Quem ainda está com Viganò?

O bispo auxiliar de da Diocese de Astana, no Cazaquistão, Dom Bishop Athanasius Schneider, segundo da esquerda para a direta, e o cardeal americano Raymond Burke, segundo da direita para a esquerda, e outros participam da sexta Marcha pela Vida, evento anual, em Roma, 08-05-2016. (Foto: Paul Haring | CNS)

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28 Julho 2020

"É horrível olhar para um outro ser humano e especular sobre se ele está mentalmente perturbado ou se simplesmente é uma pessoa , porém o comportamento de Viganò é convidativo a essa dúvida. Chegou a hora de aqueles bispos que testemunharam a sua integridade virem a público e se distanciarem dele, e fazê-lo da mesma forma como o fizeram quando atestaram o seu caráter", escreve Michael Sean Winters, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 27-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Eis o artigo.

No próximo mês irá fazer dois anos desde o infame “testemunho” do ex-núncio apostólico, Dom Carlo Maria Viganò, foi publicado em primeira mão pelo National Catholic Register, sítio eletrônico da rede televisiva EWTN. O seu discurso era claramente a obra de uma pessoa profundamente perturbada, a lançar acusações de um lado para o outro, dando a entender que ele, e somente ele, era virtuoso. Viganò chegou convidar o Papa Francisco a renunciar! A circunstância – no final da visita de Francisco à Irlanda – foi planejada para ganhar a máxima exposição.

Em coletiva de imprensa no voo de volta a Roma, Francisco optou por não se envolver nas acusações de Viganò. “Não direi uma única palavra sobre isso”, disse o papa na ocasião. “Acho que o comunicado fala por si, e vocês têm capacidade jornalística suficiente para tirar as conclusões”.

De forma bastante estranha, dado o fato de Viganò ter violado o direito canônico ao revelar informações adquiridas sob segredo pontifício e porque, bem, é verdadeiramente uma brutta figura pedir que o papa renuncie, vários bispos americanos vieram a público atestar, nos dias subsequentes, a integridade de Viganò, e não a de Francisco. Um clima de cisma havia se instaurado. Vou deixar que os leitores tirem as suas próprias conclusões sobre o fato de que, quando pesquisei no Google “bispos que apoiam Viganò”, o primeiro item encontrado está publicado no sítio CatholicVote.org, organização que trabalha para reeleger o presidente Donald Trump, político que recebeu uma carta de Viganò, caso amplamente divulgado na imprensa.

Nos anos seguintes, Viganò proferiu outros testemunhos, cada um deles a revelar ainda mais seus motivos vingativos. Em abril passado, o religioso se pôs a falar do Terceiro Segredo de Fátima com resultados previsivelmente malucos. Ele começou atacando o Vaticano II, o que levou Dom Thomas Tobin, da Diocese de Providence, Rhode Island, prelado que não é progressista, a tuitar: “Se o Vaticano II foi tão prejudicial, por que foram necessários 55 anos para Viganò dizê-lo? Ele exercitou o seu ministério sacerdotal e episcopal, e construiu uma carreira eclesiástica bastante destacada na Igreja do Vaticano II, fazendo isso tudo sem queixas”.

Hoje, dois anos depois, podemos proferir o veredicto. Francisco estava certo: não entre em combate com quem não merece a disputa.

Hoje, a maioria dos conservadores vê em Viganò um passivo, não um ativo, e estão deixando-o de lado. Em seu blog Settimo Cielo, Sandro Magister, vaticanista conservador, enfrentou Viganò na semana passada em relação às críticas que o arcebispo tem feito ao Concílio Vaticano II. Magister não é exatamente um amigo do Papa Francisco, mas considerou a rejeição de Viganò para com o Vaticano II como algo além dos limites. “Se essa rejeição de Viganò para com o Concílio Vaticano II como um todo não é um ato cismático, sem dúvida está perto de sê-lo”, escreveu Magister. “Mas quem dentre os bispos e cardeais vai querer acompanhá-lo? Provavelmente ninguém”.

Na verdade, um bispo auxiliar do Cazaquistão, Dom Athanasius Schneider, pode ser este seguidor de Viganò, como Magister passa a demonstrar. Schneider também pediu correções em certos documentos do Vaticano II, especificamente aqueles que se pode considerar como textos a corrigir o Syllabus de Erros: Dignitatis Humanae e Nostra Aetate. Estes foram os textos que levaram Dom Michel Lefebvre ao cisma e continuam a causar consternação naqueles que permanecem tocando as águas cismáticas com os pés. (Para saber, veja a análise que fiz em duas partes do livro do padre jesuíta Jared Wicks, intitulado Investigating Vatican II, disponíveis aqui e aqui).

Magister cita uma carta escrita pelo Cardeal Walter Brandmüller – historiador católico por formação e um dos quatro cardeais que assinaram a “dubia” que desafia Francisco na questão da Comunhão para católicos divorciados e recasados – desafiando Schneider e expondo seus erros. Magister também se pergunta por que o Cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, se pôs à margem do debate em torno do Vaticano II. Quando se é conservador e um dos cardeais dos dubia o critica, então é hora de recalibrar as forças.

Schneider pode ser o único bispo a ficar publicamente do lado de Viganò. E o sítio eletrônico LifeSiteNews o terá para sempre como um herói. Sempre haverá uma figura marginal na Igreja. O que preocupa é quando este alguém tenta integrar ideias difusas na imprensa convencional. Que se deixe a Raymond Arroyo, da EWTN, continuar a acenar acriticamente a bandeira de Viganò. Na quinta-feira passada, um de seus convidados, Robert Royal, referiu-se ao fato de que já faz quase dois anos desde as “revelações de Viganò sobre McCarrick”. Os produtores do programa exibiram uma foto do arcebispo em desgraça. Nem Arroyo nem o outro convidado, o Pe. Gerald Murray, disseram algo para esclarecer que as “revelações de Viganò” eram mentiras fantasiosas e fantasias mentirosas, apenas com aparência de veracidade.

É horrível olhar para um outro ser humano e especular sobre se ele está mentalmente perturbado ou se simplesmente é uma pessoa , porém o comportamento de Viganò é convidativo a essa dúvida. Chegou a hora de aqueles bispos que testemunharam a sua integridade virem a público e se distanciarem dele, e fazê-lo da mesma forma como o fizeram quando atestaram o seu caráter. “Não é assim, não é assim, mestre secretário. A máxima é ‘Qui tacet consentire’: a máxima do direito é ‘o Silêncio equivale ao consentimento’”, diz Sir Thomas More a Thomas Cromwell na peça “Um homem para todas as estações”. Quem ainda está com Viganò? E quem está com o Papa Francisco?

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