04 Agosto 2020
Os jesuítas da América Latina têm assumido a ecologia integral como tema de debate, promovendo um ciclo de conferências que iniciaram no dia 25 de junho e se prolongarão até o próximo mês de novembro. Promovidos pelo Grupo de Ecologia Integral da Rede de Centros Sociais da Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina (CPAL), ao longo de seis seminários será refletido sobre a justiça socioambiental, os Direitos Humanos, os desafios do trabalho independente e o emprego para contribuir à Ecologia Integral, o Sínodo para a Amazônia, e a Defesa dos territórios.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Nesta quinta-feira, 29 de julho, o tema de debate foi a Ecologia Integral e o conceito de justiça socioambiental, tendo como ponente a Marcivana Sateré, da coordenação do Povos Indígenas de Manaus e Entorno – COPIME, e José Ivo Follmann, Diretor do Observatório Luciano Mendes de Almeida – OLMA, e Investigador da UNISINOS.
Ivo Follmann
(Foto: Captura de tela | Luis Miguel Modino)
Ivo Follmann tinha como ponto de partida em sua reflexão os questionamentos que vêm dos mais pobres, de crianças obrigadas a viver no meio do lixo, que crescem em meio a um mundo desumano, que clamam por justiça; dos jovens e adultos humilhados, em uma situação de desespero diante de um destino de injustiça que questiona nosso mundo de desperdício e indiferença que mata; o olhar triste dos líderes indígenas diante de um dos monstruosos projetos, continuação de uma história de genocídio ao longo de 500 anos, fruto do processo colonizador e colonialista, ainda presente nas nossas mentes, metodologias e governantes.
Segundo o diretor do OLMA, a história teria sido diferente se os conquistadores tivessem tido uma atitude de encontro e diálogo. De fato, os paradigmas do passado ainda estão muito vivos em nosso meio, na exploração e falta de respeito pelos seres humanos, especialmente pelas elites do poder econômico, extrativista e explorador. Isso tem se manifestado no Brasil numa história de escravidão dos afrodescendentes, uma tragédia que também tem atingido os povos indígenas, vítimas de um processo permanente de genocídio. Ivo Follmann denunciava o que ele chamava de processo de invisibilidade da população negra, dentro do processo de branqueamento, concebido como um projeto nacional. Tudo isso fez com que a população negra fosse empurrada para as periferias e ficasse fora das políticas de integração.
Tendo como referência a encíclica Laudato Sí', onde o Papa Francisco relaciona a abordagem ecológica à abordagem social, unindo o grito da Terra com o grito dos pobres, e enfatizando que a crise ambiental e a crise social são uma e a mesma crise, o investigador da UNISINOS destaca a ideia de que tudo está profundamente interconectado. Nesse sentido, a encíclica nos desperta para a ecologia integral, tradicionalmente presente nos povos indígenas, que deve ser a chave de nosso conceito de justiça socioambiental. Isso deve provocar a diminuição da degradação humana, social e ambiental causada por sistemas injustos, segundo Ivo Follmann.
Na tentativa de construir o conceito operacional de justiça socioambiental a partir da referência à ecologia integral, ele abordava três dimensões: cuidado ambiental, que se traduz em políticas ambientais; cuidado com a sociedade, que faz referência à economia e as políticas públicas; cuidado pessoal e interpessoal, que aborda a dignidade e o reconhecimento. Tudo isso conduz a três níveis: ideias, conhecimento, que aborda as produções e partilhas; forças de decisão na sociedade, que se fazem presentes nas mobilizações e organizações para influir; vivências concretas no cotidiano, que se fazem presentes na vida do dia a dia.
Foto: Captura de tela | Luis Miguel Modino
Alguém que faz parte das organizações indígenas, como é Marcivana Sateré, denunciava a situação de invisibilidade dos indígenas na cidade de Manaus, onde grande parte dos povos vivem em ocupações indígenas. Estamos falando de 35 mil indígenas, de 47 povos e 16 línguas faladas, a quem é negada a presença na cidade de Manaus. Algo fundamental na vida dos povos originários, como é a luta pelo território, na cidade é ainda mais difícil. Junto com isso, a auditora no Sínodo para a Amazônia denunciava a falta de políticas públicas para os indígenas na cidade, sobretudo na saúde, algo que tem aparecido neste tempo de pandemia, que mostrou muitas coisas que estavam escondidas.
Nesse sentido, Marcivana afirmava que a COVID matou principalmente os mais pobres, dentro deles os indígenas, muito atingidos na cidade de Manaus, onde os indígenas vivem sem nenhuma estrutura, sem acesso inclusive à água potável, elemento sagrado para os povos indígenas, o que provoca doenças. Ela enfatiza que a COVID mostrou a desigualdade.
Segundo Marcivana Sateré, o governo federal só concebe a Amazônia a partir de grandes projetos, que provocam depredação e mudam o cenário da Amazônia. Isso afeta os povos indígenas, que segundo a cosmovisão do povo sateré nasceram da terra, algo que hoje está sendo visto como fonte de lucro. Nesse sentido, essa atitude com a terra leva a liderança indígena a dizer que “uma parte de nós está sendo explorada”. Segundo ela a Amazônia precisa ser repensada a partir de postulados indígenas, que estão sendo perdidos, colocando como exemplo a perda de importância da medicina tradicional, que cada vez está sendo mais colocada no segundo plano, inclusive nas aldeias indígenas.
Se faz necessário um desenvolvimento pensado a partir das pessoas e da mãe Terra, segundo a liderança da COPIME, que afirma que quando desparecem os rios e a mata desaparece nossa história. Isso deveria fazer com que a luta dos povos indígenas seja abraçada por todos, dado que só logramos justiça socioambiental se logramos respeitar a mãe Terra e os povos. O caminho para fazer realidade uma mudança imediata são os pequenos gestos que podem transformar o mundo, ensinar o respeito e a ser respeitado, a lutar pelos direitos, ensinar as crianças a respeitar a terra, os outros, de fato, ela insiste em que não pode se pensar uma política que não respeite as diferenças.
Foto: Captura de tela | Luis Miguel Modino
A crise ambiental é um resultado da própria crise humana, segundo Ivo Follmann, que afirma que a humanidade esqueceu seu papel específico na criação, cuidar para que tudo funcione. Isso demanda pensar seriamente em um possível mundo novo, com uma nova tecnologia, respeitoso com a natureza e preocupado em defender a diversidade. Diante de uma pandemia que acentuou as desigualdades, o diretor do OLMA faz um chamado a pensar em uma nova organização que garanta a sustentabilidade, que aprendamos com a coexistência harmoniosa dos povos indígenas, quebrada pela racionalidade moderna.
A base deve ser uma nova hierarquia de conhecimentos, colocando a dignidade humana e a vida no topo. A prática de influenciar o conhecimento, a tomada de decisões e a vida prática como algo interconectado, na luta para superar as desigualdades e a degradação ambiental. Ele denuncia que a sociedade brasileira está vivendo em um vácuo de ideias e de educação tremendos, o que demanda um trabalho através da educação popular, que leva as pessoas a viverem de forma integrada, tendo a diversidade da vida como seu centro.
Um dos problemas da sociedade atual, afirma Marcivana Sateré, é que fazemos parte de um sistema que dá tempo de vida útil a tudo, inclusive às pessoas, algo que tem se manifestado na morte dos anciãos indígenas neste tempo de pandemia. Eles são considerados pelos povos originários como guardiões das memórias de luta e resistência, o que faz com que isso esteja sendo visto como um genocídio. A líder indígena defende a necessidade de organização em busca de dias melhores, pois tem sido comprovado que as organizações indígenas têm ajudado a enfrentar a COVID. Daí a importância da participação nos espaços de decisão.
Marcivana Sateré (Foto: Captura de tela | Luis Miguel Modino)
Junto com isso se faz necessário um olhar mais carinhoso para com a Amazônia. Segundo Marcivana, que o Papa Francisco chame a Amazônia de Querida tem um significado muito profundo, mostrando que todos nós somos responsáveis pela Amazônia, pois se os povos que vivem na Amazônia vivem com dignidade, a mãe Terra vive com dignidade. Nesse sentido destaca a importância da solidariedade, algo que neste tempo de pandemia, mesmo com o abandono do governo, inclusive da Fundação Nacional do Índio, fez com que, com a ajuda das instituições e pessoas, 15 mil pessoas fossem atendidas com cestas básicas. Ela também destaca a situação dos migrantes na Amazônia, inclusive indígenas, como o povo warao da Venezuela, demandando acolhida e políticas de atendimento para essas pessoas.
Finalmente, Ivo Follmann insistia em que o trabalho com os povos indígenas deve ser um processo de aprendizado, para perceber deles como agir, para rever nossa maneira de saber, com base na sensibilidade e no sentimento. Isso demanda que a estratégia principal seja melhorar nosso conhecimento, algo que se concretiza na nova proposta de amazonizar-se. Junto com isso, buscar estratégias de mobilização, rever nosso estilo de vida. Ele afirma que a economia de Francisco e Clara é uma chave muito interessante para proteger a justiça socioambiental.
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“A humanidade esqueceu seu papel específico na criação, cuidar para que tudo funcione”, afirma Ivo Follmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU