28 Agosto 2020
Papa Francisco, 5 de agosto passado, retomando as Audiências Gerais na quarta-feira, que aliás a partir de 2 de setembro serão realizadas com a presença dos fiéis no pátio de San Damaso, abriu um novo ciclo catequético intitulado “Curar o mundo”, que ele apresentou com as seguintes reflexões: “A pandemia continua a causar feridas profundas, desmascarando nossas vulnerabilidades. Muitos são os mortos, muitos são os doentes, em todos os continentes. Muitas pessoas e muitas famílias vivem um tempo de incertezas, devido a problemas socioeconômicos, que atingem principalmente os mais pobres”.
A reportagem é de L.B. e R.C, publicada por Il Sismografo. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo os jornalistas, as catequeses do Papa Francisco, tendo como tema "Curar o mundo", são uma antecipação sólida, bela e inteligente de uma renovada visão da doutrina social da Igreja".
Em seguida, Francisco voltou a ressaltar: “Para isso devemos manter o nosso olhar firme em Jesus (cf. Hb 12, 2) e com essa fé abraçar a esperança do Reino de Deus que o próprio Jesus nos traz (cf. Mc 1,5; Mt 4,17; CIC, 2816). Um reino de cura e salvação que já está presente em nosso meio (cf. Lc 10,11) Um reino de justiça e paz que se manifesta nas obras da caridade, que por sua vez aumenta a esperança e fortalece a fé (cf. 1Cor 13,13).
Na tradição cristã, a fé, a esperança e a caridade são muito mais do que sentimentos ou atitudes. São virtudes infundidas em nós pela graça do Espírito Santo (cf. CIC, 1812-1813): dons que nos curam e nos tornam curadores, dons que nos abrem para novos horizontes, mesmo enquanto navegando nas difíceis águas do nosso tempo. Um novo encontro com o Evangelho da fé, da esperança e o amor nos convida a assumir um espírito criativo e renovado. Dessa forma, seremos capazes de transformar as raízes de nossas enfermidades físicas, espirituais e sociais. Seremos capazes de curar em profundidade as estruturas injustas e as práticas destrutivas que nos separam uns dos outros, ameaçando a família humana e o nosso planeta”.
O Papa, depois da Introdução de 5 de agosto e até ontem, continuou suas reflexões sobre esses temas - numerosos, urgentes e complexos - desenvolvendo aprofundamentos específicos: “Fé e dignidade humana” (12 de agosto), “A opção preferencial pelos pobres e a virtude da caridade” (19 de agosto) e “A destinação universal dos bens e a virtude da esperança” (26 de agosto).
Esses quatro encontros - que talvez façam parte de um ciclo bastante amplo, quase como se fossem “Notas” para uma possível nova encíclica - imediatamente evidenciam alguns momentos relevantes do pontificado: a pandemia inundou o coração de Francisco de inquietação, sofrimento e desorientação humanos, porque são um sinal da crise global da civilização para a qual a única resposta é Jesus e o que Ele doa como antídoto. Francisco nunca esquece a pandemia, mas abre imediatamente, em cada denuncia, a via para a superação. Ontem, por exemplo, disse:
“Perante a pandemia e as suas consequências sociais, muitos correm o risco de perder a esperança. Nesse tempo de incertezas e angústias, convido a todos a acolherem o dom da esperança que vem de Cristo. E Ele quem nos ajuda a navegar nas águas tumultuosas da doença, da morte e da injustiça, que não têm a última palavra sobre o nosso destino final. A pandemia evidenciou e agravou os problemas sociais, especialmente a desigualdade. (...)
“Esses sintomas de desigualdade revelam uma doença social; é um vírus que vem de uma economia doente. Temos que dizer isso simplesmente: a economia está doente. Ela ficou doente. É o fruto de um crescimento econômico injusto - essa é a doença: o fruto de um crescimento econômico injusto - que ignora os valores humanos fundamentais. No mundo de hoje, poucas pessoas riquíssimas têm mais do que o resto da humanidade. Repito isso porque nos fará pensar: uns poucos muito ricos, um pequeno grupo, têm mais que o resto da humanidade. Isso é estatística pura. É uma injustiça que clama ao céu! “
“Ao mesmo tempo, esse modelo econômico é indiferente aos danos infligidos à casa comum. Não cuida da casa comum. Estamos perto de ultrapassar muitos dos limites de nosso maravilhoso planeta, com consequências graves e irreversíveis: da perda da biodiversidade e das mudanças climáticas à elevação do nível do mar e à destruição das florestas tropicais. Desigualdade social e degradação ambiental caminham juntas e têm a mesma raiz (cf. Enc. Laudato si ', 101): a do pecado de querer possuir, de querer dominar os irmãos e as irmãs, de querer possuir e dominar a natureza e o próprio Deus. Mas esse não é o desígnio da criação”.
“A terra ‘existe ante do nós e nos foi dada’ (ibid.), foi dada por Deus ‘a toda a humanidade’ (CIC, 2402). E, portanto, é nosso dever garantir que seus frutos cheguem a todos, não apenas a alguns. E esse é um elemento-chave de nossa relação com os bens terrenos. Como recordaram os padres do Concílio Vaticano II, ‘o homem, usando estes bens, deve considerar as coisas externas que legitimamente possui não só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros. (Const. past. Gaudium et spes, 69). Com efeito, “a posse de um bem torna quem o possui administrador da Providência, para que dê frutos e os partilhe com os outros” (CIC, 2404). Somos administradores de bens, não donos. Administradores. “Sim, mas o bem é meu”. É verdade que é seu, mas para administrá-lo, não para tê-lo egoisticamente para você.”
“Quando a obsessão em possuir e dominar exclui milhões de pessoas dos bens primários; quando a desigualdade econômica e tecnológica é tal que dilacera o tecido social; e quando a dependência de um progresso material ilimitado ameaça a casa comum, então não podemos ficar parados, apenas olhando. Não, isso é desolador. Não podemos ficar parados e assistir! Com o olhar fixo em Jesus (cf. Hb 12, 2) e com a certeza de que o seu amor opera através da comunidade dos seus discípulos, devemos todos agir juntos, na esperança de gerar algo diferente e melhor. A esperança cristã, enraizada em Deus, é a nossa âncora. Sustenta a vontade de compartilhar, fortalecendo nossa missão como discípulos de Cristo, que compartilhou tudo conosco.”
“Mas lembrem-se: não se pode sair de uma crise iguais, saímos melhores ou saímos piores. Essa é nossa opção. Depois da crise, continuaremos com esse sistema econômico de injustiça social e desprezo pelo cuidado com o meio ambiente, com a criação, com a casa comum? Vamos pensar sobre isso. Que as comunidades cristãs do século XXI possam recuperar esta realidade – o cuidado pela criação e a justiça social: caminham juntas -, testemunhando assim a Ressurreição do Senhor. Se cuidarmos dos bens que o Criador nos doa, se colocarmos em comum o que possuímos para que a ninguém falte, então poderemos verdadeiramente inspirar esperança para regenerar um mundo mais saudável e mais justo.”
Essas breves considerações nos permitem considerar que o quarto encontro do ciclo (ontem, 26 de agosto) seja uma espécie de introdução a uma hipotética encíclica, por ora apenas oral, um encontro semanal com o Papa para entrar em sintonia com o seu magistério e sobretudo para renovar, no dinamismo de continuidade, a doutrina social da Igreja, em boa medida muito ancorada no que antes era a “questão operária”. Hoje o mundo é radicalmente diferente daquele do início do milênio. A doutrina social se atualizou com os ensinamentos de Bento XVI e com aqueles de Francisco, mas agora, em 2020, é preciso mais velocidade, tempestividade e coragem. Esse ciclo em curso poderia ser uma antecipação sólida, bela e inteligente de uma visão renovada da doutrina social da Igreja.
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As últimas catequeses de Francisco - uma verdadeira “encíclica oral” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU