17 Fevereiro 2020
A exortação apostólica pós-sinodal publicada pelo Papa Francisco em 12 de fevereiro gerou reações variadas entre o episcopado brasileiro. Enquanto uns esperavam transformações mais radicais, outros bispos acreditam que o documento reafirma os caminhos para a mudança abertos com os trabalhos preparatórios para o Sínodo dos Bispos de outubro de 2019.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 15-02-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A exortação Querida Amazônia lida com as transformações sociais, culturais, ecológicas e eclesiais – apresentadas como “sonhos” para a Amazônia – que, segundo o papa, devem ser realizadas em resposta aos desafios atuais da Igreja e da sociedade em geral na região.
No entanto, este documento não aborda diretamente os debates sinodais em torno da possível ordenação de homens casados – os chamados viri probati – e da criação de mulheres diáconas, frustrando muitos dos que esperavam mudanças rápidas na Igreja.
“Posso dizer que fiquei um pouco decepcionado. O que esperávamos em um primeiro momento era uma espécie de descentralização e uma maior autoridade para os bispos reorganizarem as estruturas locais – com todo o devido respeito ao direito canônico, é claro. Os bispos são os encarregados pela vida da Igreja em nossas dioceses, mas quando queremos agir nos deparamos com muitas barreiras”, disse o bispo da Diocese de Humaitá, no estado do Amazonas, Dom Meinrad Francisco Merkel.
Segundo ele, os pedidos para que seja concedida a permissão de celebrar a Eucaristia entre os diáconos permanentes que já exercem excelentes serviços à Igreja deveria ser uma “questão simples”.
“Nós não somos pessoas impulsivas. Tenho 75 anos e quase 50 anos de vida sacerdotal. Por que não devemos ter colaboradores para levar a evangelização adiante?”, perguntou.
Na opinião de Merkel, Francisco “trabalhou duro” no sínodo e nesta exortação, mas o bispo esperava mais.
“O documento traz respostas na forma de sonhos. Trabalhamos muito e sonhamos, mas queríamos acordar e ver caminhos livres para agir com mais coragem e confiança”, afirmou.
O arcebispo de Porto Velho, no estado amazônico de Rondônia, Dom Roque Paloschi, diz que o documento papal “não fecha nenhuma porta” no tocante aos debates sinodais. “Ele confirmou o caminho da Igreja em direção a um compromisso com a vida, com os pobres e em defesa de casa comum”, disse ele.
Paloschi salienta que a Querida Amazônia não poderia ser uma reiteração do que se diz no documento final do sínodo. Então, o papa optou por apresentar suas próprias opiniões, mas sem deixar de lado o espírito dos debates.
“A Igreja não tem soluções mágicas. É sempre uma questão de continuidade. O papa não evitou as questões mais prementes, mas lutou pela unidade”, disse o arcebispo.
Para o bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, no estado amazônico do Mato Grosso, Dom Adriano Ciocca Vasino, a denúncia da devastação social e ecológica na Amazônia que subjaz a presente exortação apostólica representa um passo adiante para a Igreja na luta por um novo modelo de vida.
“A Igreja está na vanguarda deste esforço, considerando a sua percepção da realidade e as suas estratégias”, disse Vasino ao Crux.
Mas, acrescentou, parece haver uma incongruência no lado institucional.
“Quanto à capacidade da Igreja de assumir esse papel concretamente através da força e das ações de seus agentes pastorais, não fico tão animado assim”, disse ele.
Para Vasino, não é tarefa do papa provocar rupturas e transformações drásticas na Igreja. “É a experiência de vida do povo da Igreja que leva a novas perspectivas e transforma a realidade. O papa está fazendo sua parte”, disse ele.
O bispo da Diocese de Cruzeiro do Sul, no estado amazônico do Acre, Dom Flávio Giovenale, diz que leu a exortação apostólica com grande entusiasmo e não ficou frustrado com a falta de respostas concretas a pontos importantes dos debates sinodais.
“Este documento do Papa Francisco é uma reflexão baseada nas sugestões e discussões sinodais. Não é um documento jurídico, é uma exortação. Certamente mudanças concretas vão acontecer com documentos futuros, na forma de um motu proprio, por exemplo, e de atos administrativos”, disse ele ao Crux.
Giovenale diz que a parte da exortação que lida com os ministérios da Igreja – em especial, o capítulo “Comunidades cheias de vida” – sugere uma verdadeira “revolução copernicana”.
“O Papa Francisco afirma que a Igreja amazônica – e toda a Igreja – tem de ser radicalmente leiga. Ele defende uma cultura eclesial distintamente laica. Nesse sentido, os padres precisam trabalhar apenas com atividades essenciais. Na verdade, ele está dizendo que os padres devem deixar a administração e dividir o poder”, explicou Giovenale.
Segundo o religioso, isso importa muito mais do que a possível ordenação de homens casados.
“Os viri probati não são a única solução para os nossos problemas. Precisamos de uma variedade de soluções. E é realmente revolucionário sugerir uma Igreja que esteja centrada nos leigos e não no clero”, afirmou.
Para o arcebispo de Feira de Santana, na Bahia, Dom Zanoni Demettino Castro, Querida Amazônia representa o ápice de um processo muito importante de debate coletivo e de escuta do povo, que pode mostrar à Igreja Católica de outras partes do mundo a importância de se buscar as próprias raízes.
Em sua arquidiocese, no litoral norte brasileiro – bem longe da realidade amazônica –, muitos fiéis têm raízes africanas, o que, segundo disse, nem sempre é considerado adequadamente pela tradição católica.
“Em nossa Igreja, sempre nos perguntamos sobre como devemos anunciar o Reino de Deus de uma forma adequada para a comunidade afrodescendente”, disse ele.
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Reações variadas a ‘Querida Amazônia’ entre os bispos brasileiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU