18 Junho 2020
Em reportagem da revista Galileu, índices acerca do adoecimento e óbitos causados pela Covid-19 no Brasil e nos Estados Unidos deixam evidente como o racismo estrutural é preponderante para o agravamento de casos e óbitos.
A reportagem é de Pedro Martins, publicada por Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco, 17-06-2020.
As diferenças de mortalidade entre a população negra e branca, mostra que apesar de o vírus não fazer escolhas na hora de infectar, as ações de prevenção, saneamento e o atendimento dos serviços de saúde são fatores que colocam em risco a população negra, que, no Brasil, é também 75% da população pobre. O coordenador do Grupo Temático racismo e Saúde da Abrasco, professor Luís Eduardo Batista, participou da matéria e afirmou: “Entendemos que o racismo está estruturado na nossa sociedade, e por isso impacta a vida de todos de diferentes formas. Ele interfere no acesso aos serviços, na qualidade e até nas relações do usuário com o profissional”.
A demora do Ministério da Saúde em colocar o item sobre cor, gênero e bairros das pessoas com Covid-19 também prejudicou uma análise inicial sobre tal desigualdade e se deu graças à pressão da Coalizão Negra por Direitos. “A quantidade de notificação sem informação de cor só reforça o racismo institucional, que invisibiliza os negros”, diz a médica Rita Helena Espirito Santo Borret, coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) de Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
Os dados mostram que há uma morte para cada três brasileiros negros hospitalizados por Covid-19, enquanto entre brancos a proporção é de uma morte a cada 4,4 internações. Em São Paulo, cidade com o maior número de casos, bairros com maior concentração de negros têm mais óbitos pela doença. Dos dez com o maior número absoluto de mortes por coronavírus, oito têm mais negros que a média municipal.
Nos Estados Unidos, o quadro é ainda mais perverso. Embora 18% da população do país seja negra, 52% dos casos e 58% das mortes por Covid-19 são de pacientes negros, segundo um relatório da amfAR publicado no início de maio. Em estados como Geórgia, Louisiana e Alabama, as disparidades são ainda maiores, conforme mostra o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC): na Geórgia, 83% dos internados são negros, que correspondem a 32% da população; em Louisiana, estado com 33% da população negra, as mortes afroamericanas equivalem a 70%; e, no Alabama, a proporção de mortes é de 44% em uma população de 26%.
Mesmo com a predisposição às comorbidades, os principais fatores que deixam a população negra mais vulnerável ao novo coronavírus são sociais. “A população negra tem menos acesso a saneamento, vive mais concentrada, com mais trabalho informal ou desemprego”, diz Borret. “Falam ‘lave as mãos’, mas não tem saneamento básico e água encanada. Falam ‘vamos fazer isolamento’, mas que isolamento social é esse, se porteiros e cozinheiras continuam tendo que trabalhar?”, aponta Luis Eduardo.
A questão do acesso à saúde somente ao s que têm condições de pagar é um dos pontos abordados nesse debate e que configura a necropolítico nesse campo, numa situação em que a morte de determinados grupos sociais é autorizado. Batista aponta: “Para algumas pessoas, está tudo certo este pacto social que temos de que muitos vão morrer, mas estes muitos não serão os meus, porque minha família está aqui protegida”.
Tal realidade, entretanto, não é algo novo em situações de emergência. Pesquisas apontam que nas epidemias de pestes que assolaram a Europa nos séculos XIV e depois no XVI as desigualdades sociais e econômicas desenharam o rumo da pandemia. Quando a peste retornou em sua segunda onda nos século XVI, a classes ricas conseguiram se precaver com medidas que as protegeram, enquanto os mais pobres continuaram a morrer.
Um olhar atento às demais doenças infecciosas que assolam o país também traz algumas constatações, como aponta Borret “Se olhar para todas as doenças infecciosas que não conseguimos erradicar no nosso país, como tuberculose e hanseníase, elas são mais frequentes entre a população preta e pobre”. Ela ainda ainda afirma a razão para que as coisas se desenvolvam assim: “Porque a população que tem dinheiro e acesso consegue achar meios para diminuir a contaminação entre si, e aí isola o agente infeccioso entre a população que está autorizada a morrer. Isso, que está acontecendo agora com o coronavírus e pode ser que aconteça de novo mais para frente, não é nada novo, é o caminho natural que as doenças infecciosas seguem no nosso país.”.
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Desigualdade racial: por que negros morrem mais que brancos na pandemia? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU