que os trabalhadores que começaram a trabalhar mais tarde do dia. Essa frustração é compreensível, e mesmo previsível. Imagine passar o dia inteiro trabalhando sob um sol escaldante para depois perceber que a pessoa que trabalhou meio turno, ou menos ainda, ganhou o mesmo salário. Parece injusto.
No entanto, na verdade ninguém foi enganado. O patrão pagou aos primeiros trabalhadores exatamente aquilo que lhes prometeu. A raiva destes dirigia-se à generosidade, e ela reflete a hipocrisia dos trabalhadores.
A compaixão e a misericórdia compeliram o patrão a pagar cada trabalhador de forma igual, mesmo se não o merecessem pelos padrões societais. Os últimos são os primeiros, e os primeiros são os últimos. Eis o significado da graça divina. Não importam as circunstâncias, o Senhor é generoso com compaixão e misericórdia por todos.
O Evangelho de Mateus não explica por que os últimos trabalhadores não haviam sido contratados mais cedo. Segundo o relato, eles se mantinham ociosos, aguardando por uma oportunidade. Talvez outros empregadores escolhessem os trabalhadores que pareciam se adequar à tarefa e ignoravam os trabalhadores com os quais não tinham familiaridade. Os últimos não evitavam o trabalho, mas pacientemente aguardavam serem escolhidos.
Essa narrativa dos primeiros e dos últimos é uma realidade atual para a Igreja que se recusa a reconhecer os dons dos marginalizados, como os da comunidade negra e de outras pessoas de cor, mulheres, membros LGBTQ, deficientes e grupos que não se alinham com as expectativas culturais. Entretanto, Deus abraça os acolhe da mesma forma como os primeiros. Nem mais, nem menos.
Como os trabalhadores descontentes, os justos se escandalizam com a Boa Nova do Evangelho. Citam-se as Escrituras de maneira seletiva e se arremessam trechos seus contra pessoas LGBTQs: na Igreja, tentam limitar o papel desses irmãos e irmãs, porque com certeza ninguém tem o direito à mesma compaixão e misericórdia do que os “primeiros”. Apesar da discriminação e do ódio, os católicos queer permanecem resilientes e continuam com o triunfo de Cristo, pois Deus é generoso.
Por que uns se escandalizam pelo fato de que as pessoas LGBTQs recebam a graça de Deus? Tudo começa com os líderes eclesiásticos. Um número demasiado grande de católicos LGBTQs já se viu exposto a pregações que não só desrespeitam e condenam a vida e as experiências queer que têm, mas também exaltam aquelas iniciativas que visam mudar esta população. Embora a Igreja oficialmente não aprove terapias de conversão, vários membros do clero têm participação nesse processo, incentivando que as pessoas se submetam a tais tratamentos, apesar do conhecido dano emocional, mental e espiritual que causam.
Padres e bispos por vezes lembram os fiéis que, segundo o Catecismo, “os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados” (2357) e que as pessoas LGBTQs são chamadas à castidade. No entanto, raramente somos “acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza” (2358) como também indica o Catecismo. Quando se formam consciências por meio da intolerância ao invés do amor, a aceitação não é possível.
Católicos cisgêneros/héteros não se lhes ensina verem a si mesmos como desordenados, logo pode parecer natural acreditar que eles mereçam mais do que os pecadores sexuais. Estes são capazes de resistir à tentação, afinal de contas.
A percepção de que a comunidade LGBTQ também se compõe de pessoas amadas por Deus exatamente como elas são com certeza põe um desafio à maneira como a fé vem sendo, na maioria das vezes, ensinada. Em vez de reexaminarem e reconstruírem a sua fé, alguns cristãos rejeitam a verdade e perpetuam a homofobia e a transfobia.
Papa Francisco com Maria Grassi, vice-presidenta de La Tenda di Gionata. (Foto: Avvenire)
Recentemente, o Papa Francisco reafirmou a pais de filhos LGBTQs que a Igreja “ama seus filhos tal como são, porque são filhos de Deus”. Entretanto, muitos católicos queer não recebem este amor de parte de lideranças eclesiásticas mal orientadas, e isso, por sua vez, pode prejudicar a relação que esta população tem com Deus.
Devemos continuar no caminho do discipulado por meio da defesa desta causa, de forma que as pessoas LGBTQs saibam que são amadas e bem-vindas não somente por Deus, mas também pelas suas comunidades de fé.
Velhos hábitos dificilmente deixam de existir, mas a cruz da generosidade é nossa e cabe a nós fomentar uma Igreja e um mundo mais acolhedores para todos. Um amor sem limites pode parecer escandaloso, mas como nos diz Isaías na primeira leitura:
Os meus projetos não são os projetos de vocês,
e os caminhos de vocês não são os meus caminhos (…)
Tanto quanto o céu está acima da terra,
assim os meus caminhos estão acima dos caminhos de vocês,
e os meus projetos estão acima dos seus projetos.
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