11 Junho 2019
O papa que mente sobre McCarrick. João Paulo II e Bento XVI, também cometeram "erros" no caso do ex-arcebispo de Washington, porque são "seres humanos", enquanto Francisco deveria renunciar. Ele foi forçado a um auto-exílio depois de ter acusado a "máfia gay" reinante no Vaticano. Novos documentos cheios de revelações.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 10-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os ingredientes que temperaram a saga de D. Carlo Maria Viganò estão na entrevista que o ex-núncio nos EUA concedeu nesta segunda-feira ao Washington Post. Não uma entrevista no verdadeiro sentido da palavra, mas uma correspondência de dois meses conduzida por e-mail (8 mil palavras em resposta a 40 perguntas) entre os dois jornalistas Chico Harlan e Stefano Pitrelli e o arcebispo que se recusou a encontrá-los pessoalmente.
Desde a publicação de seu sensacional dossiê de agosto de 2018 em que acusava o Pontífice, não está claro por que razões particulares Viganò escolheu, de fato, viver escondido em um refúgio secreto do qual envia, ciclicamente, cartas e comunicados. São numerosas as declarações feitas nos últimos meses, novamente através da rede habitual de sites e blogs tradicionalistas que contribuíram para a divulgação de seu memorial, com o qual o arcebispo recorta para si um papel de protagonista na Igreja ou comenta as notícias atuais.
O ex-núncio, que - como relembra o jornal norte-americano - sempre esteve na linha de frente em eventos da Igreja conservadora ou marchas pró-vida, não aparece em público há cerca de dez meses, contata pessoas via Skype com uma conta que não está em seu nome e diz que se tornou "mais atento com quem eu me encontro e com o que eu digo". Aos dois jornalistas que lhe apresentaram perguntas pessoais se recusa a responder porque, ele explica, são "irrelevantes para os graves problemas da Igreja". "Minha vida é bastante normal", escreve em um e-mail, e em outro ele se define um "idoso" que "em breve comparecerá perante o Bom Juiz".
Viganò é sucinto também quanto ao escândalo de corrupção que, graças a uma investigação conduzida pelo Post, vê como protagonista o bispo de Wheeling, em West Virginia, Michael J. Bransfield, que teria distribuído grandes somas de dinheiro da diocese como "presentes" aos bispos e cardeais para garantir a sua proteção. Na lista também aparece o monsenhor Carlo Maria Viganò, que agora explica que teria sido uma afronta recusar dinheiro que depois doou para caridade.
O ex-representante do Papa nos EUA, por outro lado, discorre longamente sobre as declarações do Papa à TV mexicana Televisa, na qual afirmava não saber nada sobre os crimes de McCarrick, caso contrário teria agido. Viganò - que afirma ter sido justamente ele quem informou Bergoglio, em 2013, dos crimes do então arcebispo de Washington - diz estar "imensamente triste" pelo fato de que Francisco "claramente mentiu para o mundo inteiro": "Como pode ter esquecido tudo isso, especialmente um Papa?"
Até agora não há documentos aptos a provar tais afirmações, assim como não há provas claras para confirmar o outro leitmotiv dos documentos do ex-núncio, ou seja, o fato de que o Papa Francisco estivesse ciente e, portanto, tivesse ignorado as sanções impostas secretamente por Bento XVI a McCarrick. Indicações como não aparecer em público e evitar viagens, que o ex-cardeal ignorou sistematicamente já sob o pontificado de Ratzinger.
"A verdade será revelada", garante Viganò, sugerindo que ele ainda mantém outros documentos, mas que "para mim ainda não chegou a hora de apresentar algo" e convidando as hierarquias do Vaticano a divulgar a documentação em seus arquivos "supondo que eles ainda não os tenham destruído”. "Os resultados de uma investigação honesta" da Santa Sé - anunciada pelo Vaticano em outubro e ainda em curso, como confirmado recentemente pelo cardeal Parolin - "seriam desastrosos para o atual papado", afirma ele.
Certamente, Viganò admite (talvez pela primeira vez), que um estudo tão "aprofundado" poderia prejudicar também a reputação dos Pontífices anteriores, Bento XVI e João Paulo II. Foi sob seus pontificados, de fato, que McCarrick, de quem a Santa Sé - de acordo com as declarações do próprio Viganò - conhecia fatos e malfeitos, viveu uma ascensão que o levou a presidir a arquidiocese de Washington, tornando-se uma das figuras eclesiásticas mais influentes nos EUA e em Roma, graças também à sua "Papal Foundation", distribuidora de vultosas doações.
"Isso", diz Viganò, "não é uma boa razão para não buscar a verdade". E em todo caso "Bento XVI e João Paulo II são seres humanos e podem até ter cometido erros. Se o fizeram, queremos conhecê-los. Por que deveriam permanecer escondidos? Todos podemos aprender com os nossos erros”. A mesma benevolência parece não valer para o Pontífice reinante: Viganò diz ter suavizado, "a posteriori", o convite para renunciar, mas continua a considera-lo como uma opção no caso do Papa "se recusar a admitir seus erros e pedir perdão".
Na entrevista, o ex-diplomata defende suas ações: "O silêncio me tornaria cúmplice dos abusadores e causaria outras vítimas". Depois volta a insistir na questão da homossexualidade da Igreja, reiterando a controversa teoria de que esta seria a raiz da maioria dos abusos do clero. Sim, há estudos que confirmam que não há nenhum nexo entre orientação sexual e probabilidade de cometer abusos, como foi mencionado também na Cúpula de fevereiro no Vaticano. Mas também há "provas contundentes", segundo Viganò, ou seja, o fato de que 80% das vítimas de abuso são do sexo masculino, por volta dos 14 anos de idade.
A crise dos abusos sexuais seria "muito menos grave" se o "problema da homossexualidade no sacerdócio fosse honestamente reconhecido e adequadamente enfrentado", afirma o bispo. E acrescenta: "É surpreendente que a palavra "homossexualidade" não tenha aparecido uma única vez, em nenhum dos recentes documentos oficiais da Santa Sé". Evidentemente, diz ele, ainda está viva e poderosa aquela "máfia gay" dentro dos muros apostólicos, que no passado "sabotou todo esforço de reforma".
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Viganò: sobre McCarrick o Papa mente, erros também de Bento XVI e João Paulo II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU