24 Abril 2020
Publicamos aqui o comentário de Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 3º Domingo de Páscoa, 26 de abril de 2020 (Lucas 24,13-35). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Escutamos hoje a página em que Lucas narra o encontro do Ressuscitado com os discípulos a caminho de Emaús, dois discípulos desconhecidos, que representam cada um de nós.
Estamos “naquele mesmo dia”, o dia da ressurreição: é um dia cheio de acontecimentos, que iniciou com a descoberta do túmulo vazio pelas mulheres (cf. Lc 24,1-8) e terminou com a ascensão de Jesus ( cf. Lc 24,50-51). É o “dia único” da nova criação (cf. Gn 1,5), o dia sem fim em que nós estamos ainda hoje, que vai da ressurreição de Jesus à sua vinda na glória.
E, ao mesmo tempo, é “o primeiro dia da semana” (Lc 24,1), que se tornará o dia do Senhor, o domingo, em que a comunidade cristã está reunida para fazer memória da ressurreição.
Naquele dia, dois discípulos, um chamado Cléofas e outro sem nome, fazem o caminho inverso em relação ao de Jesus: eles deixam Jerusalém, a cidade santa para a qual ele havia se dirigido com decisão (cf. Lc 9,51), sabendo muito bem que “um profeta não pode morrer fora de Jerusalém” (Lc 13,33). Desse modo, eles põem fim ao seu seguimento e abandonam a comunidade dos Onze.
Nesse caminho de des-vocação, os dois “conversam sobre todas as coisas que tinham acontecido”, limitam-se a fazer a crônica dos últimos dias de Jesus, sem compreender o mistério de salvação que se realizou naqueles eventos...
E eis que Jesus mesmo, com grande condescendência, faz o caminho junto com eles. Eles, porém, são incapazes de reconhecê-lo com os olhos da fé, de discerni-lo vivo “de outra forma” (Mc 16,12). Em resposta à pergunta desse forasteiro – “O que ides conversando pelo caminho?” – eles fazem uma apresentação de Jesus formalmente impecável, mas limitada ao seu ministério terreno, uma espécie de obituário: ele “foi um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e diante de todo o povo”.
Mas, com a sua morte na cruz, morreu também a esperança que eles haviam depositado nele, e, como selo da sua desilusão, eles se referem ao fato de que já se passaram três dias desde esses eventos.
É precisamente aqui que se manifesta a dureza do seu coração: eles esqueceram o anúncio de Jesus de que “o Filho do homem deve sofrer muito, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9,22)...
Quando, enfim, acrescentam um relato cético da visão de anjos que algumas mulheres tiveram e da ida ao sepulcro de “alguns dos nossos”, que, embora encontrando tudo o que as mulheres haviam dito, “a ele, porém, ninguém o viu”, Jesus toma a iniciativa e ressuscita os dois como discípulos.
“Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória? E, começando por Moisés e passando pelos Profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele.”
Sim, as Escrituras levam a Cristo, e Cristo as ilumina, porque ele é seu intérprete definitivo: as Escrituras encontram o seu centro no cumprimento pascal, na paixão, morte e ressurreição de Jesus como fruto da sua vida!
Nesse ponto, o desconhecido faz como se tivesse que ir além, mas os dois insistem em segurá-lo, porque o seu coração arde à escuta das suas palavras. Jesus, portanto, entra para permanecer com eles e, “quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía”.
São os mesmos gestos da última ceia (cf. Lc 22,19), aqueles com os quais Jesus sintetizou toda a sua vida gasta na liberdade e por amor: são os gestos conservados e repetidos como tesouro preciosíssimo pela Igreja em memória do Senhor. “Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles”...
Imediatamente, eles retornam a Jerusalém, onde “encontraram os Onze reunidos com os outros. E estes confirmaram: ‘Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!’”.
O resultado do encontro com o Ressuscitado é o retorno à comunidade: a narração do itinerário pessoal desse encontro sempre é feita dentro da comunidade cristã, lugar de transmissão e mediação da fé pascal.
Essa extraordinária página nos revela que a Palavra contida nas Escrituras, a eucaristia e a comunidade são os lugares privilegiados da presença do Ressuscitado: e a síntese de tudo isso se encontra na assembleia eucarística reunida no dia do Senhor! Lá, o Ressuscitado é reconhecido e celebrado como Aquele que vive, como aquele que dá vida ainda hoje a quem adere a ele.
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Como reconhecer Jesus ressuscitado? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU